É para cantar? Chamem o António. Para um momento de boa-disposição? Chamem o António. Para a loucura? Chamem o António, pois claro!

Há muito que Toy deixou de ser apenas um cantor popular. O setubalense de 60 anos tornou-se com o tempo num rei do entretenimento. A descontração natural e simplicidade de não se levar demasiado a sério tornam-no numa pessoa verdadeiramente apreciada pelos portugueses.

E para falar de futebol, decidimos, também nós, chamar o António. E fomos por ali, numa conversa compassada por aquela gargalhada inconfundível, durante a qual viajámos até às primeiras memórias de Toy, sempre com o seu Vitória de Setúbal como pano de fundo.

Mas para Toy, falar de futebol é também falar de amigos. São muitas as amizades que tem no mundo da bola. Sem olhar a clubes, claro. Porque ele tem uma maneira de ser que faz dele consensual... tão consensual.

Convosco, Toy. Em estado puro.

Maisfutebol: Desde criança que é «estupidamente apaixonado» pelo futebol, não é?

Toy: [risos] Sim. Sempre tive uma paixão muito grande pelo futebol. O meu pai e a minha mãe eram sócios do Vitória e eu sempre fui ver os jogos. Lembro-me de ver o Vitória ganhar 4-0 ao Spartak Moscovo [1971-1972, para a Taça UEFA]. Lembro-me de ver grandes jogos aqui em Setúbal e fiquei com essa grande paixão.

MF: Os seus pais gostavam de futebol?

Toy: O meu pai nunca foi um grande fã de futebol, mas gostava muito da cidade. Nasceu em Mangualde, mas mudou-se para aqui com vinte e tal anos e fez-se setubalense. Apaixonou-se por esta cidade e era sócio dos bombeiros, das coletividades, do Vitória e por aí fora.

MF: Recebeu o Vitória por herança…

Toy: Sim. Dos meus pais e primos, mas também dos amigos. Aqui em Setúbal, nos anos 70 e 80 era só Vitória. Havia um bocadinho de Benfica, um pouco de Sporting… mas a malta era quase toda do clube da terra. É uma coisa que se perdeu, não sei porquê, e com grande pena minha.

MF: Quão importante era o futebol na vida do pequeno António?

Toy: Eu gostava muito de jogar à bola, mas via muito mal. Ainda hoje vejo mal e uso lentes. Mas na altura usava óculos e tinha de os tirar para jogar, o que me causava muita dificuldade. E com visão reduzida não se consegue jogar bem. Eu tinha um bocado essa frustração por não conseguir ser um bom jogador. Mas estava sempre ligado ao futebol, ia muitas vezes aos treinos ver os jogadores. Sempre gostei muito.

MF: Mas os óculos também davam jeito… por exemplo para fazer de poste da baliza.

Toy: [gargalhada] Sabe essa história? É verdade. Como não tinha outra pedra para fazer o poste da baliza, usei os óculos. O meu pai bem me lixou com a brincadeira.

MF: Há outras loucuras de miúdo ligadas ao futebol?

Toy: Que me lembre não. Eu gostava de jogar e pertencia ao grupo da Quinta da Alegria. Ainda fizemos os jogos de Setúbal em 1970, que não era só futebol. Eram várias modalidades e foi muito giro. Sempre tive ligação ao desporto. E ao crescer, sempre tive aquela máxima de «mente sã em corpo são». Também lia um bocadinho para estar preparado para discutir qualquer assunto.

MF: Era sempre na rua que jogava?

Toy: Jogávamos no campo atrás da casa dos meus pais. Era a Quinta da Alegria, onde hoje é o Alegro. Jogava ali com os amigos.

MF: E havia miúdos com qualidade nesse grupo?

Toy: Havia ali gente com muito talento. Mas depois o talento perde-se com o tempo e com outros interesses que vão surgindo. Do meu grupo de malta, saiu o Luís Sobrinho, defesa-central que ainda jogou no Vitória, no FC Porto, no Belenenses… Fez parte da seleção que foi ao Mundial do México em 1986.

MF: Dos outros desportos que praticou gostou de algum tanto como de futebol?

Toy: A paixão foi sempre o futebol. Isso é indiscutível. Também gostava de hóquei, mas não tinha jeito nenhum. Nem sequer sei andar de patins. Mas gostava de ouvir os relatos no tempo do Ramalhete, do Livramento… Também tinha paixão de adepto pelo hóquei em patins.

MF: Ainda é desse tempo a destreza que ajudou a ganhar o Taskmaster?

Toy: [gargalhada] Não. Eu não ganhei o Taskmaster. Ganhámos todos, ganhou o público e as famílias que se juntavam para ver o programa. A destreza é a vontade de fazer bem, de dar o meu melhor. Quando é para fazer as coisas, é para fazer a sério, não é para estar ali a fingir. E quando me proponho a fazer algo, faço até ao fim.

