CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

Em 1973, Johan Cruyff brilhava no Barcelona. A transferência do holandês deu brado na imprensa internacional e os olhos do mundo estavam postos nele. Em Lisboa, na Azinhaga dos Alfinetes, havia outro extremo esquerdo a dar nas vistas e fazia lembrar o jogador dos blaugrana. As parecenças físicas eram muitas, o estilo de jogo também. Por isso, Quim, o médio/extremo-esquerdo do Oriental, passou a ser conhecido como «o Cruyff de Marvila».

Quim Monteiro vestiu a camisola grená durante três épocas. Chegou em 1972, sendo o melhor marcador nessa época em que o Oriental se sagrou campeão da II Divisão, e esteve nos dois últimos anos em que a equipa militou na I Divisão.

Falar-lhe desses tempos é abrir uma caixa de recordações e saudade que parece não ter fim. «Passei por vários clubes mas o Oriental é especial. Foi dos que mais me marcaram», conta o antigo jogador ao Maisfutebol

Despido pelos adeptos em festa    

Na altura, Quim Monteiro trabalhava num banco. «No final do trabalho, apanhava o autocarro 28 para ir treinar, e no fim do treino ia de barco para o Barreiro, onde morava. Chegava a casa à meia noite e tinha de acordar às 6:30 para ir trabalhar. Mas depois jogávamos contra clubes como o FC Porto, o Benfica, o Sporting...», recorda.

Marcado na memória está o dia da subida à I Divisão. «Na altura, para onde o Oriental ia, ia muito gente atrás. Nesse dia, quando jogámos contra o União de Coimbra, o estádio estava completamente cheio, não cabia mais ninguém. No fim do jogo, tiraram-me a roupa toda a festejar. Fiquei só de cuecas. Não sei como não mas tiraram também».

E se esse foi o melhor momento, o pior viria dois anos depois. «Fomos a Aveiro jogar contra o Beira Mar a liguilha da descida. Perdemos lá e a viagem para Lisboa foi uma tristeza. Parecia que vinhamos de um funeral».

A alcunha e o carinho dos adeptos

Quim Monteiro recorda bem quando lhe chamaram Cruyff pela primeira vez. «Um dia, no regresso a casa, estava a ler o jornal no barco e vi uma fotografia minha ao lado da dele. Fiquei muito espantado ao ver aquilo. E eles lá faziam a comparação. Eu acho que era parecido só em termos físicos, porque como jogador... ele era craque e eu era um jogador normal».



Mas Quim Monteiro admite que recebia muito carinho dos adeptos. «Quando eu jogava a extremo esquerdo, ali junto à linha, ai do jogador que me tocasse para me fazer uma falta. Os adeptos não o deixavam em paz», recorda. «Um dia, num jogo contra o Boavista, o central, Amândio, deu-me um toque e eu atirei-me para o chão. Foi uma fita, e eu nem era de fazer essas coisas, mas nesse dia fiz. Ele foi expulso e, ao sair, um indivíduo atirou-lhe uma corneta à cabeça, e partiu-lhe a cabeça. Fiquei logo arrependido e fui depois pedir-lhe desculpa, mas o mal já estava feito » .

A ansiedade dos jogos grandes

O « Cruyff de Marvila»  despertou o interesse dos grandes em Portugal. Falou-se do Sporting, do Benfica, mas o maior interesse, descobriu há pouco tempo o antigo jogador, foi do FC Porto. «No ano passado encontrei o presidente do Oriental da altura que me contou que o FC Porto entrou em contacto com ele para me contratar. Mas ele começou a inventar, a dizer que eu não queria ir para o Porto para não deixar o emprego, eles desistiram eu fiquei no Oriental. Não sabia nada disso, mas podia ter mudado a minha vida», conta Quim Monteiro, sem mostrar contudo qualquer mágoa. «Fui depois para outros clubes, mas continuei sempre a trabalhar e hoje tenho uma reforma, enquanto que alguns dos meus colegas da altura estão muito pior». 

Quim Monteiro também acredita que «não era jogador de clube grande». «Eu tremia nos jogos grandes», conta, e recorda um episódio. «Um dia, íamos jogar com o Varzim e eu li no jornal que o Benfica estava interessdo em mim e que o Jimmy Hagan ia ver-me jogar. Fiquei tão ansioso que não joguei nada. Mal toquei na bola. No final, acabou por ser o João Alves, o luvas pretas, que na altura jogava no Varzim, a ir para o Benfica», conta.

As recordações saem-lhe em catadupa. Lembra «um estágio no Hotel da Torre, junto à Torre de Belém, em que o guarda-redes, o Azevedo, que achava que era o Brad Pitt da equipa, começou a meter-se com umas suecas. Depois apareceram os namorados e começou tudo à pera». «Penso muitas vezes, aquilo só podia ter acontecido no Oriental. E é disso que sinto saudades, do balneário. É mesmo um clube especial».