Quando o PSG manifestou vontade de homenagear Bruno Rodríguez, o antigo jogador respondeu com um pedido: gostava de entrar no relvado de bermudas.

Porquê? Para que toda a gente visse a prótese que lhe substitui a perna direita.

Há cerca de dois meses, recorde-se, Bruno Rodríguez decidiu amputar a parte de baixo da perna para terminar com as dores que o perseguiam há anos. Agora quer alertar os jogadores para os perigos que as infiltrações trazem na qualidade de vida após o final da carreira.

Por isso no último sábado, antes do início do jogo com o Ajaccio, o francês caminhou até ao centro do campo com umas bermudas pretas e o Parque dos Príncipes levantou-se para lhe tributar uma ovação. Abraçou Mbappé, abraçou Messi e deu um pontapé de saída simbólico.

«Quando entrei em campo estava bastante apreensivo», confessou no dia a seguir.

«Não sabia como as pessoas iam reagir. Mas no final foi bastante emocionante para mim, fui muito bem recebido, Messi e Mbappé vieram abraçar-se e foi um momento magnífico.»

Mas qual é afinal a história de Bruno Rodríguez?

Filho de pai espanhol e de mãe francesa, nasceu em Bastia, na Córsega, e cresceu na cidadela velha, a jogar futebol na rua e a mergulhar do farol para as águas azuis do mar mediterrâneo.

Habituou-se a ser um miúdo emocional e com muita rua, portanto.

Aos 15 anos deixou a Córsega e mudou-se para a academia do Mónaco. Foi nessa altura que os problemas começaram: quando ainda era júnior, teve de fazer duas operações, uma para reparar a articulação e outra um ano depois para remover parte da cartilagem.

«Gostava de me exibir e as pessoas não gostavam, um adversário acertou-me uma entrada dura e fraturou-me o tornozelo», revelou ao The Times.

Foi nessa altura que começou a receber infiltrações para poder suportar as dores, mas Bruno Rodríguez não se importava. Estava a viver o sonho dele. Com 19 anos apenas já treinava e até jogava ao lado de jogadores como Klinsmann, Djorkaeff, Thuram, Emmanuel Petit, Claude Puel e até Rui Barros, num plantel orientado por Arsène Wenger.

Nessa altura, porém, os clubes franceses só podiam oferecer contrato profissional a um jogador vindo da formação e no final da época Bruno Rodríguez não foi a escolha de Wenger. Desiludido, o avançado desistiu do futebol e voltou para casa, na Córsega.

Não ficou muito tempo parado, porém. Pouco depois começou a jogar no Bastia.

O carácter explosivo de Bruno Rodríguez sempre foi um problema, de resto. Quando fez dupla com Robert Pires e ajudou o Metz a atingir a um histórico segundo lugar foi convocado por Roger Lemerre para a seleção francesa, mas chateou-se com o selecionador e abdicou. Depois assinou por cinco com o PSG e saiu logo no início da segunda época.

«O presidente fez-me uma promessa que não cumpriu. Depois disso, não podia trabalhar mais com ele. Então fui emprestado a Bradford. Sempre fui impulsivo e teimoso.»

«Psicologicamente destruiu-me, cheguei a pensar no suicídio»

Apesar de ter cumprido apenas uma época, acabou por ser no PSG que Bruno Rodríguez viveu a fase mais mediática da carreira. Ainda hoje, aliás, é recordado com carinho pelos adeptos, sobretudo por um golo que fez e que deu a vitória num clássico francês.

«Quando as pessoas pensam em mim, pensam no golo ao Marselha, porque o PSG não vencia o Marselha há muitos anos e aquela foi uma vitória importante para elas. Para mim foi extraordinário, porque não estava previsto que eu jogasse esse clássico», contou à Europe 1.

«Eu tinha uma lesão no tornozelo, perguntaram-me se queria jogar, disse que sim e recebi uma infiltração. Entrei a meia hora do fim e aos 88 ou 89 minutos fiz esse golo.»