MF: Qual a primeira memória que tem do futebol?

Toy: O meu primeiro grande jogo é aquele 4-0 do Vitória de Setúbal ao Spartak Moscovo. E ficou-me marcado porque lembro-me de perguntar ao meu pai porque é que os outros senhores, que jogavam de vermelho, ouviram as mesmas palmas, de pé, que os nossos, do Vitória. E ele disse-me: «um dia o pai explica-te».

MF: E explicou?

Toy: Sim. Mais tarde, ele explicou-me. Estávamos em 1971, no tempo do Marcello Caetano e foi tocado o hino da Rússia e içada a bandeira com o martelo e a foice. Isso aconteceu ali, provocou aquela reação e marcou-me mesmo muito.

MF: Marcou até mais do que jogo?

Toy: Talvez, mas repare: o meu pai era alfaiate e fazia os fatos do senhor Pedroto, que era o treinador de então. Nessa equipa jogava também o Octávio [Machado] que conheci com cinco anos e ainda hoje é meu amigo, para quem o meu pai também fazia os fatos. Ou seja, fiquei com marcas muito fortes dessa equipa. O Rebelo, o Carriço, José Torres, que tinha vindo do Benfica.

MF: Qual o jogador que o Toy «era» nos jogos lá da rua?

Toy: Eu aprendi a amar toda aquela equipa dos primeiros anos da década de 70. Joaquim Torres na baliza, depois o Rebelo, Carlos Cardoso, José Mendes, Matine; o Otávio, Vagner e o oito às vezes era o Tomé, outras o Arcanjo; José Torres, Duda e Jacinto João. Toda essa equipa me fascinava. Mas o jogador que me ficou mais marcado foi o JJ: Jacinto João. Era realmente um grande jogador.

MF: Entretanto, perdeu um pouco o hábito de ir ao Estádio?

Toy: Não perdi. Tenho é pouco tempo [risos]. Adoro ir. Ainda agora no último jogo fui convidado para ir para o camarote, levávamos o choco frito, as bebidas e fazíamos uma grande festa. Mas o tempo não me deixou. Trabalho sábados, domingos. Estou sempre a trabalhar e isso dificulta-me as idas ao estádio.

MF: Mas ia muito quando era mais novo.

Toy: Lembro-me de ir para todo o lado com o Vitória. Até ia mais vezes quando estávamos na segunda divisão do que na primeira. Também fui algumas vezes à Luz e uma delas tem uma história gira.

MF: Vamos lá, conte.

Toy: Na altura o treinador era o Luís Campos, que estava castigado e viu a bola ao pé de mim. O Benfica estava a ganhar 1-0 e o Luís Campos disse-me: «É melhor irmos embora porque eu acho que vamos empatar isto e depois vai ser uma merda para sairmos». Então saímos cinco ou seis minutos antes do fim do jogo. Quando estávamos já fora do estádio ouvimos o golo do empate do Vitória. Empatámos 1-1. E há a final da Taça de Portugal de 2005...

MF: Também contra o Benfica.

Toy: Sim. Eu estava lá no Estádio Nacional, cantei no intervalo e depois fizemos a grande reviravolta. Estivemos a perder 1-0 e ganhámos 2-1. Essa também é uma recordação muito forte.

MF: Lamenta que a sua profissão seja pouco compatível com o futebol?

Toy: Não lamento porque faço o que gosto e lutei a vida toda para chegar aqui. E fazendo o que gosto, só tenho de ficar feliz. Gosto muito de futebol, mas gosto muito mais de fazer o meu trabalho, que me permite criar condições para dar uma vida melhor à minha família e aos meus amigos.

MF: Mesmo assim tornou-se num dos maiores embaixadores do Vitória…

Toy: Consideram-me como tal e eu gosto muito de ser relacionado com o Vitória. Mas estou muito triste com a descida.

MF: Como é que viveu esse momento da descida na última jornada?

Toy: Estava na Alemanha, a ver o jogo e ia cantar a seguir. Não consegui ver o golo do Oliveira do Hospital e no final vi o resultado no telemóvel. E fiquei muito triste. Mas a vida continua.

MF: Nos últimos anos têm sido mais as tristezas do que as alegrias. Como é que tem vivido estes últimos anos?

Toy: É verdade. Mas por um lado, acho que a cidade tem o que merece. Porque as pessoas deixaram de ser adeptas do clube da terra para serem de outros clubes. Quem não tem povo não tem poder. Se não temos adeptos, não temos força e o Vitória perdeu muitos adeptos e com isso perdeu capacidade de lutar.

