1. No último Box-to-box contei a história de Gary Birtles, o avançado a quem os adeptos diziam que Kennedy ainda estaria vivo, se tivesse sido a ele dar o tiro.
 
Esta semana volto a ele, o que é um péssimo sinal: significa que entrei naquela fase da minha vida em que já conto duas vezes a mesma história. Não pode ser bom prenúncio.
 
Mas enfim, penso nisso mais tarde.
 
Importante agora é recordar que Gary Birtles foi goleador no Nottingham Forest, subiu duas vezes de divisão, foi campeão inglês, foi duas vezes campeão europeu e foi então contratado pelo Manchester United. Em Old Trafford cumpriu uma época, sempre a titular: jogou, correu, rematou, e não fez nem sequer um golo.
 
Por muito que tentasse, a bola não entrava.
 
Quando lhe perguntaram o que tinha realmente acontecido, o ponta-de-lança foi honesto: sentia-se constrangido. «Foi um choque. Até as torneiras do balneário são douradas...»
 
Ora lembrei-me desta história a propósito de Lopetegui, mas não apenas dele: a verdade é que o FC Porto não tem um treinador que saiba ser ele próprio desde Villas-Boas.
 
Nos casos de Vítor Pereira e Paulo Fonseca foi mais óbvio que não estavam a ser naturais, percebeu-se quando saíram do Dragão e se revelaram pessoas totalmente diferentes. Mas também me parece que o próprio Lopetegui raramente conseguiu ser ele mesmo: desde o início que surgiu metido numa crosta, de onde só saía para atacar tudo o que mexia.
 
Não conseguiu ser natural, lá está, e se calhar por isso é que não teve a autenticidade de saber olhar para dentro e perceber que não estava a fazer bem as coisas.
 
Por que é que isto acontece? Por uma razão muito simples: falta de temperamento. O FC Porto inibe, no fundo. É um clube organizado, com uma estrutura sólida e capacidade de construir grandes equipas. Desconfio que se tornou uma oportunidade maior do que alguns treinadores pensam que merecem. Por isso ficam intimidados.
 
Se calhar foi por isso também que Lopetegui, quando foi pedir a desvinculação da Federação Espanhola, justificou tudo numa frase a Angel Villar: «Presidente, o FC Porto quer-me...» Como se fosse uma oportunidade boa de mais para sequer ser discutida.
 
Ora nesta altura em que procura um treinador, vale a pena o FC Porto estar atento a isto.
 
Ser campeão no Dragão já não é fácil, o Sporting e o Benfica estão muito mais fortes do que eram há uns anos, mas no Porto continua a morar o clube que dá mais, e exige mais. Não é qualquer um que consegue triunfar: é preciso ter talento, sim, mas é preciso também ter têmpera, carácter, personalidade. Não se deixar enfim inibir pela oportunidade.
 
Fica o aviso.


 
2. Há coisa de um ano, mais ou menos, Carlos Queiroz deu uma entrevista ao Maisfutebol na qual deixou algumas reflexões curiosas, uma acima de todas: dizia o treinador que antigamente o que contavam eram os 60 mil adeptos no estádio e que agora contam sobretudo os três milhões de espetadores em casa.
 
Antigamente, portanto, o espetáculo era pago por quem ia ao estádio, agora esses não contam nada: o que conta são as audiências que pagam o futebol através da publicidade.
 
«Não vai passar muito tempo até que o futebol seja como um programa de televisão em que dão 100 euros para as pessoas virem ao estádio e fazerem o espetáculo», explicava.
 
É uma reflexão curiosa, lá está, mas que peca por cometer uma lacuna.
 
Já lá vamos.
 
Se há coisa que os últimos dias provaram, é que o FC Porto não estava preparado para despedir Lopetegui. Por isso é que uma semana depois ainda não tem uma solução para substituir o espanhol. Não havia nenhuma saída preparada, é completamente óbvio.
 
Por que é que o despediu, então? Porque foi obrigado. A pressão dos adeptos, os lenços brancos, os apupos, enfim, tudo isso precipitou uma decisão que não era desejada. Pelo menos não naquele momento e sem uma solução preparada para o futuro.
 
Por isso, e nesta fase em que a renegociação dos direitos televisivos afirmou a importância das audiências, podem ficar descansados os mais céticos: incluindo Carlos Queiroz. Por muito que as pessoas em casa paguem o espetáculo, há uma coisa que não poderão nunca ambicionar: fazer parte do jogo.
 
Ficar em casa significa ver o futebol. Para o viver, há que estar no estádio. Lá, sim, todos e cada um dos adeptos faz a diferença. Que o diga, por exemplo, o FC Porto.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dia