CAMINHOS DE PORTUGAL  é uma rubrica do jornal  Maisfutebol  que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes  CAMINHOS DE PORTUGAL . 
 
VASCO DA GAMA DA VIDIGUEIRA (DISTRITAIS DE BEJA)
 
Quem chega pela estrada nacional 258 não imagina o que vai encontrar: quem vem do outro lado, pelo IP2, também não.
 
Há de tudo um pouco.
 
Há um Diogo Bonito e um Zé Feio. Há um Rui Gato e um Diogo Lebre: e já agora, há um Filipe Covas, não vão o Gato e o Lebre querer esconder-se.
 
Há um Ivan Ferro e um Nelson Prego, há um Ruben Borracha e um Pedro Calhau.
 
No início da época também havia também um Carlos Rato, que até era guarda-redes e naturalmente não enchia a baliza, mas entretanto mudou-se para o Cuba, ali mesmo ao lado. Estranhamente o Gato não correu atrás dele.
 
Enfim, mistérios da vida selvagem.
 
Mas há mais. Há por exemplo Mário Verdades, um médio que na época passada tinha a companhia do irmão: Zé Verdades.
 
Eram no fundo os Irmãos Verdades, e dizem que até cantavam. O futebol deu-lhes música e Zé seguiu para o Oriolenses, dos distritais de Évora. Por isso agora atuam a solo.
 
Quem seguramente não canta é Ricardo Calado, mas garantem que não é defeito: é feitio.
 
Ora já se percebeu que Vasco da Gama não é só um simples clube de futebol. A formação da Vidigueira, no Baixo Alentejo, tornou-se também o clube dos nomes extravagantes.
 
Não são alcunhas: são mesmo nomes. De família.
 
                                  Ferro, Lebre e Borracha juntos

«Às vezes nos jogos a malta ri-se e goza um bocado», conta António Galvão, presidente do clube e alentejano típico: afável, bem-disposto e conversador.
 
«Ainda para mais o Feio é mesmo feio», adianta. «Tem uma barba que parece um talibã.»
 
Zé Feio não acusa o toque.
 
«Não me chateio, sou um tipo descontraído. Até na rua me chamam ó feio, ó barbudo, ó talibã. Levo sempre na brincadeira.»
 
Pode não ser o homem mais bonito da equipa, mas tem um trunfo: chama-se estilo. «A barba longa está na moda. Cada vez mais homens a utilizam e no futuro ninguém vai achar estranho ou falar disso.»

Ora por falar em homens bonitos, esse é um adjetivo que no Vasco da Gama da Vidigueira anda colado ao lateral direito. Diogo Bonito.
 
«A minha namorada chama-me bonito Bonito.»
 
É capitão da equipa e gosta de tratar bem da braçadeira: por isso diz que está vedada a Zé Feio. «Não pode ser. Ele bem queria, mas isto não é para os feios.»
 
Quem os ouve falar, pode pensar que o balneário é um fartote de trocadilhos e graçolas. Mas não é. Feio e Bonito estão juntos nisso, aliás.
 
«Já houve mais brincadeiras. Agora já é normal», conta Diogo Bonito. «O Vasco da Gama tem catorze jogadores da Vidigueira, em vinte e dois, conhecemo-nos todos há muito tempo, somos amigos há anos e essas brincadeiras já passaram do prazo de validade.»
 
As piadas chegam sobretudo dos adversários: dentro de campo e nas bancadas. Zé Feio diz até que feio é o nome mais bonito que lhe chamam. «Levo sempre na brincadeira.»
 
                                Zé Feio abraçado pelos companheiros
 
Até porque não anda ali para se chatear.
 
«Ando pela paixão pelo futebol. Esta é uma casa que conheço há muitos anos e gosto de estar aqui. Já tive oportunidades para sair para clubes de divisões superiores e preferi sempre ficar. Na altura pareceu-me melhor», conta.
 
«Neste momento acho que não foi a melhor opção. Havendo a oportunidade de subir, deve ir-se sempre. Até para crescer enquanto jogadores e homens.»
 
É esta paixão pelo Vasco da Gama da Vidigueira que alimenta o clube.
 
Natural de uma vila no Baixo Alentejo com pouco mais de cinco mil habitantes, a equipa alimenta-se sobretudo de jogadores da localidade, embora também haja atletas das vizinhas Moura, Alvito e Beja.
 
António Galvão, o presidente, faz das tripas coração para arranjar receitas que permitam fazer face às despesas.
 
«É uma guerra», sorri. «Inscrever um benjamim que veio de uma aldeia vizinha custa 70 euros. Veja bem, se isto entra na cabeça de alguém…? Um miúdo de oito anos. Se quisermos inscrever um sénior, custa 240 euros.»
 
O clube vive de uma contribuição da autarquia, mais as quotas dos sócios e as receitas de algumas festas que organiza para recolher fundos.
 
«Temos de ser criativos», acrescenta. «Damos um subsídio de refeição e transporte aos jogadores, mais um pequeno prémio por jogo. Às vezes nem isso conseguimos pagar. Temos de lhes pedir paciência, que pagamos depois.»
 
                      Nelson Prego, com Diogo Bonito em segundo plano

António Galvão foi jogador, treinador e agora é presidente do clube. Faz parte do Vasco da Gama há mais de 30 anos e diz que já não consegue viver sem aquilo. Por isso não desiste. Mas há uma coisa que garante: com ele o clube não sobe de divisão.
 
«Não quero. Pelo menos nestas condições não quero.»
 
O Vasco da Gama joga nos distritais de Beja e a quatro jornadas do fim está em segundo lugar: dois pontos atrás do Castrense. Perdeu o primeiro lugar há duas jornadas, aliás.
 
Se conseguir voltar à liderança até ao fim do campeonato, garante a subida ao Campeonato Nacional de Seniores. Mas António Galvão não quer isso.
 
«Para já não é para subir, porque esta é uma equipa jovem e da Vidigueira», diz.
 
«Só subiríamos se tivéssemos apoio. Seria preciso que muita gente com responsabilidades no concelho se chegasse à frente. Com estas condições não é possível jogar um Campeonato Nacional de Seniores, porque isso iria colocar tudo em causa. Comigo não.»
 
Vai-se essa ambição, portanto, ficam os nomes excêntricos.

O Bonito e o Feio, mais o Gato e o Lebre, o Prego, o Borracha e o Calhau agradecem. Eles gostam do clube como ele é: apaixonado pelo futebol genuíno. Como eles, aliás.