Só não vale arrancar orelhas. Mike Tyson e Evander Holyfield, prezados cinquentões, estão dispostos a tudo para filmar o take 3 de um duelo que envolve, ainda e sempre, milhões. Muitos milhões.

A batalha destes dois monstros do boxe não é oficial, mas as movimentações nos bastidores e nos ginásios de ambos já não deixam grandes margens para dúvidas. Sim, Tyson e Holyfield vão combater em 2020.

A franquia já teve duas sequências e a promessa de remake animou media e fãs, patrocinadores e empresários, como se de uma grande produção de Hollywood se tratasse.

Vale a pena lembrar que a 11 de setembro de 1996, Holyfield deu uma autêntica coça a Iron Mike, vencendo no sétimo round por TKO – o technical knockout é declarado quando o árbitro entende não haver condições para que um dos pugilistas continue o combate.

O duelo realizou-se em Las Vegas, foi promovido pelo inefável Don King e entregou o cinto de campeão do mundo a Holyfield. Tyson, que saíra um ano antes da prisão – esteve detido de fevereiro de 1992 a março de 1995 por violação – foi massacrado praticamente do princípio ao fim, perdeu o trono mundial de Pesos Pesados, mas no fim do dia estava mais rico do que nunca.

O espetáculo de humilhação fez-lhe entrar 30 milhões de dólares na conta bancária. Holyfield, mais modesto, encaixou logo à cabeça 12 milhões. Nada mau.

Em 1996, Tyson e Holyfield eram os grandes nomes do pugilismo mundial. Em 1997, no reencontro, mantinham essa prevalência. Pelo menos do ponto de vista mediático e financeiro.

 

Evander e Mike, tão amigos eles agora são

Duas orelhas mordidas e o caos em Las Vegas

What happens in Vegas stays in Vegas. Tyson e Holyfield, homens de fervor e pragmatismo popular, levaram a expressão a peito e marcaram o duelo número dois outra vez para o pecaminoso oásis de jogo, sexo e hotéis – não necessariamente por esta ordem.

Mike Mad Dog Tyson riscou no calendário de raiva e fúria o dia da vingança: 28 de junho de 1997. Holyfield, uma estátua de ébano, pouco se importou. Venceu os primeiros três rounds e sobreviveu não a uma, mas a duas dentadas de Tyson.

Mills Lane, o árbitro, decidiu numa primeira reação desqualificar de imediato Tyson. Holyfield esbracejava, gritava, protestava, mas Lane voltou atrás. Repreendeu Tyson, retirou-lhe dois pontos e o combate prosseguiu quando restavam 40 segundos para o fim do terceiro round.

À segunda mordidela, o caos. Arena invadida por seguranças, Holyfield e Tyson de cabeça perdida, Lane a explicar da forma que podia a sua decisão de expulsar Iron Mike do combate.

«Ele mordeu-me porque sabia que ia perder. Já sabia que ia ser desqualificado e evitar assim a humilhação», disparou Holyfield aos primeiros jornalistas que lhe apareceram pela frente.

VÍDEO: o icónico combate de 1997

O anúncio oficial surgiu 25 minutos depois, pela voz do speaker Jimmy Lennon Jr. «Ladies and gentlemen, este duelo foi suspenso ao final do terceiro round. O árbitro Mills Lane expulsou o pugilista Mike Tyson por morder o pugilista Evander Holyfield em cada uma das orelhas. O vencedor continua a ser o campeão do mundo de Pesos Pesados, Evander Holyfield.»

Mike Tyson pagou uma multa de três milhões de dólares e perdeu a licença para combater (foi perdoado um ano mais tarde). O combate gerou verbas a rondar os 180 milhões de dólares, incluindo já a venda dos direitos televisivos a canais estrangeiros e os lucros oficializados pelo casino MGM nessa noite.

Em 2008, Tyson afirmou num documentário ter mordido duas vezes Holyfield em retaliação a duas supostas cabeçadas que levara do adversário. Em 2009, durante o programa de Oprah Winfrey, crazy Mike pediu desculpas públicas a Holyfield. As desculpas foram aceites e os antigos rivais
tornaram-se bons amigos.

