* enviado-especial ao Brasil

No princípio era o verbo, e o verbo estava connosco e o verbo era «duvidar«. Mas, depois dos protestos na Taça das Confederações, das declarações críticas de responsáveis da FIFA e da perspetiva de um dilúvio de greves, manifestações e incidentes violentos nas ruas, o Mundial brasileiro não demorou a fintar previsões.

A cerimónia de abertura ficou marcada por grandes engarrafamentos em São Paulo e por insultos a Dilma no Itaquerão. Mas meteu-se o fim de semana, e os ecos da contestação foram-se diluindo, em manifestações cada vez menos participadas. Dia após dia, pelo menos enquanto houve Neymar, as sondagens deram conta do entusiasmo crescente, e os temas recorrentes no pré-Mundial – o desperdício de fundos públicos, as parcerias sem controlo, a construção de elefantes brancos em zonas sem tradição de futebol (soa-vos familiar?) - foram perdendo espaço.

Então, apesar dos problemas estruturais de um país gigantesco, tornou-se claro que a organização ia estar à altura, e o Brasil estava a caminho de acolher um grande Campeonato do Mundo – ter um povo naturalmente caloroso e hospitaleiro ajuda, mas não explica tudo.

Num país em que a festa anda de mãos dadas com a pobreza extrema, a expressão padrão-FIFA, de tão usada como símbolo de exigência e rigor, tornou-se piada. Em especial a partir do momento em que os problemas mais sérios do Mundial – as falhas de segurança nos primeiros jogos do Maracanã e a rede de revenda ilegal de bilhetes VIP – resultaram de falhas da própria FIFA, denunciadas pelas autoridades brasileiras, com o auxílio de uma ruidosa campanha mediática.

Enquanto isso, no campo, o impacto positivo excedia as expectativas mais otimistas. Mais golos, mais tempo útil, mais reviravoltas, menos faltas, menos cartões. Mesmo os erros flagrantes de arbitragem, nos primeiros jogos, foram rapidamente anulados pela onda de bons espectáculos, ajudados por duas inovações – o spray para marcar distâncias e a tecnologia de baliza – que serviram, pelo menos, para diluir polémicas e discussões, mantendo o foco no essencial.

Num Mundial que teve duas goleadas históricas nos pólos norte e sul (os 5-1 da Holanda ao campeão mundial e os 7-1 da Alemanha à seleção organizadora), foi estrondoso o crash das Seleções com grandes Ligas – Espanha, Inglaterra e Itália. Um fenómeno que apanhou por tabela uma frágil equipa portuguesa, limitada por más escolhas e a forma física precária dos seus raros elementos de classe mundial, Ronaldo acima de todos.

Das promessas exuberantes às certezas amadurecidas

Com a sensacional Costa Rica como símbolo maior das sensações da primeira fase, o Mundial foi-se encaminhando para a normalidade a partir do momento em que começaram os jogos a eliminar. A média de golos caiu, vieram os prolongamentos, e os penaltis, mas apesar de um equilíbrio mais acentuado do que nunca, os históricos impuseram a sua lei: as promessas exuberantes da primeira fase deram lugar às certezas amadurecidas da segunda.

Nenhum outro jogo simbolizou melhor essa viragem do que o detestável Brasil-Colômbia, onde a equipa de Scolari virou as costas ao passado, tirando o sorriso aos colombianos com uma chuva de faltas, e acabou punido com a lesão de Neymar, o seu único jogador capaz de manter um fio condutor com as memórias de um passado glorioso.

A máscara caiu com fragor num entardecer em Belo Horizonte que projetou a Alemanha como a melhor entre os melhores, a única dos quatro semifinalistas disposta a assumir o jogo e a posse de bola, de forma sistemática. Acaba por ser justo, assim, que tenha ficado com a coroa, num Mundial que, pela primeira vez, permitiu à Europa vincar distâncias na luta pela supremacia continental (11-9 em títulos).

O Mundial termina como começou – com vaias a Dilma e a Blatter, na festa alemã do Maracanã, perante uma tribuna VIP recheada de tudo aquilo que torna os brasileiros desconfiados – mas deixa para trás um mês que excedeu as expetativas mais optimistas dos adeptos de todo o planeta. Grande país do futebol, mesmo com uma «selecinha» no pior momento, o Brasil mostrou com esta organização, ser também muito mais do que isso. Como os brasileiros escreveram com humor, na ressaca da dupla humilhação com Alemanha e Holanda, foi pena que o país da Copona só tivesse uma selecinha para apresentar. Mas, enquanto os alemães vão cantando nas ruas e o Mundial sai de cena, sente-se em fundo o pulsar de um país orgulhoso de si e pronto para retomar a luta.