60 anos depois do começo, a Taça das Nações Africanas (CAN) conhece mais uma etapa de um historial já de si pródigo em episódios de superação magníficos, inúmeras polémicas e jogos absolutamente memoráveis. Prova na qual se consagraram lendas do futebol africano como Salif Keita, Roger Milla, Rabah Madjer, Abedi Pelé, Rashidi Yekini, Jay-Jay Okocha, Samuel Eto´o ou Didier Drogba, a CAN parte para a 31ª edição numa configuração muito diferente da primeira, disputada em 1957. Na altura, apenas quatro equipas estavam escaladas para discutir o torneio (o organizador Sudão, o Egito, a Etiópia e a África do Sul, as quatro seleções responsáveis por fundar a Confederação Africana de Futebol), sendo que por causa do apartheid, os Bafana-Bafana não chegaram a disputar uma única partida no torneio, reduzindo a lista a três equipas.

Desde 1996 no atual formato com 16 equipas, a edição de 2017 da CAN terá lugar no Gabão, país que organiza a competição pela segunda vez (embora em 2012 o tenha feito em conjunto com a Guiné Equatorial). No entanto, esta prova até estava para ser disputada na Líbia, mas o clima de guerra civil justificou a mudança de localização por parte da CAF.

O torneio estará dividido numa primeira fase em quatro grupos, como é habitual. No Grupo A, além do organizador Gabão, estarão as seleções do Burkina Faso, Camarões e a estreante Guiné-Bissau. No Grupo B, marcarão presença a Argélia, Tunísia, Senegal e Zimbabué. A atual campeã Costa do Marfim, Marrocos, República Democrática do Congo e Togo compõem o Grupo C e o último agrupamento, o D, é constituído por Egito, Gana, Mali e Uganda.

Os favoritos e as possíveis surpresas

No Grupo A, a seleção camaronesa, quatro vezes campeã da Taça das Nações Africanas, parece ser a equipa com maiores responsabilidades, juntamente com o anfitrião Gabão. Estes últimos apresentam um histórico recente atribulado, sobretudo depois da troca de treinador operada há dois meses (entrou José Antonio Camacho para o lugar de Jorge Costa). Porém, o facto de contarem com a maior estrela atual do futebol africano (Pierre-Emerick Aubameyang) e de possuírem um meio-campo recheado de boas opções (Lemina, Ndong, Madinda…) pode habilitar a equipa da casa a sonhar com uma chegada à final.

A seleção dos Camarões, orientada pelo belga Hugo Broos, tem a responsabilidade da história mas igualmente a noção de que já não triunfa nesta prova há 15 anos e que a última final foi disputada há quase uma década. Com um grupo jovem e ausências importantes na defesa (Nyom ou Chedjou), espera-se que Aboubakar e companhia consigam desfeitear as defensivas contrárias, numa equipa que não conta com um meio-campo demasiado criativo…

De destacar neste grupo ainda a presença da única seleção de uma ex-colónia portuguesa, a surpreendente Guiné Bissau, que fará a estreia em grandes competições e ainda do Burkina Faso, de Paulo Duarte. Enquanto os guineenses (com um plantel composto por 13 jogadores a atuar em Portugal) não terão, à partida, grandes chances de apuramento para os quartos de final, a formação burquinesa procurará repetir o feito de 2013, ano em que chegou à final da CAN, tendo saído derrotada pela Nigéria. A tarefa será muito complicada, mas a experiência de jogadores como Kaboré, Alain Traoré ou Pitroipa e a irreverência dos jovens Bertrand Traoré e Diawara poderá ajudar o treinador português na execução dos seus objetivos.

O Grupo B possui três «gigantes» do futebol africano e uma seleção «outsider». A Argélia parece ser a favorita a seguir em frente na primeira posição e uma das favoritas a levantar o título no final da competição. Orientados pelo mítico treinador belga Georges Leekens, os argelinos possuem um dos plantéis mais competitivos da CAN, contando com um «português» (Brahimi) e dois velhos conhecidos do nosso campeonato (Slimani e Soudani). Além destes, contar com jogadores que são uma mais-valia em termos técnicos como Mahrez, Bentaleb ou Ghezzal pode catapultar a equipa magrebina para patamares de excelência futebolística difíceis de alcançar para outras formações…

As outras duas seleções de destaque neste grupo são o Senegal e a Tunísia, embora apenas esta última some um título da CAN (2004). Os senegaleses apresentam um dos selecionados mais atraentes da prova, reunindo um sem-número de jogadores com experiência nos principais campeonatos do futebol europeu. A linha intermediária constituída por Kouyaté, Idrissa Gueye e Diamé impõe respeito, bem como a poderosa dupla de centrais (Kara Mbodji-Koulibaly) e o virtuoso trio de ataque, liderado pelo craque do Liverpool, Sadio Mané. Por outro lado, os tunisinos, sem tantos nomes badalados como a Argélia ou o Senegal, possuem um bloco sólido, orientado pelo veterano técnico polaco Henryk Kaspeczak. Defensivamente, formam uma das equipas mais consistentes (com o valencianista Abdennour à cabeça) e depois têm jogadores com qualidade suficiente para criar desequilíbrio na contra-ofensiva (Khazri, Msakni, Sliti, Lahmar ou Khenissi).

