CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do Maisfutebol que visita passado e presente de clubes dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção.

CLUBE UNIÃO 1919: AF COIMBRA

«Houve uma insolvência, que ainda está a decorrer, em relação ao clube União Futebol de Coimbra. Nós, sócios e antigos atletas, resolvemos ressuscitar aquilo que estava quase morto, estava moribundo.»

Bem no meio da cidade dos estudantes, onde o Mondego é rei e senhor e caloiros e doutores alimentam o coração negro da mais antiga Universidade do país, ergue-se um histórico do futebol português a vestir de azul e vermelho.

Com uma passagem pela divisão máxima do futebol português, na época de 72/73, o União de Coimbra aproximou-se do abismo em 2009, quando subiu à terceira divisão, mas não teve dinheiro para se inscrever. Não conseguiu fundos sequer para se inscrever em qualquer escalão, mesmo os distritais, e o impensável aconteceu mesmo: teve de acabar com a equipa sénior.

Mas o pior veio em 2016: o clube declarou insolvência e extinguiu.

No entanto, como qualquer pai que vê o seu filho ir ao chão, alguns sócios e antigos dirigentes unionistas juntaram-se e deram uma nova vida ao clube conimbricense: nasceu assim a versão 2.0 do União de Coimbra: o União 1919.

«Conseguimos criar as condições para que este ano, e em boa hora, avançássemos com a equipa sénior»

Mas não foi fácil, segundo explica o presidente do clube, João Trindade. «Houve uma insolvência, que ainda está a decorrer, em relação ao clube União Futebol de Coimbra. Nós, sócios e antigos atletas, resolvemos ressuscitar aquilo que estava quase morto, estava moribundo», começa por esclarecer ao Maisfutebol.

«Então, à semelhança do que acontece e aconteceu com outros clubes, tivemos que dar um novo nome ao clube, para podermos fazer com que as nossas camadas jovens, quer no futebol, quer no futsal, quer na natação, pudessem continuar a representar o clube», prossegue.

O presidente do União de Coimbra, João Trindade

Apesar da refundação sob outro nome, João Trindade assume que o «objetivo é regressar às origens» e à designação original do clube, União de Coimbra.

Agora, dois anos volvidos desse primeiro passo para sair do abismo, o emblema conimbricense voltou a ter equipa sénior e até já aponta a uma possível subida à Divisão de Honra da Associação de Futebol de Coimbra.

«Era um projeto nosso constituir uma equipa sénior, porque já não havia equipa sénior há 10 anos e graças à colaboração de alguns unionistas conseguimos criar as condições para que este ano, e em boa hora, avançássemos com a equipa sénior», diz.

«É uma felicidade ver que o União ainda tem um grande nome na região e na cidade»

E como é que um clube com uma situação financeira tão precária conseguiu voltar a ter uma equipa sénior? «Avançámos para a criação de uma equipa sénior porque neste momento, e não podia ser de outra forma, os atletas que nos representam, e bem, não recebem qualquer subsídio, porque nós não tínhamos hipótese de lhes pagar, nem os atletas nem os treinadores.»

Na base deste novo União está, portanto, o «amor à camisola», fator tão importante para a sobrevivência dos clubes com menos recursos financeiros no futebol.

«Sim, é com muito amor à camisola, e posso dizer que temos muitos jogadores na equipa sénior que passaram pelas nossas camadas jovens, é mesmo o amor à camisola que faz com que tenhamos estes jogadores.»

O líder unionista não esconde que «é uma felicidade» ver que o União ainda tem um grande nome na região e na cidade. «A título de curiosidade, para reforçar o grande nome que o União ainda tem nesta região, apareceram-nos 74 jogadores para prestar provas para a equipa sénior», conta.

A equipa do União a festejar um golo (foto: facebook União 1919)

No campeonato, o União ocupa nesta altura o segundo lugar da classificação, a três pontos do líder Vinha da Rainha. A subida não está longe e João Trindade assume que isso pode ser uma realidade já este ano, embora com um grande «mas».

«Se houver possibilidade, queremos subir à divisão de honra. Mas isso não pode alterar a nossa filosofia, a nossa forma de estar: não temos hipótese de pagar qualquer subsídio aos atletas», confessa.

«Nessas condições, é evidente que vamos fazer de tudo para que a subida seja concretizada. Mas sobretudo o que gostamos é de uma equipa que saiba estar em campo, que tenha fair-play e honre a cidade de Coimbra, isso é um ponto no qual apostamos muito.»

