A minha primeira reação foi mais ou menos igual à da esmagadora maioria dos portugueses.

Como é que isso se escreve?

Depois de procurar na internet, de olhar para o currículo, de ver o balanço da carreira, continuei cético. Afinal de contas Marcel Keizer não tem um passado que o recomende para o Sporting.

Por um daqueles acasos da vida, no último domingo, durante o Sporting-Desp. Chaves em Alvalade, encontrei um jornalista holandês. Bart Hinke cobre todos os dias a atualidade do Ajax há sete anos. Apanhou o pré-Marcel Keizer, o pós-Marcel Keizer e, claro, a época de Marcel Keizer. Sentou-se ao meu lado e falámos do Ajax, do Sporting e do treinador holandês.

No fim de cerca de uma hora de conversa, achei que devia escrever sobre isso.

Antes de mais, a passagem de Keizer pelo Ajax ficou marcada pelas circunstâncias. Como Dani já revelou no Maisfutebol, o colapso do jovem e promissor Abdelhak Nouri marcou fortemente o grupo. Foi um choque, um terramoto, um tremendo abalo que atingiu a equipa.

Mas houve mais.

Keizer tinha sido contratado depois de fazer um trabalho fabuloso no Ajax B. Levou a jovem equipa ao segundo lugar da exigente II Liga holandesa e colocou aqueles jogadores a praticar um futebol espetacular. «Dos melhores que vi uma equipa do Ajax jogar».

Atenção que as palavras não são minhas.

Ora por isso, Keizer tornou-se um nome óbvio para suceder a Peter Bosz, quando o técnico aceitou o desafio do Dortmund. A escolha do agora treinador do Sporting, porém, não foi consensual.

Naquela altura, foi-me explicado, o Ajax estava dividido em duas fações. Por um lado, os seguidores da filosofia que Johan Cruijff fez regressar ao clube em 2011, liderados por Begkamp. Por outro lado, os seguidores de uma filosofia diferente, liderados por Overmaars e Van der Saar.

As duas fações queriam escolher o treinador, venceu Bergkamp.

O início de Keizer não foi bom, porém. Nouri colapsou na pré-época, o grupo ficou deprimido, os primeiros jogos não trouxeram os resultados esperados. A equipa foi eliminada da Liga dos Campeões e da Liga Europa nas pré-eliminatórias.

O técnico tentava manter os jogadores focados no essencial, mas cometia erros perante uma pressão a que não estava habituado: ele que só treinara clubes pequenos antes disso. O maior dos erros foi, talvez, não encontrar um onze tipo bem definido. Fazia de jogo para jogo, aliás, alterações que os adeptos não entendiam.

Pouco depois Bergkamp saiu do Ajax e Keizer ficou desprotegido.

Por isso tornou-se uma questão de tempo até ser demitido.

No entanto, e a partir de uma certa altura, o Ajax começou a melhorar. Fez bons jogos, os resultados apareceram, o grupo foi reagindo. Era por isso uma equipa a subir de forma aquela que a poucos dias do natal empatou em casa do Twente, para a Taça, e foi eliminada nos penáltis.

A direção tinha o pretexto que esperava. Keizer foi demitido na melhor altura da sua passagem pelo Ajax, quando a equipa começava a praticar, enfim, um futebol agradável.

Veio então Erik ten Hag, que naquela época não conseguiu fazer melhor. Mas teve tempo para preparar o Ajax para o futuro: um Ajax à semelhança do que Overmaars e Van der Saar defendiam, capaz de gastar quinze milhões em jogadores maduros como Daley Blind ou Dusan Tadic.

Ora tempo, precisamente, foi o que faltou a Keizer.

Ele que aproveitou os seis meses seguintes para viajar pela Europa, para aprender, para estudar. O agora técnico do Sporting gosta de visitar as equipas que vê fazer movimentos que lhe agradam. Assiste aos treinos, conversa com os treinadores, discute ideias. No computador pessoal, aliás, tem um ficheiro com vídeos de outras equipas que guarda para mostrar aos seus jogadores.

É um estudioso, um teórico, um entusiasta do treino.

No Ajax foi vítima das circunstâncias. Mas na passagem pela equipa B e no pouco tempo de equipa principal deixou claras algumas ideias: acima de tudo gosta de jogar bom futebol. Gosta de entreter e de ser entretido. Gosta de treinar. Gosta de apostar nos jovens.

Chega ao Sporting para fazer o que não conseguiu no Ajax. O que é um excelente ponto de partida.

Acho que, para começar, merece pelo menos o benefício da dúvida.

«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, subdiretor do Maisfutebol, que escreve aqui às terças-feiras de quinze em quinze dias.