Estão prontos para um artigo de opinião sóbrio e aborrecido? Ótimo, vamos lá então.

Há dias ia no carro a ouvir rádio, que é uma coisa que me acontece muitas vezes, e apanhei uma entrevista de José Theotónio, presidente-executivo do Grupo Pestana, à TSF.

A páginas tantas – ou devia dizer sons tantos?, bem, não importa -, a meio da conversa, portanto, é perguntado ao senhor por que é que o Grupo Pestana se associou a Cristiano Ronaldo no lançamento de uma série de novos hotéis. A resposta foi lapidar.

«Porque Cristiano Ronaldo é uma marca que chega a 200 milhões de consumidores.»

Ora este é o ponto, e era aqui que queria chegar desde o início.

George Best disse um dia que trouxe o futebol das páginas de desporto para as primeiras páginas dos jornais. O que é verdade: ele foi afinal de contas o primeiro futebolista pop.

Cristiano Ronaldo, no entanto, foi mais longe: o português ficará na história como o homem que levou o futebol das primeiras páginas para as páginas de economia.

A bola passou a andar ao lado de incomes, inputs e insights, a cruzar-se com market shares e outsorcings, a falar de CEOs, CFOs e CKOs. O player não é obrigatoriamente um craque dos relvados e o kick-off está muito longe de ser o pontapé de saída do jogo.

Voltando a George Best, interessa referir que o futebol está cheio de metrossexuais, cool e com swag. Beckham, por exemplo. Totti. Sergio Ramos e Casillas. Figo. Ljungberg.

Enfim, a lista é comprida e não vale a pena ir muito mais longe.

Todos eles criaram uma audiência, o que é muito respeitável. Cristiano Ronaldo fez mais do que isso. Criou um mercado: pelos vistos de 200 milhões de consumidores.

As empresas, antes dele, queriam associar-se à cara dos jogadores de futebol para ganhar notoriedade: procuravam exposição.

Com Ronaldo, porém, querem para além disso. Querem associar-se a uma marca multinacional, que está implantada em todos os continentes e que é sinónimo de competência.

Mais do que notoriedade, querem a credibilidade.

O português é por isso a face visível de um império que vai do calçado a hotéis, de museus a roupa interior. Para já. O futuro há-de provavelmente mostrar que o céu é o limite.

É claro que isto não acontece por acaso. Cristiano Ronaldo soma duas virtudes bastante óbvias: talento e prestígio. O resto foi um trabalho absolutamente notável de Jorge Mendes, um homem que soube lapidar e promover a pepita de ouro que lhe caiu nas mãos.

Para isso foi essencial a associação da Gestifute à Creative Artists Agency, a maior agência de representação de figuras públicas dos Estados Unidos.

A partir daí tornou-se habitual ver Ronaldo passar férias em Miami e frequentar as festas mais badalas do jet-set mundial, tornou-se frequente vê-lo nas capas das revistas da moda e tornou-se até normal ver o português passear em frente à janela, com as cortinas abertas, da casa de Paris Hilton: e com a imprensa do lado de fora do jardim, claro.

Tudo isto serviu para construir uma imagem global, capaz de penetrar com a mesma força em todos os mercados. Uma imagem polida e trabalhada até se chegar ao quadro que se viu na última segunda-feira: de um homem que trocou os diamantes pelos óculos de massa preta e diz por isso ao mundo que é muito mais do que apenas um jogador de futebol.

É um homem de negócios, respeitável e bem sucedido.

Enquanto os outros craques mediáticos usam a imagem para vender, ele usa a imagem para construir. É essa a herança que Cristiano Ronaldo deixa ao mundo futebol.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias