Há duas coisas no futebol que me fazem uma certa confusão. A primeira são os apelidos dos árbitros em Portugal. E sobre isso, admito, pouco posso fazer. A segunda é a ideia de que um clube é para toda a vida. E aqui vou tentar deixar a minha dedada.

O clube é, sem qualquer dúvida, a recordação mais vincada que todos trazem da infância. Em alguns casos até a única. Por isso, é também a escolha mais importante.

O período em que respondemos a questões com «por que sim» ou «por que não» é o mesmo onde há a mais dura das responsabilidades. Uma decisão irrevogável, no sentido não pauloportiano da palavra.

Muda-se de roupa, muda-se de partido, muda-se de nome, muda-se de marido ou mulher, até de sexo. Mas de clube, diz a sabedoria popular, não se muda nunca. É para toda a vida. É uma tatuagem no cérebro, quase sempre feita por outros, que não sai nem com laser.

Na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza. Aguenta-se tudo. Uma goleada, uma vergonha, uma humilhação. Um escândalo em Londres, Vigo ou Munique. Aguenta-se a agonia, engole-se o orgulho e espera-se por dias melhores.

O clube, no fundo, é o que uma esposa pensa que vai ser quando sobe ao altar. O companheiro de todas as horas, o cúmplice nos momentos tristes, o parceiro certo para as noites de folia. Ele sim, para sempre. Por que tem de ser. E, muitas vezes, por nada mais.

Mas por que não mudar? Com tantas opções, por que não aproveitar só o que há de bom em cada um? Por que não sair do armário?

A receita é simples: escolher o momento certo. A gota de água. E medir bem as palavras. Encarem aquele símbolo com os olhos. Uma relação assim não se termina por mensagem.

Digam que o problema não é dele, é vosso. Que vai aparecer alguém melhor. Frisem que não o querem fazer sofrer. Assumam que não merecem uma instituição tão grande. Expliquem que precisam de um tempo para pensar e, muito importante, digam sempre que não queriam que tudo acabasse assim.

Mas tem de ser. Costas voltadas.

Depois? Começa a fase dura. O vosso ex-clube vai continuar a ter gente a rodeá-lo. Há alturas, provavelmente, em que vão bater as saudades. Vão vê-lo num ecrã, lembrar o cheiro da relva, ouvir os tambores, recordar o passado. Vai parecer-vos mais sensual que nunca.

Mas estão numa missão! Concentração. Mostrem que são superiores.

Evitem cair no deboche. O exagero. Liga holandesa. Golos e mais golos. Muita festa. Será apenas futebol sem sentido. Não vos vai preencher o vazio, só satisfaz os desejos mundanos. Mas também não sejam melancólicos. Liga italiana. Catenaccio. Muita tática, pouca emoção.

Ponderem, olhem à vossa volta e irão reparar no que, muitas vezes, esteve sempre à frente dos vossos olhos. Arrisquem, metam conversa, vão a um encontro. Um jogo, dois. Gostaram?

Estão convertidos. A tatuagem no cérebro saiu e estão livres para voltar a amar um clube. Outro clube. Um dia vão ter seguidores.

PS- Se no final de lerem o texto pensaram que isto até faz sentido, o meu conselho é simples: procurem um médico da bola. Vocês não são adeptos de verdade.

Cartão de Memória» é um espaço de opinião/recordação que se debruça sobre jogos, equipas, personagens ou momentos que fizeram a história do futebol português e internacional, sobretudo no sec XXI. Pode questionar o autor através do Twitter.