[Foto de capa: Facebook do Águia FC Vimioso]

Em Vimioso, o despertar foi às 04h00 de sábado para jogar em Montalegre às 11h00. Pela frente, quase 250 quilómetros e quatro horas de viagem, com paragem para pequeno-almoço ao ar livre. Mal se descansou.

De Viana do Castelo, o Vianense saiu de véspera para Vidago. Ir na madrugada de domingo custava mais no corpo. Mas custou na mesma: saiu mais do bolso. O mesmo ao Vitória de Sernache para jogar em Castelo Branco. Ali pernoitou forçosamente no sábado, para jogar no domingo.

O Amora, idem, com investimento e peripécia. Jogou em Lagos no domingo, fez quase 300 quilómetros para o Algarve no dia anterior. Alugou um aparthotel para a equipa por 350 euros, mas gastou quase o dobro ao alugar um autocarro para levar a equipa ao estádio de manhã e de volta para casa: o da equipa avariou na noite de sábado após o jantar e foi a reboque.

Há duas semanas, o Campeonato de Portugal (CP) parou. Este fim-de-semana, outrora vazio no calendário, teve vários jogos em atraso. Só que as restrições devido à pandemia levaram a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a mudar os jogos para as 11 horas. Isso mudou a logística dos clubes, sobretudo os que tinham deslocações maiores.

Nem todos vivem do futebol, mas também houve quem faltasse ao trabalho para ir a jogo.

«Sandes, leite e café para minimizar a situação»

Um dos casos mais custosos aconteceu para a modesta estrutura do Águia FC Vimioso, último classificado da série A. Os recursos financeiros não davam para uma dormida de véspera. Acordou tudo pelas 04h00, para arrancar às 05h00. Pelas 07h30, pararam para reforço no Parque da Cidade de Chaves.

«Foi complicado gerir. Os atletas acordaram muito cedo, não descansaram. Houve jogadores que saíram à meia-noite do trabalho e às 04h00 levantaram-se para jogar futebol. Infelizmente não conseguimos um café que nos pudesse servir um pequeno-almoço digno. No dia anterior tentarmos vários cafés na zona, mas nenhum estava aberto à hora que estaríamos lá. Optámos por levar sandes, fiambre, queijo, leite e café para minimizar a situação, uma coisa simbólica que acaba por não ser um pequeno-almoço digno de quem vai estar a correr 90 minutos. E outra situação: o Montalegre não querer trocar o jogo, não se mostraram recetivos». As palavras são de Eurico Martins, treinador do Águia. O também funcionário público e proprietário agrícola reclama atenção da FPF para clubes com menor estrutura no CP.

Equipa do Águia FC Vimioso, da série A do Campeonato de Portugal

«Acaba por ser triste para quem vive o futebol da nossa maneira – um bocado amadora. Pensam que possivelmente todas as equipas têm logística para almoçar e dormir no dia anterior, mas infelizmente existem clubes no CP que não têm essas condições», atestou.

Um dos jogadores do Vimioso que pouco foi à cama foi André Reis. Tem 25 anos e, em campo, é guarda-redes. Fora, está na linha da frente no combate à covid-19, como assistente operacional numa unidade de cuidados intensivos em Bragança. «Na sexta-feira estava a fazer o turno da tarde, das 16h00 à meia-noite. Tive de pedir ao colega que ia fazer o turno da noite para vir uma hora mais cedo do que a sua entrada prevista, para eu tentar aproveitar ao máximo mais uma hora de descanso», relata quem viveu uma viagem cansativa e a horas incomuns, para ir jogar. «Não são mais três horas e meia de descanso: não existe espaço dentro de um autocarro para esticar as pernas, para não falar do facto de a viagem ser toda feita de máscara», frisa.

No fim da goleada sofrida em Montalegre (6-0), o clube garantiu almoço em terras barrosãs, porque já tinha acordado com um restaurante local.

Das despesas indesejadas ao almoço improvisado

Com cerca de duas horas de autocarro pela frente e jogo às 11 horas, Vianense e Vitória de Sernache quiseram evitar um domingo pesado para os plantéis.

Sacrifícios por isso? Pagar jantar e dormida de sábado e o almoço de domingo: o Vianense ganhou 3-1 e todos comeram pizza à saída do Campo João de Oliveira. O Vitória de Sernache, derrotado pelo Benfica e Castelo Branco também por 3-1, alimentou-se só na volta a casa, às 15h30, esclareceu o presidente do clube, António Joaquim, ao Maisfutebol, atestando uma despesa indesejada.

Vianense, também da série A, foi um dos clubes que sentiu necessidade de viajar de véspera. E teve despesa maior por isso

«Optámos por ir sábado à tarde. Obrigou a alojamento e duas refeições, despesa extraordinária que não contávamos. Agora, também não o faríamos se não sentíssemos que não haveria capacidade. O almoço? Antecipadamente contactámos um restaurante de Vidago e foram levar a refeição no final do jogo, almoçámos ali na zona e regressámos. Foram pizzas, nada de extraordinário: a solução para que a equipa tivesse o almoço depois do esforço no jogo», constatou o vice-presidente dos minhotos, Miguel Silva, que antes do jogo fez questão que fossem pedidos esclarecimentos à PSP de Viana e também à GNR de Vidago para dissipar dúvidas de circulação.

CP: os resultados e classificações após o fim-de-semana

Almoço improvisado teve também o Mineiro Aljustrelense, a cerca de 150 quilómetros de casa, em Pinhal Novo. Jogadores de Beja e Ourique já tinham acordado pelas 06h00 para, com tempo, fazerem os cerca de 35 minutos de viagem para Aljustrel, para a equipa arrancar às 07h50 do estádio. No fim do jogo, acabaram todos a comer «sandes de carne assada», explicou o presidente, Rui Saturnino. Não dava para parar nos restaurantes habituais.

Faltar ao trabalho… e faltar o autocarro

É funcionário numa escola de Almada e joga no Amora. Tiago Feiteira, médio de 28 anos – cruzou-se com William ou Cédric na formação do Sporting – foi um dos homens que sacrificou o trabalho no sábado para jogar no domingo.

«Trabalho numa escola e a direção tem sido impecável para me ajudar, dando oportunidade de não ter de faltar aos jogos e poder ajudar o Amora. Esta semana vai ser mais um caso desses, vamos para cima na quinta-feira, para Santa Maria da Feira [jogo da Taça com o Feirense na sexta-feira]. Nem sempre é fácil, todos somos poucos, mas a escola tem sido impecável», diz quem viveu a avaria do autocarro do clube na véspera do jogo.

«Foi mais uma pedra no caminho, que nós chutámos. Chegámos a Albufeira para jantar, o autocarro parou e nunca mais arrancou. Tivemos de deslocar-nos nos carros particulares dos nossos diretores da SAD, quatro a quatro, até ao hotel. No dia a seguir, a SAD conseguiu um autocarro para deslocarmo-nos até Lagos para o jogo e para voltarmos à Amora», recordou.

Estes – e outros sacrifícios – para jogar futebol às 11 horas, de Norte a Sul de Portugal. Mas com vontade de continuar. «Esperamos não voltar a passar uma situação idêntica, porque isto mata o futebol, clubes e jogadores», diz André Reis. Tiago conclui: «acho que é importante para todos que o campeonato não volte a parar».

Tiago Feiteira, de frente (n.º 6 do Amora) foi um dos jogadores que sacrificou o trabalho para ir a jogo