* Mental Coach de Alta Performance

Todas as equipas são o espelho do seu líder. O estilo de liderança de cada um influencia de determinada maneira uma equipa. Estilos diferentes, mesmo podendo atingir o mesmo resultado, levam a passar por caminhos invariavelmente diferentes. Assim, o contexto em que se lidera é, também ele, importante e determinante.

No caso do Sporting desta época, que levou ao título de campeão nacional 19 anos depois, isso é bem marcante. O estilo quase tranquilo com que Ruben Amorim aplica a sua liderança – pelo menos, a julgar pela parte visível da tarefa -, encaixa bem na actual realidade leonina, pois quer Frederico Varandas quer Hugo Viana, as pessoas acima na hierarquia, apresentam perfis aparentemente semelhantes. Esta quase sintonia de forma de liderar que existe na estrutura leonina, contribui para a estabilidade emocional e mental dos atletas, já que a coerência parece ser total.

Se quisermos fazer uma comparação com os rivais neste campo, vemos que mesmo com estilos e formas diferentes, Sérgio Conceição e Jorge Jesus encaixam muito melhor nos seus actuais clubes do que encaixariam em qualquer um dos outros. O contexto que cada um encontra no seu clube está alinhado com a sua forma de liderança. Por essa razão, cada treinador está no lugar certo.

Mas voltemos a Amorim. Uma das coisas que saltou à vista com a chegada de Ruben Amorim à ribalta do futebol como treinador, foi a diferença no discurso. Desde cedo, o discurso apresentado foi tranquilo, calmo, quase ligeiro e descontraído, sobre os mais variados temas. No entanto, na comunicação de Amorim há outras coisas que devem ser realçadas.

Parece-me claro que o treinador do Sporting tem uma comunicação para fora e outra para dentro do grupo. Não significa que diga coisas muito diferentes, apenas que não diz tudo para fora. Se para a comunicação social, Amorim manteve o discurso feito do «jogo a jogo», de «não somos candidatos», etc…, para dentro do grupo acredito que isso mudou desde cedo.

Aliás, se o objectivo de início da época seria o apuramento para a Liga do Campeões – não me faz sentido ter o título como objectivo naquela altura -, este teve que ser alterado para o título algures a meio da temporada, o que levou a uma alteração de discurso para dentro mas não para fora.

Para que a mensagem passe para o grupo e este siga o seu líder, tem que haver coerência na comunicação. Se o líder inventar, não for honesto e mentir – pode responder que não pode falar de um tema, mas não pode mentir sobre esse tema -, o grupo vai saber e não vai seguir o seu líder. E isto Amorim sempre demonstrou: COERÊNCIA. Não foge aos temas mais sensíveis, responde com humor às coisas que quer falar pouco e é claro sobre o que não quer falar – veja-se os temas sobre as expulsões e arbitragem. E até isto tem feito bem. Coloca-se numa posição de «simples humano» igual aos outros, assumindo que também falha e erra, com tal desassombro que consegue não só cultivar o respeito dos outros como ainda cimentar uma certa aura de vencedor humilde mas confiante, algo sempre útil para a imagem pública que quer manter.

Esta dicotomia confiança/humildade, transportada para a gestão do grupo e em especial para as questões do treino técnico e táctico, levaram e levam a que os atletas o sigam no caminho que ele tem pensado e trilhado. Isto é mais claro quando olhamos para a implementação de um sistema táctico diferente do habitual do futebol nacional dos últimos anos, jogando com três defesas centrais. Mesmo após críticas, Amorim manteve-se fiel ao seu sistema e, mesmo assumindo que essa teimosia era reflexo da sua própria juventude – de idade e de carreira -, conseguiu garantir o forte apoio dos atletas e, sem estes, não há sistema que aguente. Os resultados estão à vista.

Este apoio dos atletas e os consequentes bons resultados, levam sempre a que a simbiose entre líder e liderados aumente e melhore. A moral cresce, a auto-estima melhora, tudo parece mais positivo e o clima do grupo é mais alegre e descontraído. E daí nasce e cresce uma Equipa. É certo que Amorim não foi ainda, na sua curta carreira ao mais alto nível, confrontado com ciclos negativos de resultados ou com a pressão do público e, por isso, também não sabemos como irá lidar com elas, o que não invalida o grande trabalho realizado até aqui. Mas nos momentos menos bons da época, conseguiu levar o barco a bom porto.