O Zimbabué é uma das grandes novidades deste torneio, somando a terceira presença na prova-rainha de seleções em África (primeira desde 2006). Longe de possuírem o nível individual e coletivo dos restantes constituintes do grupo, bem como a mesma experiência competitiva, os Warriors, como são conhecidos no meio futebolístico, fizeram uma bela fase de apuramento e têm nos avançados Khama Billiat e Knowledge Musona as principais fontes de perigo e luzes de esperança para uma chegada aos quartos de final (algo que seria inédito).

No Grupo C, a campeã Costa do Marfim carrega às costas o estatuto de «favorita», apesar de a tarefa não se prever assim tão fácil. Orientados atualmente pelo treinador francês Michel Dussuyer, os «elefantes» chegam à CAN reforçados com uma das estrelas emergentes da Premier League, Wilfried Zaha, que optou por representar os marfinenses quando até dispunha de boas hipóteses de se tornar internacional pela Inglaterra. Além de Zaha, outros destaques da temporada a nível europeu estão presentes na convocatória (Seri, Kessié, Kalou ou Pépé). Taticamente completos, com uma defesa bem trabalhada e um ataque que mescla potência, força e virtuosismo, não restam dúvidas de que a Costa do Marfim tem toda a legitimidade para aspirar ao bicampeonato.

De resto, a seleção marroquina, orientada por um vencedor de duas das últimas três edições da CAN (Hervé Renard), parece ser, em teoria, a adversária mais perigosa da seleção marfinense, apesar das ausências de jogadores relevantes como Belhanda, Amrabat, Boufal ou Tannane. Nabil Dirar, Mehdi Benatia e El-Arabi são as estrelas da companhia no sexagenário do maior torneio do futebol africano.

Depois, surgem as seleções da República Democrática do Congo e do Togo, em busca de surpreender as teóricas favoritas à qualificação para a fase seguinte da prova. Os congoleses, campeões em 1968 e terceiros classificados na última edição, identificam-se pelo futebol de raíz africana, com um toque de rigor tático transportado pelos jogadores a atuar na Europa. Ofensivamente, são uma equipa potente e mesmo a nível defensivo possuem competências suficientes para sonhar com uma boa prestação. Já a equipa togolesa, orientada pelo «veterano de guerra» Claude Le Roy e que conta com o regresso do veterano Kossi Agassa e com a «estrela» Emmanuel Adebayor, busca pelo menos igualar o percurso de há quatro anos, quando atingiu os quartos de final. Espera-se uma contenda árdua para uma equipa instável e sem a rotina de jogos oficiais recente de outras seleções (os togoleses não conseguiram o apuramento para a fase final da qualificação africana para o Mundial).

Finalmente, o Grupo D reúne três seleções que se encontram, curiosamente, no mesmo agrupamento de qualificação para o Campeonato do Mundo da Rússia: Egito, Gana e Uganda. O fator diferencial aqui é o Mali, que tem tido um arranque de apuramento para o Mundial sofrível.

Sete vezes campeão da CAN, o Egito é um sério aspirante a batalhar pelo título, mesmo tendo em conta que já não marca presença nesta competição desde 2010 (ano no qual fechou uma série inesquecível de três títulos consecutivos). Com o bracarense Hassan e Mohamed Salah como principais referências do ataque, a seleção faraónica, agora orientada pelo argentino Héctor Cúper, tenta manter no Gabão a boa forma demonstrada nos recentes encontros da qualificação mundialista. Não será fácil vencer o grupo, mas a comitiva egípcia tem o objetivo claro de chegar à final de 5 de fevereiro. Para isso, conta com a solidez defensiva e o rigor tático do costume, bem como a inspiração dos vários atacantes talentosos de que dispõe.

Gana e Mali serão dois contendores sérios aos poderosos egípcios. Os Black Stars chegam com algumas dúvidas, na sequência da derrota recente precisamente frente ao Egito, mas Avraam Grant escolheu um grupo respeitado de jogadores, alguns com experiência longa na seleção e outros a despontar no Velho Continente. Essa combinação pode resultar, sempre com a certeza de que sem a contribuição excelsa dos irmãos Ayew, do «velhinho» Asamoah Gyan e do ex-portista Christian Atsu será complicado os ganeses brilharem em solo gabonês. Em contrapartida, a seleção maliana, orientada pelo lendário Alain Giresse, não possui o estatuto das duas maiores candidatas, mas promete ser um obstáculo duro de transpor na luta por um lugar ao sol. Moussa Marega é uma das grandes referências de uma seleção que pode revelar ao mundo algumas promessas bem interessantes (Adama Traoré, Lassama Coulibaly, Moussa Doumbia ou o guardião Djigui Diarra).

