Marcelo Brozovic é um daqueles casos em que recuar dez metros significa dar um passo em frente. O croata cresceu como médio criativo, até que Luciano Spaletti percebeu que funcionaria melhor como médio defensivo. A partir daí a carreira do jogador ganhou asas. 

Ele que antes disso, durante três temporadas, tinha vagueado pelo Inter Milão sem encontrar um fundamento. Com Roberto Mancini, aliás, até chegou a ser lateral direito.

«Não foi fácil entendê-lo, mas após algum tempo acho que consegui. Naquela posição em campo, Brozovic deu-nos limpeza à frente da defesa e geometria na saída para o ataque. Precisávamos de um médio com estas qualidades há algum tempo», explicou Spaletti.

«Inicialmente até pensei que ele fosse gerar lacunas à frente da defesa, mas deu uma ótima resposta. Corre quilómetros e recupera muitas bolas.»

Estávamos em 2017, Brozovic tinha 25 anos e já somava três épocas pouco conseguidas na Liga Italiana. Spaletti mudou-lhe a vida e o croata tornou-se destaque no Inter Milão.

Ora por isso acaba por ser natural que nesta altura já seja também uma das figuras do Mundial 2022. Sobretudo porque nunca se cansa: Brozovic é um cavalo de corrida que soma quilómetros atrás de quilómetros. Ao ponto, aliás, de já ter batido o recorde de distância percorrida num jogo de um Mundial: frente ao Japão, correu 16,63 quilómetros. 

O que é mais curioso é que Brozovic bateu um recorde... que já era dele. No Mundial 2018, na Rússia, correu 16,32 quilómetros nas meias-finais frente a Inglaterra. 

Quando começa a correr, nem Forrest Gump o consegue apanhar.

Frente ao Brasil, por exemplo, no jogo dos quartos de final, correu 15,7 quilómetros. Já na fase de grupos somara 13,44 quilómetros com a Bélgica, 12,44 com Marrocos e 13,74 quilómetros frente ao Canadá. No total, até agora, Brozovic percorreu 71,95 quilómetros.

Foi, muito naturalmente, o atleta que maior distância correu em toda a competição.

Todos estes números são ainda mais notáveis quando vêm embrulhados em alguns pormenores curiosos. Brozovic já tem 30 anos, por exemplo, o que significa que devia começar a dosear o esforço, e sobretudo não esconde que é um fumador ocasional: em várias imagens nas redes sociais surge a fumar, seja cigarros ou charutos.

Campeão croata, internacional, mas ainda a viver em casa dos pais na aldeia

A capacidade para correr como se não houvesse amanhã está-lhe no sangue, portanto, ele que desde muito cedo foi orientado para ser um jogador de futebol.

O pai também jogava, foi um médio em clubes amadores da Croácia, e tinha o sonho de dar aos filhos todas as ferramentas que lhe faltaram para chegar ao profissionalismo.

Ele próprio costumava treiná-los em casa. Quando ia jogar, levava Marcelo Brozovic para ir com ele. O miúdo ficava por lá a divertir-se com a bola e a chutar contra a parede, quando um dia foi visto por um dirigente do Hrvatski Dragovoljac: um pequeno clube de Zagreb.

«O falecido Zeljko Bogomolec, antigo diretor desportivo do Hrvatski Dragovoljac, viu-me e convidou-me para treinar ao clube», revelou Brozovic a um jornal croata.

«Aos quinze anos comecei a jogar pelos seniores do Dragovoljec, mas por causa da escola não podia participar nos dois treinos por dia. Às vezes até faltava às aulas. Foi nessa altura que o meu pai me disse que era melhor deixar a escola e concentrar-me só no futebol. Eu concordei. Mas entretanto já compensei e até cheguei a fazer dois anos de gestão desportiva.»

O pai, como se percebe, sempre quis que os filhos seguissem o futebol: Brozovic tem uma irmã e um irmão, sendo que este último também chegou a jogar na juventude. Entretanto o pai e a mãe venderam o talho de que eram proprietários para acompanhar a carreira do filho.

Brozovic cresceu no Dragovoljec, fez duas épocas como sénior, mas quando o clube desceu à II Liga Croata assinou por NK Lokomotiva. Após um ano, foi contratado pelo campeão Dínamo Zagreb, no qual jogou duas temporadas e chegou inclusivamente a internacional.

Apesar disso, e até sair do país para assinar pelo Inter Milão, nunca deixou a casa dos pais, nem a aldeia onde cresceu, a cerca de vinte quilómetros da capital Zagreb.

Na casa de família em Okuje viviam aliás três gerações da família Brozovic. 

«Eu e o meu irmão Patrick moramos no andar de baixo com os meus avós. Eu tenho o meu próprio quarto. A minha irmã Ema e os meus pais estão no andar de cima», contou pouco antes de sair para o Inter Milão, quando tinha 22 anos e já era internacional croata. 

«Continuo a viver na casa da minha família porque não gosto de estar em Zagreb. Depois do treino o que mais gosto de fazer é jogar bilhar ou dardos com os meus amigos de Okuje.»

Pulmões de ferro que já lhe tinham valido o recorde de quilómetros corridos também em Itália

A paixão pelos dardos, o bilhar e os matraquilhos era tão grande, aliás, que comprou um café na aldeia com um espaço onde se juntava com os amigos a jogar.

Outra paixão é o ténis, que continua a jogar com os amigos de infância, e os carros de grande cilindrada, que vai colecionando em Milão. Casado e com dois filhos, diz que está agora mais calmo, mas não perdeu o sangue quente, característico dos Balcãs, que lhe corre nas veias.

No Inter Milão, por exemplo, chegou a recusar-se ficar no banco num jogo em Israel, quando a equipa era orientada por Frank de Boer, o que levou o treinador a deixá-lo de fora de um clássico com a Juventus. Com a chegada de Stefano Pioli ao clube recuperou o lugar no onze e o bom futebol, feito de muito trabalho, verticalidade e poder físico.

Em 2019 bateu aliás outro recorde: ao correr 12,7 quilómetros por jogo, tornou-se o jogador da Série A italiana que mais quilómetros percorre em média por encontro.

Por isso ninguém fez um escandâlo quando, no ano passado, foi apanhado pouco tempo após a eliminação da Croácia do Euro 2020, no prolongamento do jogo com a Espanha, a comprar um maço de tabaco numa loja de conveniência.

Na Croácia dizem que tem pulmões de ferro, o que não deve andar muito longe da verdade, olhando para a quantidade de quilómetros que corre em noventa minutos.

Brozovic corre como se não houvesse amanhã. Quem se pode queixar?