CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

GRUPO DESPORTIVO RIOPELE (15º classificado na I Divisão, 1977/78)

Jorge Jesus tinha 22 anos e vivia na Residencial Francesa, em Famalicão. Ouviu falar de um guarda-redes do Sporting «com uma grande pancada e ainda mais potencial». Indicou-o ao GD Riopele e, ainda sem saber, abraçava nessa decisão uma das maiores amizades da sua vida.

O tal guarda-redes, meio doido, era Carlos Padrão. Conheceu Jesus «num ano fantástico» e tornaram-se amigos. Mais do que isso, tornaram-se «verdadeiros irmãos».

Passaram a andar sempre juntos, «a dividir a gasolina a meias» e a passear o BMW 1602 «de matrícula luxemburguesa» pelas ruas de Famalicão e arredores.

«Eu ganhava 15 contitos, o Jorge 30 ou 40. Era o mais bem pago do plantel», recorda Padrão, a partir de Angola, ao Maisfutebol.



É nesta altura que a voz se embarga e as lágrimas escorrem. Os títulos de Jesus são os títulos de Padrão. Afastado do futebol e realizado no negócio de construção civil, o antigo guarda-redes de Sporting, V. Setúbal, Chaves, FC Porto e, claro, Riopele, toma conta da entrevista.

O palco é dele.

«Eu tinha chegado a Portugal em 1975, fugido da guerra civil. Quando o Jesus me desafia a ir para o Norte, emprestado pelo Sporting, eu tinha 18 anos e ele 22. Não fazia a mínima ideia do que ia encontrar».

«Apaixonei-me pelo Norte e fiquei 11 anos por lá», diz Padrão. «No Riopele fizemos uma equipa muito gira, para mim foi um sonho jogar na I Divisão. Vinha do super luxo de Alvalade e cheguei ali, à realidade».

Jorge Jesus foi o principal apoio de Padrão. Foi e é. «Estivemos em Luanda juntos, há algum tempo, e até uma alta figura do Estado angolano ficou estarrecida perante a simplicidade dele».

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«Estávamos num barco e eu a falar à vontade com o Jorge. De repente, o senhor angolano vira-se para mim e diz: não fale assim com este senhor, ele é o treinador do Benfica. É um amigo do coração».

Carlos Padrão é um comunicador nato. Histórias não lhe faltam e vontade de as contar também não. Regressemos, por instantes, ao ano do GD Riopele.

«Os meus 18 anos eram loucos. Festas, muitas namoradas, noites sem dormir antes dos jogos, uma sede de viver incrível, também provocada pela fuga à guerra. Cheirei a morte em África e provei a vida boa nessa temporada com o Riopele».

«O Jesus sempre adorou avançados ao estilo do Liedson»


Padrão fez 15 jogos na baliza do extinto emblema, Jesus esteve em 28 e marcou três golos.

«Ele era um jogador muito bom, com pés de categoria. Só quem não o conhece é que pode estar surpreendido pelo sucesso dele no cargo de treinador», considera Padrão. E vem aí mais uma história forte.

«Ele foi campeão em 2010, contra o Rio Ave, na Luz. No fim, mal me viu, abraçámo-nos a chorar, perto da sala de imprensa. É um homem cinco estrelas, falámos muitas vezes».

Carlos Padrão ainda se lembra do primeiro problema de Jesus no Benfica. Teve a ver com Cardozo.

«O Jorge sempre adorou avançados rápidos e móveis, ao estilo do Liedson. Quando foi para o Benfica fiz-lhe uma pergunta: e agora, o que fazes ao Cardozo? Ele respondeu-me bem: o rapaz faz 30 golos por época, tem de jogar».

Da Residencial Francesa, ao balneário do GD Riopele e direitinha ao presente: uma amizade sem igual, Padrão e Jesus.