Resta o Uganda. Seleção pouco reputada, embora já com uma presença numa final (1978), vai tentar provocar o escândalo num grupo recheado de seleções de topo. Treinados pelo sérvio Milutin Sredojević, os «Cranes» comportam-se em campo como a típica equipa com menos recursos, demonstrando uma boa organização defensiva, solidariedade entre todos os elementos e alguns recursos nas contraofensivas. Veremos como se irão bater nesta CAN, mas se repetirem as prestações recentes no apuramento para o Mundial (com empate frente ao Gana incluído!), podem muito bem surpreender!

As estrelas emergentes dos favoritos

Entre as principais seleções da CAN, estarão presentes jogadores que podem aproveitar a prova como rampa de lançamento para uma grande carreira internacional ou outros que se têm vindo a destacar desde o início da época e que procuram confirmar o estatuto ganho nos últimos meses a nível de seleções.

No grupo A, os olhares estarão colocados sobre a dupla Mario Lemina-Didier Ndong, do Gabão. Figuras em potência da seleção gabonesa nos próximos anos, estes dois jogadores aliam critério na saída de bola à manutenção do equilíbrio defensivo no meio-campo. Ambos já atuam em duas grandes ligas (Lemina está na Juventus, Ndong transferiu-se na presente temporada para o Sunderland). Atenção ainda ao despontar de algumas jovens estrelas na seleção camaronesa, como por exemplo o guarda-redes Fabrice Ondoa (Ajax) e os atacantes Clinton N´Jie eChristian Bassogog.

Nas seleções do grupo B, reúnem-se também alguns jogadores que geram bastante frenesim entre os scouts dos principais clubes europeus. Por exemplo, na Argélia o competente central Ramy Bensabaini (Rennes) e os criteriosos médios Nabil Bentaleb (Schalke 04) e Mehdi Abeid (Dijon) têm boas possibilidades de assegurar um lugar na equipa titular de Leekens durante a competição, como prémio às grandes temporadas que têm vindo a realizar. Na Tunísia, o médio Ferjani Sassi (Espérance de Tunis) pode garantir o salto para um campeonato do Velho Continente e na equipa do Senegal, há que seguir de perto os craques Sadio Mané Keita Baldé, para não falar igualmente das alternativas Ismaïla Sarr (extremo rápido e incisivo do Metz) e Moussa Konaté (gigante do ataque do Sion que tem vindo a jogar com regularidade no apuramento para o Mundial).

Na Costa do Marfim, por exemplo, a expectativa é grande para ver o aproveitamento de Wilfried Zaha, extremo do Crystal Palace e que decidiu optar por representar os africanos, ao invés de prosseguir o trajeto na seleção inglesa. Extremo veloz e virtuoso no um-para-um, costuma aparecer com muito critério em zona de finalização e destaca-se sobretudo por ser um ótimo assistente. Na equipa orientada por Michel Dussuyer, há ainda a possibilidade de vermos o box-to-box Franck Kessié, uma das revelações da Série A na presente temporada, além do central/lateral Wilfried Kanon e do veloz extremo Nicolas Pépé.

Ainda no grupo C, há que destacar dois nomes na seleção marroquina: o médio Youssef Aït Bennasser, jogador taticamente sagaz e com capacidade de aparecer em zona de remate, já recrutado pelo Mónaco e o atacante do Málaga, Youssef En-Nesyri.

A finalizar, no grupo D, com três potenciais candidatos a chegar longe na CAN, há vários nomes a apontar. No Egito, o lateral-direito Omar Gaber e os criativos Trézéguet Ramadan Sobhi prometem bons momentos em território gabonês. Na seleção do Gana, surge outro trio de jovens prontos a agarrar a titularidade: Abdul Baba Rahman,Daniel Amartey Thomas Partey. O primeiro é já um dos melhores laterais-esquerdos da Bundesliga (encontra-se no Schalke, emprestado pelo Chelsea), o segundo tem crescido no meio-campo do Leicester (embora deva jogar como central na seleção) e o último é considerado uma das grandes pérolas do Atlético de Simeone. Há ainda que sublinhar os talentos que vão despontando no Mali, tais como Lassana Coulibaly (referência do meio-campo do Bastia, aos 20 anos), o talentoso Adama Traoré (Mónaco) e o versátil médio Moussa Doumbia, a desenvolver-se no Rostov.

Jogos da primeira jornada da CAN:

Grupo A:

Gabão-Guiné Bissau (sábado, 16 horas)

Burkina Faso-Camarões (sábado, 19 horas)

Grupo B:

Argélia-Zimbabué (domingo, 16 horas)

Tunísia-Senegal (domingo, 19 horas)

Grupo C:

Costa do Marfim-Togo (segunda-feira, 16 horas)

RD Congo-Marrocos (segunda-feira, 19 horas)

Grupo D:

Gana-Uganda (terça-feira, 16 horas)

Mali-Egito (terça-feira, 19 horas)