Carlos Borges, já ouviu falar? É melhor que vá memorizando este nome.

O português já foi chamado por Pep Guardiola aos treinos da equipa principal do Man. City, sagrou-se, entretanto, campeão da Premier League 2 e foi esta terça-feira eleito o melhor jogador da competição: uma espécie de Liga Revelação de Inglaterra.

Tudo se combina, portanto, para Carlos Borges se tornar uma estrela emergente do futebol.

Ele que, não sendo um ponta de lança, se consagrou também como melhor marcador da Premier League 2: fez um total de 21 golos, aos quais somou mais dez assistências.

«Foi considerado o melhor jogador da Premier League 2 porque tem feito muito para isso. Quem vê agora o Carlos não imagina os sacrifícios que ele e a família fizeram ao longo dos anos. Isto dá-me um orgulho tremendo», conta ao Maisfutebol o pai, também Carlos Borges.

O pai lembra que veio para Portugal muito novo, com 16 anos, e que dois anos depois conheceu a mulher. Viveram na Póvoa de Santo Adrião, depois em Casal de Mira, às portas da Amadora, e em 2003 mudaram-se para a Serra de Minas, em Rio de Mouro, naquela que ainda é a casa da família em Portugal.

Carlos Fortes, que tem uma irmã mais velha, nasceu um ano depois, em 2004, no Hospital Amadora-Sintra. Cresceu a jogar futsal no bairro e juntou-se aos amigos no Núcleo de Atividades Desportivas do Concelho Sintra. Até que um dia a coisa se tornou séria.

«Ele jogava futsal na Serra das Minas com os colegas e já se destacava nos jogos de bairro, ao fim de semana. Um dia um senhor chamado Vasco, olheiro do Sporting, foi lá ver um jogador, mas perdeu interesse nesse jogador e fixou-se no Carlos», revela o pai.

«Não queria outra coisa se não levar o Carlos para o Sporting. Telefonou-me logo nesse dia, foi a minha casa, falámos durante quinze minutos e tratámos da ida dele. Esteve um ano no Estádio Universitário, eu levava-o e ia buscá-lo, ou alguém do Sporting o trazia de volta a casa.»

O próprio Carlos Borges confessou ao podcast The locker room como tudo aconteceu.

«Foi engraçado. Ele ia ver outro jogador, mas depois viu-me e disse: Eu quero-o a ele. E apontou para mim. Depois telefonou ao meu pai e foi a minha casa. Na altura fiquei contente, mas nada de especial. Ah, ok. Fixe. O meu pai estava mais nervoso do que eu. Na escola foi diferente, porque os meus colegas eram tão bons quanto eu e todos queriam estar no meu lugar. Mas nada mudou na minha vida.»

A mãe emigrou primeiro, a família seguiu-a depois e Carlos Borges teve de ir... muito contrariado

Até porque durou muito pouco. Cerca de um ano depois, Carlos Borges viajou para Inglaterra e abandonou de vez a ilusão de jogar num grande em Portugal.

«A mãe do Carlos emigrou primeiro. Surgiu a hipótese de ela vir tentar a sorte e viajou sozinha, mas passados seis meses viemos nós: eu, o Carlos e a irmã. Fomos viver para Leeds.»

Na entrevista ao mesmo podcast, Carlos Borges confessa que viajou para Inglaterra muito contrariado. Tinha apenas nove anos na altura, mas as ideias muito claras e deixar o país onde nascera, onde tinha todos os amigos e onde estava integrado não lhe agradava mesmo nada.

«Para ser honesto, não gostei da ideia e não queria vir. Estava num clube grande e não queria mudar de país. Até porque não falava inglês. Lembro-me que no aeroporto uma senhora virou-se para mim e disse: Está calor Eu perguntei à minha irmã o que ela tinha dito.»

Entretanto em Inglatera, Carlos Borges continuou a alimentar a paixão pelo futebol. Foi por isso que insistiu com os pais para jogar num clube, até porque a experiência nas escolinhas do Sporting haveria de servir para alguma coisa.

«Falei com um colega meu, que nos orientou para um treino de captações num campo do Manchester City que havia lá em Leeds. Ele treinou durante vinte minutos e foi suficiente. Veio então um senhor falar connosco a dizer que havia vaga para ele em Manchester.»

Seis anos loucos a fazer Leeds-Manchester-Leeds quase todos os dias

Nessa altura começou a loucura. De Leeds a Manchester são cerca de 70 quilómetros e uma hora de viagem, um pouco mais nas horas de mais trânsito. O pai Carlos Borges não deixou que isso fosse um obstáculo no caminho do filho e fez-se ao asfalto da estrada.

