Antes de mais devo dizer que considero o trabalho de João Soares à frente do ministério da Cultura absolutamente brilhante.

Salvaguardada logo de início a minha integridade física, é tempo de avançar para o essencial. E o essencial, meus caros, é isto: o que vai acontecer em França é a última oportunidade para Cristiano Ronaldo escancarar as portas da eternidade.

Nesta altura, e antes que o leitor salte diretamente para a caixa de comentários, deixe-me tentar explicar o que digo. São só dois minutos, prometo.

Ronaldo nasceu para se superar, para chegar cada vez mais alto. E ele já chegou ao topo. Três vezes. O que há depois do topo? Há a eternidade: uma imagem para sempre.

Cristiano Ronaldo encheu o jogo de golos e o futebol de recordes. Somou vitórias, títulos, troféus e reconhecimento. Criou até algumas imagens marcantes: a mais recente desenhou a traço gordo a vitória do último fim-de-semana no clássico dos clássicos.

Mas Ronaldo criou também, por exemplo, aquele golo que valeu o 2-1 no mesmo Camp Nou, o caminho aberto para o título e uma palavra repetida até à exaustão. «Calma, calma, calma», dizia, virado para as bancadas.

Lembra-se?

É uma imagem forte, sem dúvida. Mas não chega. Não vale a eternidade. A eternidade só se encontra num retrato que fica para sempre: daqueles que fazem a história do futebol.

Encontra-se, por exemplo, em Diego Maradona a derrubar, um por um, como se estivessem em fila indiana, uma legião inteira de ingleses.

Encontra-se em Pelé a subir ao terceiro andar para cabecear por cima de todos os italianos e encontra-se em Carlos Alberto a levar a taça Jules Rimet à boca dos colegas para que a beijem como quem beija a Cruz de Cristo na Páscoa.

Encontra-se até em Dino Zoff a receber o troféu mundial das mãos do Rei Juan Carlos.

Encontra-se em Van Basten a fazer um golaço de ângulo impossível e encontra-se em Panenka a inventar uma grande penalidade de marca registada.

Encontra-se enfim num instantâneo que distingue os craques dos mitos.

Ronaldo é um craque, um génio, um talento, não há dúvida sobre isso. Agora está na hora de se tornar um mito: está na altura de abrir em definitivo os portões da imortalidade.

Um homem que bate recordes como ele bate, merece ser um mito. Ele nasceu para ser um mito: provavelmente como muitos outros nasceram, mas só alguns cumprem o destino.

Se calhar não está no topo da forma física, nem no máximo da condição mental. Não importa. Nada importa, aliás. Cristiano Ronaldo vai encontrar em França a última oportunidade para se tornar eterno.

Um corpo com 31 anos não dá segundas oportunidades: a oportunidade é esta. O céu é este. O momento é este, e Ronaldo nasceu para os grandes momentos.

Não é preciso muito, ou pelo menos não é preciso transcender-se. Basta ser ele próprio: decisivo. Categórico, definitivo e determinante. Basta no fundo criar uma imagem para a eternidade, conquistar o crédito dos imortais, levantar o troféu e no fim corrigir Pessoa.

Cumpriu-se o mar e o império se desfez. Senhor, cumpriu-se também Portugal.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias