Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.
Na Foz do Sousa mora um dos melhores marcadores da edição do Campeonato de Portugal, que agora findou, e que ainda procura um momento de fama, um salto para a ribalta do futebol português.
De dia trabalha numa loja de venda ao público, em Matosinhos, à noite treina para ao fim de semana festejar e ajudar o Sousense a vencer.
Eis a estória de Ângelo Oliveira.
Esta foi a sua melhor época no capítulo dos golos, embora o registo coletivo não tenha sido o desejado. Em janeiro, a equipa do concelho de Gondomar lutava por uma vaga de acesso à fase de subida, algo que não conseguiu, e até maio teve que lutar arduamente pela salvação, conseguida apenas na última jornada.
Em entrevista ao Maisfutebol, o goleador conta o que aconteceu para a quebra de qualidade e de pontos: «Acabou por ser mais difícil na segunda fase, talvez porque estávamos à espera de mais na primeira. Talvez tenha sido a frustração do grupo por não ter conseguido a vaga para disputar a subida.»
Embora reconheça a quebra da equipa, aponta defeitos ao modelo do Campeonato: «Beneficia quem fica em último. Uma equipa ficou em último com sete pontos [Académica-SF na série D] e nós fizemos 24 [na série C], ao passar para a fase de manutenção fica uma diferença muito pequena [séries cruzam e a diferença entre elas passou a ser de apenas quatro pontos]. Não é justo. Beneficia-se a competitividade e não a regularidade.»
As regras são assim e o Sousense teve mesmo de lutar pela vida até ao último sufoco.
«Perdemos duas jornadas fora mesmo no fim, em Touriz e na Pampilhosa, e com outros resultados nem era preciso a última para nada, mas foi preciso e felizmente conseguimos ganhar [ao Nogueirense].»
Ângelo marcou o golo decisivo da última jornada e foi o herói, tal como foi muitas vezes durante o ano. 23 golos divididos entre a fase regular (15) e fase de manutenção (8) ajudaram e muito a equipa da Foz do Sousa a conseguir o objetivo.
Tudo isto a jogar muitas vezes nas linhas: «Fui extremo na primeira fase e na segunda passei para avançado-centro, devido à lesão do nosso avançado, o Zé Augusto. Nessa altura passamos a jogar com dois na frente e eu era um deles.»
Para o goleador não há preferências: «Para mim tanto faz. Fiz a formação a ponta de lança, nos seniores caí para as linhas. Gosto das duas. Tento sempre estar ou aparecer na área para fazer golo, é a minha melhor característica, a eficácia.»
Esta foi a temporada mais produtiva e logo na pré-época o atacante centrou o foco num início forte. Marcou quatro golos nas quatro primeiras jornadas, embora a equipa só tenha somado dois triunfos.
«Em termos individuais foquei-me em começar bem e acabei com 15 golos a primeira fase. Em dezembro vivi um dos meus melhores períodos, houve um jogo que não esqueço com a Sanjoanense em que estávamos a perder e marquei os dois golos da reviravolta. Conseguimos os três pontos numa fase de luta pela subida, só que com a viragem do ano, em janeiro, não conseguimos ganhar nenhum jogo e deitámos tudo a perder.»
E o avançado acrescenta que tudo era mais fácil para o Sousense que para os rivais: «Teoricamente tínhamos o calendário mais fácil, estávamos na luta com a Oliveirense, Salgueiros e Sanjoanense, já tínhamos jogado com todos e eles iam jogar entre eles. Não conseguimos nenhuma vitória e deitou por terra o sonho.»
A vida dupla do goleador do Campeonato de Portugal
Apesar da quebra do Sousense, Ângelo manteve a veia goleadora mesmo tendo mudado de posição.
O jogador, de 26 anos, mostrou que continua a lutar pelo seu sonho de ser profissional. A esperança que tem é que os golos que marcou sejam chamariz para clubes de objetivos cimeiros: «Quero dar o salto, penso que a época correu bem, mas agora falta aparecer alguma coisa. Já tenho contactos da mesma divisão, mas em termos de II Liga nada de concreto, que era o que queria.»
Esse desejo fica mais complicado porque Ângelo não tem «empresário», assume.
«Não tenho empresário e penso que é muito importante ter uma pessoa que dá essa ajuda extra, para se ser falado, mas o jogador também tem que fazer por isso. Já fui abordado [por empresários], mas nunca com uma proposta que valesse a pena.»
Mas reitera: «No que depender de mim tento ser falado ao mostrar o meu trabalho e golos.»
A construção deste percurso começou no Gondomar, passou pelo FC Porto, regressou ao Gondomar e agora continua na Foz do Sousa.
«Estive no FC Porto nos infantis e um ano de iniciado. Depois saí por opção técnica, fui dispensado. Estava a jogar pouco e voltei ao Gondomar onde comecei.»
Apesar da dispensa, Ângelo partilhou balneário com alguns jovens que atualmente estão no futebol profissional: «O Zé Pedro, que esteve no Sp. Covilhã, o Paulinho, que está no Sp. Braga, o Ricardo Valente, do V. Guimarães, e o Caetano, que está no Desp. Aves e que acabou por fazer um Mundial de sub-20 em que Portugal esteve na final.»
Ângelo ainda não teve a oportunidade que os antigos colegas tiveram, mas nunca desistiu. Chegou ao futebol sénior ao serviço do Gondomar, mas a falta de jogos levou-o a mudar de ares.
«Faltou a aposta, saí dos juniores e fiquei dois anos, nos quais joguei pouco. Estava infeliz, queria era jogar. Sair foi a melhor decisão. Comecei a jogar e a marcar. Aqui no Sousense marco em média 10 golos por época, nesta superei de longe a marca.»
Neste momento Gondomar e Sousense estão lado a lado no Campeonato de Portugal e, por isso, a aposta foi certeira sendo a montra a mesma.
O carimbo dos golos ainda não chegou para o salto e o goleador teve que arranjar outra fonte de rendimento que não o futebol: «O meu objetivo sempre foi ser profissional, só que ainda não surgiu nada e uma pessoa tem que seguir. Arranjei um trabalho e digamos que tenho duas fontes de rendimento. Trabalho numa loja de venda ao público em Matosinhos e o futebol é o refúgio.»
Esta vida «dupla» não é fácil, garante.
«É difícil, saio de casa às oito horas da manhã e só chego depois das 22 horas. É tudo praticamente amador no Sousense, cada um tem o seu trabalho e depois treinámos às 20 horas. Dá tempo para um trabalho durante o dia, do qual saio às 19 horas e vou direto ao treino.»
Se a oportunidade surgir, Ângelo não vai pensar duas vezes e não duvida que se vai adaptar facilmente à II Liga.
«Como se verificou com o Praiense e Merelinense que se bateram bem no playoff com o Leixões e Ac. Viseu, não acho que haja muita diferença. Penso que a adaptação não seria difícil, é mais em termos psicológicos, de resto penso que não.»
Agora está de férias, à espera que o telefone toque e com a esperança que os golos sejam um bom cartão de entrada no mundo do profissionalismo: foram 23 festejos, o rótulo de melhor marcador da série C da fase regular, de melhor marcador da série C da zona de manutenção e apenas um jogador no total do Campeonato de Portugal fez melhor que ele, Pedro Rui do Torcatense.
É caso para dizer que há um goleador à procura de um grande palco!
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