6 de Novembro de 2007: F.C. Porto-Marselha, 2-1

Não sou ateu. Sei que está na moda, mas enquanto não for obrigatório prefiro manter a minha devoção moderada. É grátis, não aleija e faz-me companhia. Sou assim porque já vi algumas coisas do arco da velha. Nem preciso, aliás, deixar este mundo da bola para encontrar três fenómenos sem aparente explicação científica.

1. Secretário no Real Madrid.

2. Grécia campeã da Europa.

3. Aquele golo do Tarik.

É deste último que quero falar.

Tarik Setkioui é um dos poucos jogadores que têm um golo só para si. Explicando-me. Por muito que tenha feito mais, uns melhores outros piores, sempre que alguém diz «aquele golo do Tarik», a cabeça de todos vai para o mesmo sítio. Isso não funciona com o Ronaldo, com o Messi e nem sequer com o Maradona.

F.C. Porto-Marselha, lá está. Aquela entrada a negrito no início do texto era escusada. «Aquele golo do Tarik» só pode mesmo ser esse. Quando o avançado pegou na bola no meio campo, deixou para trás uns poucos de franceses e meteu-a na baliza. Está a ver? Pois. Eu não.

Ou melhor, não vi. Para tornar ainda mais mágico o momento em que o Tarik fez o golo da carreira, no preciso segundo em que ele deixa para trás os dois últimos defesas e fica na cara de Mandanda...kaput. Foi-se a luz no café onde eu assistia ao jogo.

Tarik estava a um palmo da glória e eu não via um palmo à minha frente. A luz voltou em segundos, mas já não havia nada a fazer. Estava arruinado (e eternizado) todo o instante. O ponto alto de uma carreira desviado dos meus olhos por causa de um problema qualquer na EDP. E ainda não era Made in China.

Eu não vi, mas milhares viram e milhões viriam a ver. Era o epicentro daquilo que ficou conhecido como a revolução Tarik. A conclusão suprema do processo de «desflopização» do marroquino. Algo que muitos tentam, mas poucos conseguem.

Diz-se que não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira impressão, mas a verdade é que lembrar Tarik Sektioui é, quase sempre, recordar a sua segunda temporada no F.C. Porto, a tal «daquele golo».

É verdade que tinha chegado no ano anterior. Foi, aliás, a contratação mais acertada de entre as que Co Adriaanse indicou. O facto de a outra ser Fatih Sonkaya ajuda, admito. Em 2006, Tarik foi o Venegoor of Hesselink possível. Não chegou para satisfazer o treinador que pouco depois saiu. Tarik ficou desamparado, fez meia dúzia de jogos e foi embora.

Era um flop, ninguém tinha dúvidas. Fazer outra pré-temporada? Para quê? Perda de tempo, vaticinou-se. Mas ele voltou. E veio decidido.

Fartou-se de estar sentado entre Lucas Mareque e Victor Quintana, enquanto Walter Paz contava anedotas. Não quis ser lembrado com um sorriso trocista pelos adeptos do F.C. Porto. Rejeitou transformar-se em arma de arremesso para os adeptos rivais. Quis ser mais.

Apareceu, mostrou serviço, ganhou o lugar. Jogava e saía. Muitas vezes antes de todos os outros. Quase sempre para entrar Mariano González. E ia marcando. E falhando. Desesperando e sorrindo. Ia, em suma, vivendo de azul a branco vestido.

E salvou-se. «Deflopizou-se».

Não é um «Nevermind», será um «In Utero». Não é um «Fight Club», é mais um «Panic Room». Não é a história, mas fica nela. Como um «one hit wonder», por ventura. Um «Tainted Love» dos Soft Cell. Mas, como eles, ninguém pode dizer que não teve mérito.

Deixou de ser um flop e gritou «Faça-se luz». Pena não ter chegado a tempo àquele café.

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