Destaco a muito feliz frase no final do jogo de Famalicão e que hoje é moto do clube e destaque nas redes sociais: “Onde vai um, vão todos”. Numa altura mais complicada, Amorim conseguiu reunir e unir ainda mais o grupo, algo que lhe terá sido muito útil mais à frente, no pior momento da época em resultados, quando viu a vantagem para o segundo diminuir rapidamente. O grupo, que já não era grupo, assumiu-se de vez como Equipa naquela noite de Famalicão.

Uma boa liderança também se faz de uma boa capacidade de adaptação, e também aqui o treinador do Sporting mostrou qualidades. Amorim começou a época sem que existisse, de fora para dentro, muita pressão ou expectativa, face à história mais ou menos recente do clube. Não havia a expectativa de lutar pelo título, nem da própria comunicação social, nem dos sócios e adeptos. A crença generalizada era que o Sporting seria, como ultimamente, terceiro classificado.

Isto deu a Amorim a margem de manobra necessária para manter o plantel consigo, mesmo quando o Sporting perdeu com o Lask para a Liga Europa, ficando afastado da competição. Digamos que o tema desapareceu rapidamente da agenda de todos, libertando treinador e atletas da pressão do mau resultado. Claro que, para tal, ajudou bastante a sequência seguinte de resultados, com cinco vitórias e um empate – contra o Porto, em casa -, em seis jogos. Amorim adaptou-se, deixou cair a LE e focou a sua atenção no campeonato: era aí que estava o seu grande objectivo. De objectivos bem definidos e de uma clara e real noção do caminho a fazer para os atingir, também se faz uma grande liderança.

A outra altura de adaptação de Amorim foi o mercado de Janeiro e a «novela Paulinho». Sendo um desejo do treinador – já o tinha sido no verão -, Amorim pensava que o atleta iria trazer algo de diferente ou melhor à equipa. O tema destas contratações de Janeiro é a possibilidade de ir mexer com o clima do grupo, especialmente se a equipa está a ter sucesso. Mas Amorim soube criar as condições para que isso não acontecesse em Alvalade, provavelmente mantendo a sua comunicação frontal, honesta e coerente que foi demonstrando sempre com os seus liderados. Não sei o que terá dito exactamente aos seus atletas, mas a gestão dos jogadores utilizados nos jogos seguintes faz pensar que os 11 foram também escolhidos com isto em mente. Quando se pensava que Paulinho iria substituir Tiago Tomás, aparecem os 2 a jogar, continuando a dar minutos ao jovem TT que vinha de boas exibições. Manteve toda a gente satisfeita e continuou com o grupo na mão. Mais um bom acto de gestão de recursos humanos, ou liderança.

Apesar de tudo isto, há um factor que, para mim, é determinante para a vitória do Sporting neste campeonato: a ausência de púbico nas bancadas. Quando há mais de um ano se retirou o público dos estádios, o Sporting passava por mais uma fase de contestação à sua liderança, com todo o impacto negativo que isso tem no desempenho desportivo dos jogadores, em especial os mais jovens e inexperientes. Essa pressão do público, mesmo que não directamente relacionada com os jogadores, impede que estes possam estar mais soltos e tranquilos o que, no caso dos mais irreverentes, lhes dificulta as acções de risco maior, pois coloca-os com mais medo de falhar. A ausência de público permite que o treinador aposte mais tempo e de forma mais consistente nestes jovens, dando-lhes assim mais tempo e espaço para falharem, crescerem, subirem a confiança e depois acertarem mais.

Poderá sempre alegar-se que Amorim e o Sporting ganharam por isto ou aquilo, porque os outros falharam mais ou menos, porque saíram cedo das competições europeias, porque ainda não passaram por um ciclo negativo de resultados ou a pressão do público. Sim, pode alegar-se isso tudo. Mas, a verdade é que o treinador do Sporting se adaptou melhor ao imprevisto que os seus rivais, virou o jogo a seu favor quando tudo fazia prever mais uma época na sombra dos rivais e, apesar do resultado negativo na europa, conseguiu construir uma equipa vencedora. A pergunta é: Porque será que Ruben Amorim ainda não passou por nenhum ciclo negativo de resultados? Sorte ou competência?

O Sporting não é campeão com Ruben Amorim, o Sporting é campeão por Ruben Amorim. Afinal, todas as equipas são o espelho do seu líder.