DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.
Terão faltado outros voos a um dos muitos brasileiros que chegaram a Portugal no final da década de 80. Um dado que tem explicação. Mas já lá vamos. Antes, as apresentações. Ou o avivar da memória.
Cacioli, atualmente com 48 anos, chegou a Portugal na temporada 1989/90 para jogar no Famalicão, então treinado por Abel Braga. Esteve lá dois anos, mudou-se para Braga, sem grande sucesso, e foi ali ao lado, em Barcelos, que viveu os melhores anos da carreira, no Gil Vicente.
Figura incontornável de qualquer caderneta de cromos da altura, Cacioli dava nas vistas pelo que jogava, mas também pelo visual que o fez ganhar uma nova alcunha: «Chamavam-me o Lombardo de Barcelos».
As semelhanças com Atilio Lombardo, médio italiano que era figura de proa do futebol internacional na altura, eram, de facto, evidentes. É o próprio Cacioli que as enumera, na conversa com o Maisfutebol.
«Jogávamos mais ou menos na mesma posição, eu também sou descendente de italianos e, claro, o corte de cabelo era igual», atira, entre risos. «Para mim era um orgulho, porque ele era um grande jogador», sublinha.
O Maisfutebol descobriu Cacioli em França onde está há ano e meio com o mesmo objetivo de tantos outros: encontrar melhores condições de vida.
«Estou muito agradecido a Portugal por tudo o que me deu. Construí a minha vida aí. Mas eu queria muito estar no futebol e em Portugal é muito complicado. Os treinadores são todos de um grupo muito restrito e só com um bom empresário se consegue. Nunca tive essa sorte», lamenta.
«No futebol é preciso ser falso para vingar»
Em França, Cacioli já treinou uma equipa amadora. «Foi mais para me adaptar e aprender a língua», explica. Agora aguarda novidades. Deixou mulher e filhas em Barcelos, onde morou desde os três anos de ouro que viveu no Gil Vicente. Continua, claro está, apaixonado por futebol.
«Todos os dias tenho saudades, acredite. Se pudesse jogava ainda hoje. Continuo a fazer umas peladas, o pezinho está ainda afinado mas o corpo já não obedece tanto como antes ao que eu quero», diz.
Deixou de jogar em 2000, no Vizela, com 37 anos. Na altura já era treinador/jogador e já tinha um negócio montado em Barcelos, uma pizzaria. Acabou por ficar quase desligado do futebol. Mas não porque assim o queria, ressalva.
«Sou puro, acredito nas pessoas. No futebol não se pode ser muito puro e se calhar por isso não continuo hoje ligado ao futebol. Às vezes é preciso ser falso para vingar no futebol e isso custa-me muito», admite.
A incrível história do casamento por conveniência
A própria carreira de Cacioli como jogador não teve a projeção que, porventura, o talento parecia indicar. Ainda assim, esteve quase a dar o salto para o Boavista, depois dos dois anos no Famalicão. Era um jogador livre e só havia um problema…
«Naquela altura, ainda havia o limite de estrangeiros e eu não tinha dupla nacionalidade. Houve pessoas que me aconselharam a casar para ficar com nacionalidade portuguesa, mas eu pensei: vou lá eu casar por conveniência! Eu quero casar por amor! Sei lá com quem ia casar…», atira.
A verdade é que, confirma Cacioli, era algo que se fazia com frequência para contornar a regra dos estrangeiros. Mas o brasileiro preferiu rejeitar a abordagem axadrezada e seguir o que lhe dizia o coração.
Pouco depois ficou a saber que tinha tomado a decisão correta: «Mudaram a regra. Para ser considerado português era preciso estar casado há três anos pelo menos. Já viu se tivesse casado mesmo?»
«A minha forma de estar no futebol não dá para estas coisas. Ainda há dias falei com o Lula [ex-FC Porto], que jogou comigo no Famalicão e é meu amigo desde essa altura. E ele disse-me que eu não parecia um jogador de futebol. Você não tem pinta de jogador, disse-me ele», conta Cacioli.
«Pinto da Costa conseguia levar sempre os jogos para Braga»
Hoje, Cacioli não tem dúvidas que a decisão foi acertada. Até porque iriam seguir-se três anos muito positivos no Gil Vicente. «Foram os melhores da carreira», atira, sem hesitar.
«Na época 1993/94 cheguei a entrar na seleção dos melhores estrangeiros a jogar em Portugal. E fui eleito o terceiro melhor médio desse ano, atrás do Vítor Paneira e, acho eu, do Barroso. Houve até um jogo entre a seleção portuguesa e a seleção dos estrangeiros. Ficou 4-4 e fiz o último golo, que valeu o empate», lembra.
Gostou tanto de Barcelos que por lá ficou, já com a pizzaria aberta. Fechou há uns anos. «Achei melhor, porque vi que estava a ir tudo para o buraco», explica.
Chegou a treinar as camadas jovens do Gil, o que lhe serviu para matar saudades dos tempos em que alinhou de Galo ao peito. O mítico Adelino Ribeiro Novo era palco privilegiado. E um terror para os adversários.
«As pessoas falavam muito do Adelino, mas o terreno de jogo era mais ou menos o mesmo de todos os campos. A diferença é que não havia muito espaço depois para as bancadas. O público ficava muito em cima, chamavam ao campo o galinheiro porque as pessoas estavam tão em cima que até podiam dar bicadas. As bicadas dos Galos de Barcelos…», atira, entre risos.
Ainda assim, reconhece que para os adversários era mais difícil. «Não queriam nada jogar lá. Contra o FC Porto, por exemplo, íamos muitas vezes jogar para Braga. O Pinto da Costa dava-se bem com a direção e conseguia dar-lhes a volta e eles levavam o jogo para Braga. Lembro-me que houve sócios a rasgar os cartões por causa disso», conta.
Se há algo que Cacioli se orgulha é da forma honesta como sempre soube estar no futebol. E na vida.
«Tentei sempre ir por um caminho correto. Consegui, por exemplo, formar-me em Tecnologia e Computação, em 1986, ainda no Brasil. Nunca exerci porque já jogava futebol nessa altura. Hoje o curso não vale de nada. Estou completamente desfasado da realidade», admite.
O futebol agradeceu.
O Gil Vicente de Cacioli:
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