«Isso dá-me um orgulho tremendo. Seis anos a fazer Leeds-Manchester-Leeds, cinco ou seis vezes por semana. Como pai, sei o que passei para o Carlos estar onde está. Não foram tudo favas contadas. E sei que sacrifícios o Carlos fez para chegar onde está agora. Ele estudava, entrava às 9 e saía às 15, eu ia buscá-lo logo a essa hora, tínhamos meia hora para comer qualquer coisa rápida e arrancávamos para Manchester. Tínhamos de chegar antes do treino, que era às 18 horas. Acabava por volta das 20 e mais uma hora e tal de regresso a casa. O rapaz não tinha folgas e mesmo assim foi considerado o melhor jogador dessa equipa.»

Carlos Borges terminou o ensino secundário e foi sempre brilhando nas camadas jovens do Manchester City. Tudo indicava que o miúdo era uma das maiores promessas do clube, mas os pais não quiseram mudar esta rotina até ter alguma segurança sobre o futuro do jovem.

«Queríamos ter a certeza que ele ia receber um contrato do Man. City, não queríamos que ele saísse de casa e depois ficasse sem nada. Por isso só quando ele assinou contrato de formação, com opção por mais dos anos como profissional, é que isto mudou. Primeiro esteve cerca de um ano e meio, quase dois, numa família de acolhimento, com a escola paga pelo Manchester City», conta o pai.

«Ainda falámos com o clube, porque o dinheiro que pagava à família de acolhimento podia ser utilizado para arrendarmos uma casa, o que permitia ao Carlos estar com a família dele, em vez de estar com desconhecidos. Mas responderam que isso podia ser mal entendido e que não iam abrir exceções. Então um ano e meio depois arranjámos a nossa casa em Manchester e juntámos a família toda outra vez aqui. Foi uma história muito difícil, desde Lisboa, vir para Leeds e chegar a Manchester. Mas é assim a vida de um jogador.»

Curiosamente hoje a família está outra vez separada: a irmã está a estudar medicina em Londres e, portanto, teve de sair de casa.

«Na noite antes de me estrear por Portugal não consegui dormir»

Já Carlos Borges só sai de casa nas viagens para jogar fora ou quando é chamado à Seleção Sub-19, ele que tem um trajeto nas equipas nacionais jovens desde os sub-16. Na entrevista ao mesmo podcast em Inglaterra, confessa até que jogar por Portugal é sempre uma felicidade.

«Foi um dos melhores momentos na minha vida. Representar o teu país é dos melhores sentimentos de sempre. Lembro-me que na noite anterior não consegui dormir», frisou.

«E esse sentimento continua hoje, Portugal nunca está cem por cento garantido. Tenho de trabalhar sempre para merecer ser chamado. Também podia jogar pela Guiné-Bissau, mas foi Portugal que esteve sempre na minha cabeça.»

Os piores tempos para a família já parecem ser parte do passado, de resto. Carlos Borges está lançado: é um extremo esquerdo que joga com o pé canhoto, rápido, direto e muito pragmático.

O que gosta mais é de marcar golos, mas ressalva que festeja da mesma forma quando faz uma assistência: até porque, sendo um extremo, tem a noção que o que se lhe pede são sobretudo passes decisivos. Esta época foram onze assistências, mais 25 golos, em 27 jogos.

Ora um desses golos, curiosamente, aconteceu frente ao Manchester United e criou polémica. Isto porque Carlos Borges celebrou-o imitando o festejo de Cristiano Ronaldo, quando o português ainda jogava em Old Trafford, o que muita gente acreditou que fosse provocação.

«Cristiano Ronaldo é o meu ídolo. É a pessoa para quem olho no futebol, para me inspirar. Fiz a celebração que ele inventou e tornou-se viral, imaginava que isso pudesse acontecer, mas não quis saber. Toda a gente tem as suas opiniões, mas a minha é que me interessa.»

Quem conhece Carlos Borges, aliás, diz que o quarto dele se assemelha a um santuário a Cristiano Ronaldo: cheio de posters e fotografias. O que se calhar explica que seja também totalmente focado no treino e que trabalhe o desenvolvimento de uma mentalidade forte.

Para além disso, o extremo do Man. City confessou que toma duas vezes pequeno-almoço, uma quando acorda, por volta das 8 horas, e outra às 9 quando chega ao clube, que o prato preferido é bacalhau com natas, que o estilo de música favorito é Kizomba e o cantor é Edgar Domingos, e que a série que levava para uma ilha deserta seria Prison Break.

Refira-se, por fim, que também confessou que mesmo quando jogava no Sporting, não torcia pelo Sporting.

«Sempre apoiei o Benfica. Naquela altura gostava muito do Luisão, por ser um líder, e do Cardozo, por ser um ponta de lança de topo. Se gostava de jogar no Benfica nesta altura? Nesta altura o meu clube de sonho é o Manchester City. Mas gostava de um dia me retirar no Benfica.»

Quem sabe, um dia.