9 de Março de 2004: Man. Utd-F.C. Porto, 1-1

Caro leitor, permita-me a ousadia mas hoje vou falar diretamente consigo.

Gosta de ler? Alguma vez parou um livro que estava a devorar a vinte páginas do final, ficando a imaginar como seria o desenlace? E se não gosta, com certeza, não descurará um bom filme, não é? E em alguma ocasião optou por deixar o cinema antes do fim de uma película emocionante, preferindo perguntar, mais tarde, a quem lá ficou como tudo terminou?

Acredito que a resposta seja negativa em ambos os casos. Se é algo bom, é para levar até ao fim, não é? Ok...

Então porque sai do estádio antes de o jogo acabar?

Quando vejo pessoas mais preocupadas com a fuga ao trânsito do que com o espetáculo da bola, apenas desejo uma coisa: que apareça o Costinha. Já não vou ao ponto de pedir um City-Queens Park Rangers outra vez. Não sou assim tão mau. Mas um Costinha não fazia mal nenhum. Era para aprenderem!

Um Costinha que faça toda aquela gente que acha que os últimos cinco minutos não merecem o mesmo respeito dos outros 85 amargurar-se no conforto da viatura a caminho de casa. Enquanto os outros milhares, se calhar ao frio ou à chuva, vivem um momento para mais tarde recordar.

Porque Costinha é um case-study. Consta que nasceu no preciso dia em que terminavam os nove meses de gravidez. E à hora exata. Em bebé o pediatra disse à mãe para não se preocupar, que era normal só começar a andar a partir do primeiro ano de idade. E quando os doze meses se completaram, Costinha levantou-se e nunca mais caiu.

Na escola entregava os testes, virava costas e dava o toque de saída. E tinha a melhor nota. Chegava a casa com o jantar a ser servido, ligava a televisão com o genérico do telejornal mesmo a terminar e nunca entrava no chuveiro com a água ainda fria.

Costinha não chegava cedo a lado nenhum. Mas também nunca chegava tarde.

E quem segue o futebol sabe que deu a Portugal duas amostras daquilo que é capaz.

Primeiro, o ensaio geral, na Holanda. O último suspiro do Portugal-Roménia do Euro 2000 foi de Costinha. E deu o apuramento.

Depois o grande espetáculo, em Manchester.

Aquele 1-1 em Old Trafford é, ainda hoje, o maior empate da história do F.C. Porto. Foi como uma goleada sem a aquela parte de meter muitas bolas na outra baliza. Foi o ponto de exclamação, o caps lock e a catapulta definitiva para o sucesso que poucos esperavam. Foi quase a final, ali, nos oitavos.

Alguém sabe quem marcou o golo dos ingleses? Certamente poucos se lembrarão que foi Jankauskas a ganhar aquela falta. Muitos recordarão que foi McCarthy que marcou o livre. Ninguém se esquece que foi Costinha a fazer o golo.

Como também ninguém esquece a corrida louca de Mourinho e a perseguição de Maniche e dos restantes ao homem dos golos sobre a hora, provavelmente para perguntar como é que ele faz aquilo.

As memórias variam de mente para mente, mas ninguém tem dúvidas que foi ali que o F.C. Porto ganhou aquela Champions.

É por isso que eu, desde aquela noite de Manchester, quando chego a horas a qualquer lado nunca digo que foi pontualidade britânica. Foi pontualidade Costinha.

«Cartão de Memória» é um espaço de opinião/recordação acerca dos mais míticos jogos internacionais do futebol português do século XXI, o tempo de existência do Maisfutebol. A ordem dos jogos reflete apenas a vontade do autor. Pode sugerir-lhe outros momentos através do Twitter.