Há uma dificuldade evidente em definir o sentimento de felicidade. Não há, aliás, muitos conceitos capazes de representar em todo o seu tamanho a definição do que é ser feliz.

O Gustavo Santos é capaz de dizer que a felicidade não se sente, vive-se. Não é um estado de espírito, porque não é transitório. É um espírito de estado: permanente.

Mas isso é o Gustavo Santos. Eu, que nunca conheci ninguém que fosse feliz o tempo todo, gosto de pensar que a felicidade são pequenos momentos detonados por coisas simples. Gosto de pensar que a felicidade está na simplicidade de um abraço, de um sorriso, de uma conversa ou de um copo de vinho ao lado da companhia certa.

Está bem, pá, mas este artigo é sobre futebol ou sobre conceitos abstratos? Percebo a perguntar, leitor. Tenho dúvidas sobre o tom e discordo da forma como se refere a mim.

Mas em frente.

Vem esta conversa a propósito do que a última época acabou por nos apresentar: há uma associação entre o sucesso e a simplicidade, que arrisco a dizer traz arrastada a felicidade.

Mas passo a explicar.

Olhando para casos como o Benfica, o Real Madrid ou até o Bayern Munique, noto que todos eles partem de um estilo de liderança muito semelhante.

Rui Vitória e Zidane, por exemplo, não se destacam por criar conceitos táticos ou estratégicos demasiado complicados. Pelo contrário. Diria que salta mais facilmente à vista o facto de terem sido sobretudo inteligentes para aproveitar o que de bom já existia.

Rui Vitória assentou o novo Benfica em cima da tática deixada por Jorge Jesus na Luz, Zidane aproveitou as transições rápidas criadas por José Mourinho como forma mais evidente de criar perigo para a baliza adversária.

É curioso constantar como passados tantos anos, e dois treinadores, o Real Madrid continua a assentar o seu futebol em contra-ataques fulgurantes, e fulminantes.

Para lá disso, claro, ambos entregaram à respetiva equipa a marca própria: e essa marca reside no facto de conseguirem arrancar dos jogadores o melhor que cada um tem para dar.  

Se há coisa que destaco nos triunfos de Benfica e Real Madrid, aliás, é o facto de ambos terem sido fundamentados em cima de boas exibições individuais.

No Benfica Pizzi e Jonas, claro, mas também Fejsa, Mitroglou, Cervi ou Raul Jimenez, em determinados jogos. No Real Madrid, basta olhar para a vitória na final da Liga dos Campeões: acima de tudo foi uma grande noite de vários jogadores. Cristiano Ronaldo acima de todos, mas também Isco, Modric, Casemiro, Carvajal ou Marcelo. É só escolher.

Ora este é o ponto essencial. Rui Vitória e Zidane, como Carlo Ancelotti e Fernando Santos também, mostram que o futebol está a mudar. No fundo colocam-se sempre em segundo plano, entregam o mediatismo aos jogadores, não têm uma liderança egocêntrica.

São acima de tudo condutores de homens, mediadores de conflitos, gestores de feitios.

São pacificadores.

Fazem-me lembrar um menino de calções pelos joelhos, bolsos fundos e coração grande.

Numa época em que o futebol está tão estudado, tão escrutinado, tão científico, não deixa ser curioso, e sintomático, que os homens com mais sucesso partam de um estilo de liderança tão simples, tão genuíno, não desarmante.

Claro que há exceções. Esta temporada é impossível esquecer, por exemplo, o caso de Antonio Conte, que foi campeão num Chelsea trabalhado em cima de um inovador esquema de três defesas apenas. Mas todas as regras têm uma exceção.

Essencial é dizer que há dezenas de anos que o futebol não era tão espetacular, há dezenas de anos que as grandes provas não nos ofereciam tantos jogos admiráveis.

São tempos felizes estes que vivemos.

E como esses jogos surgem? Através da soberania dos jogadores. São eles o centro do jogo. Provavelmente nunca foram tão genuinamente talentosos, tão perfeitos, tão perfecionistas como são hoje. Por isso dar-lhes liberdade para apresentarem todo o seu talento e alimentar a felicidade deles é ficar mais perto do sucesso.

Ser feliz é tão simples quanto isso.

O que me leva a uma pergunta: será o treinador do futuro um gajo porreiro?

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sextas-feiras de quinze em quinze dias (menos quando escreve às quintas-feiras)