14 de Abril de 2005: Sporting-Newcastle, 4-1

O Sporting está doente e a coisa não vai lá com uma aspirina. Era uma constipação, passou a gripe e terminou em pneumonia. Os jogadores tossem, os adeptos espirram, os resultados mingam e o futuro é uma enorme dor de cabeça.

O Sporting está doente e eu acredito que a cura possa estar na memória. Não na memória daquilo que grande parte dos sportinguistas gostavam que ainda fosse o Sporting. O clube eclético, os cinco violinos, o tetra-campeonato, os 7-1 ao maior rival. Esqueçam isso. A cura para o Sporting está numa memória mais recente, num Sporting nem sempre recordado para os melhores motivos.

Depois de pesquisar (sim, eu ainda perco algum tempo com isto...) descobri a solução. Eureka! A cura para o Sporting é o Sporting-Newcastle, de 2005.

90 minutos condensados em forma de medicamento. Um jogo que serve de lição e que deveria passar em loop nos corredores de Alvalade. Se alguma vez, no século XXI, o Sporting foi aquilo que eu aprendi ser o Sporting foi ali. Precisamente ali, vincaria José Hermano Saraiva.

A cura tem de ser isolada naquele jogo. Estão lá todos os condimentos. Ninguém cresce sem passar por maus momentos, por exemplo. O sofrimento faz parte. O golo de Kieron Dyer é a prova disso mesmo. 0-1, o caso ficava bicudo. Como agora. Ponto um, não é? Venham os outros.

Sorte. É essencial. Em dez cruzamentos, nove podem acabar na bancada. Mas um irá parar à cabeça do Niculae, depois de tabelar na do Brumble, e morrer no fundo da baliza.

Oportunismo. Muitas vezes as oportunidades existem e o Sporting nem sabe. É preciso estar no momento certo, na hora certa. O que, lá está, está ligado ao ponto anterior. O Sá Pinto sabia disso mesmo quando desviou a bola largada pelo Shay Given para o 2-1.

Formação. É o esteio, a pedra angular. Está no ADN e não pode ser desbaratada. O Beto nunca precisou ser brilhante para ser melhor do que qualquer um dos centrais de agora. E deu jeito para fazer o 3-1.

Querer. O ponto chave. A cereja no topo do bolo. Sem querer não há nada. Sem superação não há milagres. Rochemback recuperou uma bola, ganhou em velocidade e marcou. A isto eu chamo querer. Isto é determinação. Aliás, julgo ser a primeira vez que uma frase tem a palavra «Rochemback» e «velocidade» e não em sentido negativo.

Cinco pontos, ordem aleatória. Todos importantes, todos decisivos. Só juntos trazem a cura.

A receita é esta e não vejo contra-indicações. O estado atual não permite grandes temores. É hora de arriscar e este medicamento pode ajudar. Transformem aqueles 90 minutos em xarope, ampola ou comprimido. Supositório, seja. Uma lavagem cerebral ao estilo kubrickiano. Injetem na veia da equipa o espírito daquele 14 de abril. Façam-na reagir. Se demorar pode ser tarde. Aí só mesmo com o desfibrilhador.

«Cartão de Memória» é um espaço de opinião/recordação acerca dos mais míticos jogos do século XXI, o tempo de existência do Maisfutebol. A ordem dos jogos reflete apenas a vontade do autor. Pode sugerir-lhe outros momentos através do Twitter.