VÍDEO: o pedido de desculpas de Tyson a Holyfield


 

«A gente do Mike está a falar com a minha gente»

Tyson e Holyfield já assumiram publicamente a vontade de lutar. A grande questão é, assumindo a não existência de qualquer encenação, o risco que envolve um combate entre dois homens com mais de 50 anos. Saudáveis, sim, mas cinquentenários.

Mike Tyson combateu pela última vez como profissional em 2005. Evander The Real Deal Holyfield ainda se arrastou até 2011. Tem 57 combates no mundo do boxe, 44 vitórias. O registo de Tyson é semelhante: 58 duelos, 50 vitórias.

Os velhinhos estão a treinar bem já há algumas semanas e já receberam a benção de Larry Holmes, outro campeão do mundo de Pesos Pesados. «Vão para a frente, rapazes! Se isto acontecer mesmo, acho que o Holyfield é favorito porque tem a superioridade emocional das duas vitórias nos anos 90 do lado dele», disse ao site Boxing Scene.

Mike Tyson a treinar:

Evander Holyfield a treinar:

Holyfield falou publicamente sobre o final desejado da trilogia a 16 de maio. «Bem, o que se passa é que eu estou a fazer alguma coisa e o Mike está a fazer alguma coisa. As pessoas juntaram dois mais dois e assumiram que o combate vai acontecer», atirou ao site The 3 point Conversation.

«Não me importo de ir para a frente com isso. A gente do Mike está a falar com a minha gente, mas ainda não há um acordo sólido. Se acontecer, ótimo. Por mim não há problema. Já tinha dito que pretendia fazer combates de exibição no âmbito da minha fundação para mostrar aos miúdos que os bons hábitos de vida nos levam a ser saudáveis até tarde.»

Quanto valem os socos de Tyson e Holyfield 23 anos depois do último combate? Brian Amatruda, um promotor australiano de boxe, já se disponibilizou a oferecer um milhão de dólares, mas a licitação ainda agora começou. Seja onde for, o Tyson vs. Holyfield parte 3 vai continuar a movimentar muito dinheiro.

Tão diferentes no perfil, tão parecidos nas polémicas

Michael Gerard Tyson nasceu a 30 de junho de 1966 em Brownsville, Nova Iorque. Entrou no mundo do boxe profissional aos 19 anos e é ainda o pugilista mais jovem de sempre a sagrar-se campeão do mundo de Pesos Pesados: 20 anos, quatro meses e 22 dias.

Nunca conheceu o pai e foi criado pela mãe, juntamente com um irmão e uma irmã. Aos 16 anos, Mike perdeu também a mãe e foi entregue aos cuidados de Cus D’Amato, um treinador de boxe muito conhecido na zona de Brooklyn. Cus passou a ser o seu tutor oficial e foi ele que levou o rapaz inquieto e selvagem para esse mundo do pugilismo.

«Nunca vi a minha mãe feliz e orgulhosa de mim. Ela só olhava para mim com preocupação. Para ela eu era só o miúdo que chegava a casa com roupas novas, evidentemente roubadas a alguém», contou numa entrevista.

Evander Holyfield é de Atmore, no estado do Alabama. Nasceu numa família numerosa e é o mais novo de nove irmãos. Aos sete anos mudou-se para Atlanta e foi já na cidade georgiana que começou a combater. Ainda não tinha oito anos.

Aos 22 anos conquistou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Ainda era um ‘peso pluma’.

Apesar das diferentes personalidades, o emocional Tyson e o mais reservado Holyfield partilham escândalos e polémicas ao longo da vida. Tyson esteve preso, assumiu problemas com álcool e drogas, problemas do foro psíquico e problemas também com tigres mais ou menos amestrados. Holyfield foi acusado de ter usado esteroides durante os anos 90.
 

Tudo bons rapazes. 

Hora atualizada: original 23h50, 19-05-2020