4 de Julho de 2004: Portugal-Grécia, 0-1
As vitórias morais têm um prazo de validade semelhante ao de um iorgurte. Basta passar um tempo sem pensar nele que, quando se vai ver, já lá vai a data há muito. Para mim,saber que não se ganhou mas podia ter-se ganho é um sentimento muito forte no dia do jogo e no dia seguinte. Na semana a seguir já começo a encontrar um ou outro defeito. Passando um mês já aponto críticas. Passado um ano já questiono tudo e constato o óbvio: uma vitoria moral vale zero.
Vem isto a propósito da prestação portuguesa no Euro 2012. Ainda estou na fase de júbilo. Excelente prestação, tendo em conta as limitações evidentes no plantel português. Tenho a certeza que em menos de um ano lembrarei o torneio para perceber como foi possível deixar a Espanha ganhar nos penalties.
«Como foi possível» é, de resto, uma boa questão nisto das vitórias morais. Porque é como elas: não resolve nada. Também assim foi no Euro 2004, o maior «como foi possível?» da história do futebol português.
Oito anos depois, estou convencido que o problema esteve nos genes.
Somos o país do fado. Mais: somos o país do fado e gostamos. Somos pessimistas. Tristes, muitas vezes. Mascaramos tudo isto com as tradições que importamos, escondemos o lado depressivo no que conseguimos arranjar e temos o futebol para mostrar que podemos ser bons nalguma coisa. Mas sem exageros.
Por isso, o ponto alto do futebol português é uma derrota na final. Custa, mas faz sentido.
Quando me esqueço daquilo que somos e procuro uma outra resposta, gosto de atirar as culpas para as promotoras discográficas. Alguém se esqueceu de traduzir a música da Nelly Furtado para grego.
A tal «força que ninguém pode parar» não tinha alfas nem betas. Eles não estavam preparados para o final feliz que 10 milhões sonharam. Não sabiam que era suposto tudo terminar pintado a vermelho e verde. São capazes de ter visto uma ou outra bandeira à janela, mas não perceberam que aquele dia era para ser nosso.
Porque o resto estava no sítio. Era a Luz de outras glórias, a Luz dos campeões do mundo de 90, a Luz do Portugal-Irlanda, a Luz do Portugal-Inglaterra nem quinze dias antes.
Pareciam os jogadores certos. Muitos, como Deco ou Maniche, com o peito cheio pelo título europeu ganho no F.C. Porto. Outros, como Figo ou Rui Costa, com a moral em alta para fechar com chave dourada uma carreira brilhante. Alguns, como Ronaldo, com a rebeldia dos jovens. E Miguel ou Ricardo, com um percurso na prova que falava por si.
Era o treinador da moda. O «sargentão», campeão do mundo, que trocou o Brasil de Ronaldo e Rivaldo por um Portugal em cacos no pós-Coreia.
A senhora do Caravaggio estava do nosso lado e até o rival parecia a jeito. Por aqueles dias a Grécia era a equipa do Fyssas e de outros que só víamos nos jogos do Olympiakos ou do Panathinaikos. Tinham ganho no início, claro. E depois? Melhor ainda, era uma vingança perfeita.
Estava tudo pronto. Era ali que o fado ia passar a ter mais piada. E nem a primeira parte cinzenta ou a lesão de Miguel serviam de aviso. Mesmo o golo de Charisteas foi, para mim,um tónico extra de dramatismo. «É para ser mais memorável». Mas não.
Um sonho não tem fim, mas um jogo de futebol tem 90 minutos. E, por isso, Markus Merk apitou. Um priii longo, estridente, pouco afinado. Bem diferente dos acordes de uma qualquer guitarra portuguesa...Foi-se a glória, ficou o fado. Orgulhosamente tristes.
Do mal, o menos, podemos orgulhar-nos dos nossos joelhos. Nisso somos os melhores. Quem cai de pé tantas vezes como Portugal tem de ter umas rótulas do melhor que há no mercado.
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