MF: A conhecida falta de cultura de apoio ao clube da terra em detrimento dos chamados «três grandes»…

Toy: Sim. Essa é a realidade não só do Vitória, mas de outros clubes com história. Como a Académica, o Salgueiros e outros que foram desaparecendo. Parece que os chamados clubes menos grandes só existem para os grandes poderem fazer campeonatos. E depois há a história do «segundo clube» que a mim me enerva. Eu não tenho segundo clube. Sou do Vitória!

MF: Sente que esta nova descida vai fazer as pessoas afastarem-se ainda mais do clube?

Toy: Os verdadeiros vitorianos nunca deixam de o ser. Mas há cada vez menos. E depois os miúdos na escola têm aquela disputa para ver quem ganha… e se dizem que são do Vitória, que não luta por coisa nenhuma, há tendência a escolher um dos três grandes.

MF: E diz alguém que tem amigos nesses três clubes.

Toy: Sim, conheço muita gente. Eu fui amigo do Eusébio, do Mário Coluna, sou amigo do Rui Costa, do Sérgio Conceição, Pinto da Costa… de uma data de gente. O mais antigo é o Octávio Machado. Mas também já conheço o Sérgio há uns 30 anos.

MF: E ele sempre foi como continua a ser…

Toy: Sim, sempre foi assim raçudo [risos]. Mas tem bom coração, e muitas pessoas não sabem. No mundo em que vivemos, é muito habitual falar das pessoas sem as conhecer. E isso é muito mau. É melhor ter bom coração do que ser hipócrita.

MF: Há alguém do mundo do futebol que o tenha surpreendido quando conheceu pessoalmente?

Toy: Não diria que me surpreendeu. Mas estive recentemente em casa do Fernando Santos. Já o conhecia, mas tive a oportunidade de privar um pouco mais com ele. E já sabia que era boa pessoa, mas tive possibilidade de o provar. Tem aquela simpatia natural e uma forma fantástica de estar na vida.

MF: De todas as pessoas do futebol que conhece, qual aquela com que se identifica mais em termos de personalidade?

Toy: Não gosto muito de fazer comparações. Mas encontro vários pontos de contacto com vários deles na forma como eu gosto de estar na vida.

MF: Vamos a isso.

Toy: Na transparência e no dizer aquilo que penso, sem dúvida o Sérgio Conceição; na simpatia e na vontade de tratar sempre bem as pessoas, o Rui Costa. Se calhar tenho um bocadinho deles os dois. Na loucura, talvez o Rui Esteves que jogou no Vitória e também no Benfica. Mas não há pessoas iguais

MF: Com quem iria para uma noite de copos sem pensar duas vezes?

Toy: Isso era com o Sérgio Conceição [gargalhada]. Porque ele é muito divertido. Gosto muito da companhia dele. Comemos bem os dois, ele também é de bom alimento, bebemos uns canecos. Gosta de convívio e de amigos e sem caganças. Tal como eu.

MF: E quem levava para cima do palco um concerto?

Toy: Olhe, já levei o Sérgio [nova gargalhada]. Mas levava o Helton, o antigo guarda-redes, que é músico, toca bem e canta bem.

MF: Vai ter de me contar essa história de ter levado o Sérgio Conceição para o palco.

Toy: Foi num concerto perto da terra dele. Eu disse que ele estava lá, e ele subiu ao palco e foi giro, esteve ali connosco. Mas não cantou. Só canta quando estamos em convívio [risos].

MF: Tem mesmo uma relação muito próxima com o Sérgio…

Toy: Sim. Porque acompanho o crescimento dele como pessoa há muitos anos. Também tenho admiração pelo que foi como jogador e pela forma como sempre encarou a vida com muita seriedade e vontade de vencer. Ele ficou órfão de pai e mãe aos 15 anos. Ficou como chefe de família das irmãs. Era um miúdo que ficou com uma grande responsabilidade muito cedo e isso fê-lo muito maduro. É alguém que não ficou pelo caminho. Que gosta de se cultivar, que lê e que fala bom português, mesmo tendo vivido em Itália, na Bélgica, na Grécia. E acima de tudo é um homem de família.

MF: Até já escreveu uma música sobre ele. O que diz a letra?

Toy: É verdade. «Sérgio Conceição, um campeão na vida e no amor…» Espere que isto tem de ser cantado. [começa a cantar] Sérgio Conceição/ tem coração/ com sangue lutador. / Sérgio Conceição/ um campeão/ na vida e no amor. Ele que dar sempre mais/ porque sabe que os seus pais/ lá em cima, esperam dele o melhor. Isto só foi cantado na inauguração do Estádio Sérgio Conceição [em 2002]. Gravei um CD, mas entreguei-o à Liliana [mulher de Sérgio Conceição].

MF: E há mais alguém para quem ainda vá escrever uma música?

Toy: Há muita gente sobre quem gostava de escrever. Acredito que ainda vou ter oportunidade de fazer mais umas canções sobre amigos do futebol.

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