[Foto: equipa de futebol do Académico na temporada 1916/17]

CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

ACADÉMICO FUTEBOL CLUBE - Não federado no futebol

«Football history was here» A mensagem aparece ao longe num grafitti feito propositadamente para um documentário sobre o futebol nacional.

A história do futebol português esteve, de facto, no Estádio do Lima, em tempos casa do Académico Futebol Clube.

Aquilo que hoje não passa de um terreno baldio com uma bancada em ruínas, perto da zona do Marquês, no Porto, foi em tempos o melhor estádio do Norte de Portugal.

Aspeto atual do antigo Estádio do Lima

Inaugurado em 1924, o campo de futebol (relvado em 1937) era circundado por uma pista de atletismo e outra de ciclismo; com uma bancada central com capacidade para 15 mil espetadores à qual se somava o peão, que acolhia multidões em dias de jogo.

No Lima, deu-se o pontapé de saída da primeira jornada do primeiro campeonato nacional, num Académico-União Lisboa (que em 1942 se fundiria com o Caracavelinhos para fundar Atlético Clube de Portugal), em janeiro de 1935, um ano depois de ter sido palco do primeiro jogo de futebol noturno em Portugal (1934) – em que a bola foi pintada de branco mas perdeu a tinta com o decorrer da partida.

Além dos jogos da equipa da casa, o estádio acolheu partidas da seleção nacional e foi casa emprestada do FC Porto nos jogos grandes, como na receção ao Sporting (1947) imortalizada pelo filme O Leão da Estrela.

A história do Académico divide-se em duas metades distintas: com e sem o Estádio do Lima. O clube fundado em 1911 por um grupo de estudantes do Liceu Alexandre Herculano teve a sua última participação na primeira divisão nacional de futebol em 1941/42. Daí em diante, o futebol definhou até a equipa fazer o seu último jogo no estádio em junho de 1964.

Última equipa do Académico na I Divisão de futebol (1941/42)

Apesar das dificuldades de manter a atividade desportiva durante o período da I Guerra Mundial, quando José Neves Eugénio, mentor do clube e sócio n.º 1, servia como oficial do exército, o Académico tornou-se num dos grandes clubes da cidade do Porto nas primeiras décadas do século XX. No entanto, não soube expandir-se, conta quem conhece bem a história do clube.

«O Académico lidou mal com o profissionalismo e nunca procurou ser popular. Até à década de 1920 nos estatutos não eram permitidos associados que não fossem estudantes. Já depois de contornada essa restrição (até pelo facto de os fundadores terem concluído os seus cursos e quererem continuar ligados ao clube), não era qualquer pessoa que podia ser sócio do Académico. Cada novo membro tinha de ser proposto por outro associado, ter uma carta de recomendação e ser aprovado pela direção. Isso limitou o crescimento do Académico, que ao contrário do Boavista, por exemplo, não soube dar a volta à fama de clube elitista. Enquanto o FC Porto sempre foi um clube de massas e o Salgueiros tinha um cunho mais popular», explica ao Maisfutebol Eduardo Rego, ex-atleta, ex-dirigente e uma espécie de historiador oficioso do emblema portuense, recordando os grandes nomes que passaram pelo clube na primeira metade do século XX.

Na década de 1930, os internacionais Manuel Fonseca e Carlos Alves, «O Luvas Pretas» original, avô de João Alves (ex-jogador de Boavista e Benfica, nos Anos 70 e 80), eram os grandes destaques da equipa, que viu também Adélio Pacheco chegar à seleção nacional.

À margem do futebol, o clube dos estudantes destacava-se também no atletismo (José Prata Lima participou nos Jogos de 1928 e Eugénio Lopes nos de 1952) e, mais tarde, no ciclismo:

Ribeiro da Silva venceu a Volta a Portugal em 1955 e 1957 com a camisola aurinegra (com o clube a conseguir triunfos coletivos em 1956 e 1957).

Estádio do Lima na década de 1960

No entanto, há meio século, o Académico viu uma oportunidade no meio da desolação de perder o seu estádio e voltou-se sobretudo para as modalidades amadoras. O clube deixou de poder usar o Lima, então propriedade da Santa Casa da Misericórdia e que hoje pertente de uma empresa imobiliária que tenta há décadas construir um empreendimento de grandes dimensões no local, mas construiu ao lado o pavilhão desportivo (hoje tem dois), que esta semana completou o 50.º aniversário.

A partir daí, o Académico tem sido uma referência em particular no andebol, basquetebol e hóquei em patins.

Hoje, o clube tem cerca de 800 atletas no mais puro espírito amador: nenhum recebe qualquer comparticipação. «Bem pelo contrário. Os nossos atletas têm de ser sócios e ainda pagam uma mensalidade que suporta os custos de cada atividade. Somos um clube social, de fomento da prática desportiva na população e não de promoção de espetáculos desportivos», esclarece Pedro Sarmento, presidente do Académico, salientando em seguida o momento particularmente feliz que o clube atravessa:

«No basquetebol sénior, a equipa masculina subiu à Proliga (segundo escalão nacional) e a equipa feminina subiu à Liga (primeiro escalão). No andebol, os juniores masculinos subiram à I Divisão e a equipa sénior feminina está a uma vitória de subir. Temos 36 equipas em competição: 12 no andebol, 14 no basquetebol e 10 no hóquei em patins. É uma máquina desportiva como poucas que existem em Portugal.»

Pavilhão A do Académico, que completou o 50.º aniversário

O futebol, porém, não passa de uma memória distante. Ainda assim, há esperança de um dia ver o Estádio do Lima reerguer-se dos seus escombros e de lá voltar a ver a bola rolar.

«Sonho de recuperar o Lima vive enquanto houver sócios do Académico com memória do que aquele estádio era», defende Eduardo Rego: «Se tivessem construído ali os prédios, talvez fosse mais fácil esquecer, mas passar ali ver tudo em ruinas dói ainda mais na alma.»