«O que não é noticiado, o que não aparece nos jornais, não existe»

Coimbra. Normalmente quando se fala em Coimbra, o comum adepto de futebol lembra-se apenas da Académica. Mas a escassos metros do Calhabé, a casa da Briosa, mora também o União, no mítico campo da Arregaça.

Uma rivalidade que perdura há anos, embora, devido às circunstâncias, esteja um pouco esfriada, com um dos lados da força mais ou menos esquecido, aponta João Trindade.

«O que não é noticiado, o que não aparece nos jornais, não existe. Nesse aspecto nunca poderemos ombrear com a Académica, porque também não nos dão essa possibilidade, sabemos a distância que nos separa. Somos os dois clubes de Coimbra, mas às vezes parece que não somos porque não se preocupam conosco.»

Ainda assim, estudantes e unionistas ainda fazem faísca: «Essa rivalidade ainda se sente e existe. Aquela massa associativa que tem mais anos sente mais, porque isto também faz parte da história da cidade», defende João Trindade.

«Nas camadas jovens a rivalidade sente-se mais a nível dos jogos em concreto. As vitórias contra a Académica sentem-se de maneira diferente, são mais saborosas. Talvez porque não são tantas como isso, então cada vitoriazinha é uma festa enorme», conta o líder do clube.

Uma mini-aula de um reforço de peso para explicar o começo da rivalidade, mas não só

Ora, para nos explicar um pouco mais desta rivalidade entre o União de Coimbra e a Académica, mas não só, o Maisfutebol recorreu a um reforço de peso: João Moreira, o pai e um dos criadores de Bruno Aleixo, e um dos adeptos mais conhecidos do universo unionista.

João Moreira (foto: Carlos Barradas)

Moreira dá-nos uma mini-aula sobre o começo desta rivalidade, com simetrias com o Benfica e o Sporting, e fala-nos das diferentes razões para se ser unionista.

«Historicamente a Académica era o clube ligado à Academia [Universidade de Coimbra] e o União de Coimbra era o clube, não vou dizer do proletariado, mas do civil. Ou seja, a partir do momento que grande parte da cidade se começou a compor da malta que estudou em Coimbra, o mais normal era o pessoal ligado à Academia ser da Académica e o pessoal ligado à classe trabalhadora estar mais ligado ao União», começa por dizer.

«Obviamente que isso era na sua génese, assim como o Benfica era o clube do povo e o Sporting das elites», acrescenta.

Ora para Moreira, há adeptos que são do União como forma de protesto, como aliás «acontece em todas as cidades»: «Obviamente que o clube maior acaba sempre por atrair novos adeptos, portanto o União acaba por ser um clube do contra, porque é um clube que não tem muitos sucessos, às vezes é-se do União para não se ser da Académica.»

«O União de Coimbra acaba por ser um clube de protesto. É assim que funciona em todas as cidades, o Manchester City só agora é que tem vitórias, durante muito tempo as pessoas eram do City para não serem do Manchester United», prossegue.

Ainda assim, ressalva o guionista, há muitos mais adeptos que são do União por gosto pessoal do que como forma de protesto: «Tenho amigos que são do União porque o pai já era do União, conheço muita malta que está ligada ao União não como forma de protesto, atenção!»

«Há muita gente assim, aliás, a maior parte dos adeptos é assim. Há muita mística, sobretudo na zona da Arregaça, bairro Norton de Matos, aquela zona tem muitos adeptos do União. Há malta que quer ser do contra e é do União, mas há outras pessoas que são do União porque são do União», argumenta.

O Campo da Arregaça (foto: facebook União de Coimbra)

Desgostoso com a situação que o clube viveu em 2009, quando subiu à terceira divisão e depois não se conseguiu inscrever, João Moreira deixou de ir à bola. Até este ano.

«Voltei [a ver o União] no outro dia, fui ver o jogo de apresentação. E para quem estava habituado a ver o União de Coimbra... os jogos que eu ia ver também era no distrital, mas eles estavam com uma equipa para jogar na terceira divisão, eram jogos em que ganhavam 8-0, estavam claramente muito acima dos adversários», afirma.

Por entre os prédios e edifícios da Rua do Brasil e do Bairro Norton de Matos, quase oculto entre as muitas sombras presentes, surge o Campo da Arregaça, casa do União. Um clube histórico do futebol português que tocou o inferno, mas renasce agora das cinzas pela mão dos seus fiéis seguidores, os adeptos. Coimbra agradece.

[artigo originalmente publicado às 23h50 de 19-12-2018]