A 22 de março de 2017 o Maisfutebol publicou este artigo sobre o Oleiros, então estreante no Campeonato de Portugal, que recuperamos agora que o sorteio da terceira eliminatória da Taça de Portugal colocou o clube de Castelo Branco frente ao Sporting.

Artigo original: 22/03/2017

CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do Maisfutebol que visita passado e presente dos clubes dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção.

Associação Recreativa e Cultural de Oleiros – Campeonato de Portugal Série F [Manutenção/Descida]

Na vila de Oleiros, distrito de Castelo Branco, o futebol é, de há alguns meses a esta parte, motivo de maior interesse para as gentes albicastrenses. Ali, no interior-sul de Portugal, num concelho com cerca de 5 mil habitantes, a subida inédita aos campeonatos nacionais para esta época e o primeiro título oficial da ARC Oleiros culminaram 40 anos de uma casa que começou a construir-se, aos poucos, desde 1976.

Longe vão os tempos em que o atletismo e o futebol de formação, nos anos 80 e 90, animavam as hostes oleirenses. Hoje, num emblema em que futebol sénior e pesca repartem atenções, será esta a melhor fase da história do clube? «Em termos desportivos, podemos apontar que sim», atira Miguel Martins, presidente da ARCO, acrónimo pelo qual o clube é conhecido.

Para se perceber o trajeto ascendente da ARCO até ao Campeonato de Portugal (CPP), importa olhar para uma época que o dirigente apelida de «quase perfeita» em 2015/16. Nenhuma derrota em 27 jogos oficiais, conquista da taça a nível distrital e o segundo lugar no campeonato, só superado pelo Sp. Covilhã B, que, por desistência, daria lugar à subida do emblema oleirense. A luta com os «leões da serra» foi o grande duelo da época. «O Covilhã não ganhou ao Oleiros, mas não fomos campeões por forças desiguais. Depois, o Covilhã desistiu de subir e repôs-se um bocado de verdade», defende o presidente. A ARCO terminara o campeonato com 46 pontos, a dois da equipa B do Sp. Covilhã, a quem ganharia a taça por 2-1, a 8 de maio de 2016.

VÍDEO: uma época para a história

«Na altura até o Diogo Ribeiro [ex-jogador do Sp. Covilhã, hoje na Académica] veio jogar e fez o golo com que fomos a perder 1-0 ao intervalo. Parecia épico fazer dois golos na segunda parte. Mas foi o que aconteceu», lembra David Facucho, o capitão.

«Ó senhor juiz acabe com o jogo que queremos fazer história!» Foram das últimas palavras de Facucho, antes do apito decisivo, naquela final em que a equipa daria a volta ao marcador para conseguir o primeiro título oficial.

Festejos da ARCO após a vitória na Taça José Farromba, ante o Sp. Covilhã B

Paulo Machado, treinador que cumpre a segunda época em Oleiros, levou a equipa aos nacionais e lembra que a ARCO «era um clube que tinha qualidade mas depois acabava por não ganhar». «Havia um grande estigma em relação aos gastos do clube e não havia resultados. Tinha de lidar com os haters do futebol distrital (risos)», acrescenta Facucho. 

«Não passava pela cabeça ir duas vezes aos Açores»

Desafio novo. Exigência, idem. A ARCO procura hoje o objetivo da manutenção para ser o primeiro clube de Oleiros a conseguir subir e manter-se, no ano seguinte, nos nacionais. «É um ano de muita responsabilidade. Nem sabíamos como ia correr a época. O clube teve de adaptar-se, com jogadores de fora que estão a morar em Oleiros teve de arranjar alimentação e casa para eles. Tudo isso era alheio ao clube», compara Miguel Martins.

De Coimbra, Sertã e Lousã, semana a semana, partem treinador e alguns jogadores para treinar e jogar na ARCO. A conta do gasóleo aumenta, mas os adeptos, na bancada, têm correspondido na mesma medida aos maiores esforços financeiros do clube. Em média, cerca de 300 pessoas assistem aos jogos no Municipal. Uma realidade superior, bem diferente de outros tempos. «É muito bom, há quatro ou cinco anos resumia-se a 20 pessoas», conta Miguel Martins, longe de pensar, outrora, em aspetos logísticos a que um campeonato nacional obriga. «Não passava pela cabeça ir duas vezes aos Açores», arquipélago que já ditou deslocações a Operário da Lagoa e Sp. Ideal, na fase regular. A primeira ida às ilhas mereceu, inclusive, o apoio de 70 adeptos da ARCO.

Adeptos e plantel da ARCO, no jogo com o Operário, em setembro último, nos Açores

Cumpridas seis jornadas na segunda fase, a ARCO está no 6.º lugar no playout, mas soma os mesmos 13 pontos do Carapinheirense, que ocupa o lugar de manutenção. Três vitórias e outras tantas derrotas são o balanço de uma segunda fase que obrigou a um reforço natural do plantel e que dá crença a Paulo Machado. «Até ao último segundo, vai ser uma luta ponto a ponto», sublinha o técnico, carteiro de profissão e que passou, como jogador, pela formação de Sporting e Académica.

O capitão que jogou na terra de Fehér

David Facucho, «oleirense de gema», conhece como poucos os cantos à casa. Aos 33 anos, o capitão é como um intermediário para quem chega. Um «jogador-adepto», considera o próprio. Entrou para a ARCO em 1994/95, aos nove anos. E de lá só saiu entre 2005 e 2009. Então a estudar na Universidade de Coimbra, integrou o programa Erasmus e foi o primeiro português a jogar na Hungria, no Nagyszentjános da quarta divisão, clube da terra de Miklós Fehér, onde se cruzou com o pai do antigo jogador. Seguiria depois para a II Liga húngara, para jogar no Mosonmagyarovari, antes de voltar a Portugal em 2007, para duas épocas no Sertanense, que anteciparam o retorno à ARCO.

Jogo desta época entre União de Leiria-ARC Oleiros, na fase regular do CPP

A necessidade de reforçar o plantel levou à aquisição de jogadores de outras línguas, desde de chineses, brasileiros, um angolano ou um senegalês. E se a «barreira linguística», como afirma o treinador, pode ser entrave à primeira vista, a «vontade dos jovens» e a partilha de culturas enriquece o balneário. «É dar a conhecer um pouco de Oleiros», atira David Facucho. Os dois jogadores chineses até já assinalam cada treino com um simbólico ritual: todos se cumprimentam. No início e no fim.

Na vila de Oleiros, assim vai uma equipa em busca do arco da manutenção.