Hoje, com 50 anos, olha para trás e percebe o mal que fez a ele próprio. Por isso decidiu assumir uma missão: consciencializar os jogadores para não cometerem o mesmo erro.

«Em todos os clubes pelos quais passei tomei injeções. Acontece muito no futebol, é verdade, e há pouca informação sobre isso, embora toda a gente saiba que acontece. Deram-me infiltrações para poder jogar. Se me dissessem que fazia mal à saúde, teria dito que não. Mas eu não sou médico, era jovem e queria jogar porque sou competitivo», referiu.

«A partir de uma certa altura sentia dores frequentemente, mas era diferente, porque era um jovem ativo e aliviavam-me as dores para jogar. Após o final da carreira é que foi pior. Tive de gerir não apenas o fim da carreira, mas também aceitar a permanência daquela dor. Isto entra-te no cérebro de uma forma terrível. Psicologicamente, destruiu-me. Consultei dois ou três psiquiatras e ficaram surpresos por ter resistido tanto tempo. Sem o apoio da minha esposa e da minha família, seguramente já não estaria aqui.»

Em consequência das muitas infiltrações, teve de ser submetido a doze operações após terminar a carreira e perdeu a autonomia. Andava apoiado numa canadiana, precisava que o conduzissem, era a mulher que lhe dava banho. Por isso há dois anos começou a pensar na amputação da perna direita: a mesma com que tinha feito a maioria dos golos.

«Foi uma dor muito grande, cheguei a pensar no suicídio. Foi muito duro.»

«Jogadores devem ser respeitados, não são pedaços de carne vulgar»

A mulher, que conheceu quando tinha 18 anos, foi o grande apoio em todos os momentos e sempre acreditou que a amputação era uma solução demasiado drástica e final: para ela, o marido acabaria por conseguir controlar a dor sem avançar para uma medida sem retorno.

Bruno Rodríguez, por outro lado, não aguentava mais a dor. Por isso no início deste ano, após a morte da mãe, decidiu que cortar o mal pela raiz.

«Não queria que ela me visse assim. Por isso, pouco tempo depois de ela morrer eu fiz a operação. Agora já me sinto muito melhor, já não tenho aquelas dores insuportáveis, embora uma vez ou outra ainda me apareça qualquer coisa. Mas já recuperei a minha autonomia, voltei a conduzir, voltei a andar, voltei a poder ir a almoços, e eu adoro ir a almoços. Psicologicamente ainda sou seguido por um psiquiatra, mas também estou muito melhor.»

O antigo jogador garante até que agora voltou a ser ele: voltou a contar piadas, voltou a soltar gargalhadas e voltou a ter a faculdade de ser feliz ao lado da companheira de toda a vida, e dos amigos de sempre: na cidade de Bastia, onde ainda vive, com vista para o Mediterrâneo.

«Quando acordei depois da operação, a primeira coisa que fiz foi pedir à minha esposa que viesse ter comigo e levantasse o lençol, para víssemos juntos a perda da perna. Queria partilhar aquele momento com ela e, na verdade, foi mais um alívio do que outra coisa.»

No entanto, e apesar do alívio que sente nesta altura, Bruno Rodríguez não esconde a raiva que ainda o invade ao pensar em tudo o que passou. Por isso quer usar o exemplo dele como alerta para quem está agora a desenvolver uma carreira profissional.

«Atualmente, os futebolistas jogam tantos jogos num ano que eu me pergunto: Mas o que é que eles estão a fazer? Entendo que há enormes investimentos financeiros e desportivos, mas lamento que não haja ninguém a dizer: Não, não vamos jogar com um jogador lesionado, pelo bem da sua vida após o futebol. As injeções de analgésicos não são uma forma de tratamento, são uma forma de esconder e abafar o problema», refere.

«Quantos ex-jogadores existem com problemas nos joelhos, nos tornozelos, nas costas, no pescoço? Quantos aos 60 ou 70 anos estão incapazes de fazer coisas como andar ou levantarem-se sozinhos? Os jogadores devem ser respeitados enquanto pessoas, não tratados como pedaços de carne vulgar.»