Chama-se Tiago Amorim, mas toda a gente o conhece por Chefe Jamon. Tem 39 anos, é casado, com um filho e vive em Valbom. Formado em Gestão e Produção de Pastelaria, estagiou no restaurante mais famoso do mundo, o Noma, na Dinamarca, um dos raros que já recebeu três estrelas Michelin.

Pelo caminho participou e ganhou o desafio «Faz-te chef», da 24 Kitchen, mas só se tornou verdadeiramente famoso quando começou a misturar culinária e humor em publicações nas redes sociais: o que lhe valeu a construção muito rapidamente de uma comunidade de fiéis seguidores.

Filho de um portista fanático, na definição do próprio Chefe Jamon, não é um grande adepto de futebol, a não ser quando joga a seleção. Uma herança que lhe ficou da infância, quando era ligeiramente gordinho e sempre o último a ser escolhido (por vezes o penúltimo, quando o irmão gémeo também participava no jogo).

Qual a primeira memória que tem de futebol?

De certeza que eu tenho mais lembranças de criança, mas a memória que me ocorre agora, também porque foi mais vivida, são os jogos na escola, talvez no quinto ano. E curiosamente não é uma memória muito feliz, porque eu era sempre o último a ser escolhido e ia à baliza [risos].

Era um bocado perna de pau?

Era um bocadinho, sim. Aliás, quando nesses jogos ia à frente ninguém me passava a bola.

Isso melhorou com o tempo?

Não, nada. Ainda hoje não sei dar toques, por exemplo. Costumo ir almoçar a casa dos meus pais ao domingo, há um primo meu que também vai e às vezes costumamos estar lá a brincar com a bola. A jogar com a filha dele, com o meu filho e tal. Depois chega sempre uma altura em que tentamos dar toques e eu brinco que não conseguiria salvar a minha vida a dar toques.

Como assim?

Se alguém me dissesse: tens de dar três toques ou morres. Pronto, morri. Já fui.

Portanto, jogar em casa, nem que fosse a chutar contra a parede, não era a sua brincadeira preferida em criança...?

Não era, não. Por volta dos oito ou nove anos, o meu pai comprou um computador. Um 486 de 66mhz, que era uma coisa mesmo potente para a altura, e acho que foi aí que começou a nascer o gosto pela informática. Por isso os nossos hobbies eram mais em casa, no computador. Isso e jogar consola.

Quando diz nossos refere-se a si ao seu irmão?

Sim, sim, o meu irmão gémeo.

Irmão gémeo? Calculo que também não fosse um craque a jogar à bola...

Não, também não. Aliás, nós tivemos mais ou menos a mesma infância. As nossas experiências de vida até à adolescência são muito semelhantes. Então com ele acontecia a mesma coisa: éramos sempre os dois últimos a ser escolhidos e quando o éramos, íamos à baliza.

Pelo menos isso dava a hipótese aos dois de não serem sempre os últimos a ser escolhidos: uma vezes era um, outra vezes era outro.

Por acaso isso recorda-me outra história do quinto ano, quando houve lá na escola uma corrida de corta-mato. Eu e o meu irmão inscrevemo-nos, participámos e ficámos em último e penúltimo [risos]. Não éramos de facto muito atléticos.

E em casa havia alguém que os puxasse para o futebol?

O meu pai. O meu pai é doente pelo FC Porto. O meu pai foi internado no domingo e no sábado passou o dia todo na cama, mal conseguia falar ou respirar, mas levantou-se para ir para o sofá da sala ver o Porto. Que doença.

E ele é de ver muitos jogos?

Sim, sim. Do FC Porto vê todos, é fanático. E no Mundial, por exemplo, também via todos. Tinha um mapa da competição, que tinha saído com o jornal, e ela ia marcando os resultados e preenchendo aquilo tudo como se fosse um bingo.

O que é curioso é essa paixão não passou com a mesma força para vocês.

É verdade, e eu não sei porquê. Quer dizer, nós na infância éramos um bocadinho gordinhos e não sei se isso influenciou o nosso percurso desportivo.

E aquela coisa se juntar amigos para ver um jogo, costuma acontecer?

Acontece, sim, para ver jogos da seleção. Jogos de clubes, mesmo que seja o FC Porto, não. Lembro-me de quando era o Euro 2016 ir ver os jogos para Matosinhos, num ecrã gigante que estava lá montado. Se for com mais pessoas, a energia é diferente. Ver em casa sozinho para mim não é a mesma coisa.

E ver em casa com amigos e o Chefe Jamon a fazer uns petiscos, não acontece?

Já aconteceu, sim. Às vezes acontece. Até foi em casa do meu irmão, junta-se lá uma malta e arranjamos uns petiscos. Nos jogos da seleção, lá está. Gosto de estar com os amigos a mamar uns petiscos.

E a paixão pela cozinha vem de onde?

Por acaso outro dia estive num programa da RTP e a Tânia Ribas de Oliveira perguntou-me a mesma coisa. Eu acho que deve te sido passada pela minha mãe. A minha mãe gostava muito de fazer bolos e fazia-os bem, mas ela é diabética e portanto não os pode comer. Mas gostava de fazer bons e nós gostávamos de os comer, se calhar por isso é que também éramos mais gordinhos e deixámos de gostar de futebol. Talvez uma coisa até esteja relacionada com a outra.

E essa paixão foi alimentada por estudos?

Sim, sim, eu tirei o curso de Gestão e Produção de Pastelaria, na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto. Tive também aulas de Cozinha e cheguei a pensar em mudar para o curso de Cozinha, mas depois pensei que eu já tinha umas bases de Cozinha e achei que tinha mais a aprender em Pastelaria.

E esta ideia de juntar a cozinha com o humor vem de onde?

Eu desde criança que era um bocadinho o palhaço da turma. Gostava de fazer as pessoas rirem-se do que eu dizia. E agora estou a fazer isso outra vez, através das redes sociais. Faço os vídeos, faço as reviews e alio as minhas duas grandes paixões, que são a comida e o humor.

Como não era bom no futebol, utilizava o humor para ser popular na escola.

Exatamente. E eu era bastante popular, é verdade. Aliás, o único jogo em que era escolhido em primeiro lugar era o Trinca Cevada: aquele jogo em que uma equipa fazia uma fila indiana, com os miúdos dobrados, e a outra equipa saltava para cima para fazer com que eles fossem abaixo com o peso. Como eu era pesado, usavam-me para dar cabo das costas aos outros miúdos.

Então para terminar vou propor uma brincadeira: fazer reviews, como faz no twitter, mas a grandes momentos do futebol português. Pode ser?

Posso tentar.

Calcanhar do Madjer em Viena.

Há quem ache que o golo do Madjer foi brilhante e que mudou o rumo do jogo. A mim faz-me lembrar quando consigo estacionamento à porta de casa, porque foi uma sorte do camandro.

9/10 mamava outra vez.

Portugal-Inglaterra do Euro 2004.

Se este jogo fosse um filme podia ser A Ressaca, porque começa mal mas depois dá ali umas reviravoltas e quando dão por ela está o Ricardo sem luvas a defender um penalti, a marcar outro logo a seguir e a ganhar aquilo.

9.5/10 mamava até ao fim.

Final do Euro 2004.

Este jogo fez-me sentir o mesmo que senti quando paguei 300 paus para duas pessoas num determinado restaurante, no aniversário da minha senhora. Estávamos cheios de expectativas e saímos de lá com fome. Não vou fazer restaurant shaming, mas posso dizer que tem duas estrelas e pode ou não ficar em Leça.

4/10 não tornava a mamar.

Golo do Kelvin ao Benfica.

O golo do Kelvin foi impressionante, mas o melhor é ter sido marcado quase no final da partida. Não sei quanto a vocês, mas a mim dá-me mais satisfação assim. Tipo quando deixam as torradas do meio para o fim.

8/10 mamava até ao fim.

Final do Euro 2016.

Sabem quando estão a inventar comezainas na cozinha e acabam por fazer uma coisa gostosa? É isso o que o golo do Éder foi. Calhou bem, mas podia ter corrido mal e acabarem na sanita a chorar.

10/10 anda mamar, tu mamas bem.

Final da Taça UEFA do Sporting em Alvalade.

E quando estão a cozinhar qualquer coisa gostosa mas depois esquecem-se do tacho ao lume e aquilo acaba por queimar e agarrar ao fundo? Foi assim que me senti ao ver este jogo, mas sem a parte de cheirar a queimado.

3/10 soube a mamada interrompida.

 

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