Sou do tempo, pasmem-se, em que um professor era capaz de bater num aluno. Exatamente. Por esta ordem. Um professor, de vez em quando, dava uns tabefes num aluno mal comportado. E quase sempre resultava, porque o aluno calava-se e a aula seguia.

Mais ainda: os pais diziam nas reuniões para avançarem com isso. «Se ele se portar mal, dê-lhe uma sapatada que ele põe-se fino».

Por isso, os pais do Rodolfo não acharam estranho quando este disse que ia levar uma cana para a escola, porque a professora tinha pedido. Ela não se queria levantar para chamar a atenção a algum mais distraído. E o Rodolfo prontificou-se, na hora, a arranjar uma cana que a ajudasse na tarefa.

No dia seguinte apareceu com a cana na escola e entregou-a, orgulhoso, à professora.

E foi o primeiro a levar com ela.

O Rodolfo é, portanto, a Inglaterra. O Rodolfo arranjou uma cana para a professora lhe bater, os ingleses arranjaram o futebol para perderem nos penáltis.

E ainda foram cobaias para o árbitro alemão que concebeu o desempate. Rezam as crónicas que o primeiro de sempre foi entre duas equipas inglesas. Mas nem por isso têm mais prática por aqueles lados.

O mesmo país que é capaz de treinar homens para terem a cabeça fria de nem pestanejar face às parvoíces que os turistas fazem em frente ao Palácio de Buckingham, não consegue treinar homens que não tremam antes de meter uma bola entre dois ferros separados por 7 metros.

Está provado que Chris Waddle, no Mundial de 90, falhou por castigo: ninguém devia usar um corte de cabelo assim. Também é certo que quem escolhe Stuart Pearce ou Gareth Southgate para estas decisões coloca-se a jeito.

E mesmo puxando para os lados dos clubes, não causa estranheza ver John Terry cair no lamaçal de Moscovo. Pelo que se diz, deitado é que ele é forte

Mas depois há aqueles casos que fazem todos os que não acreditem em bruxas dizerem «que as há, há». Em 2006 Portugal agradeceu que dois homens mais do que treinados na arte vacilassem. Primeiro Frank Lampard, depois Steven Gerrard.

E o calvário continuou. Algum dia irá parar?

Eu, confesso, tenho o meu lado sádico, cada vez que há um desempate com ingleses. Gosto de os ver palmilhar, metro a metro, o caminho entre o meio campo e a marca do pénalti. Sentir que têm o peso do Big Ben nas costas, os olhos da rainha na nuca, o céu cinzento de Londres no horizonte.

Não me fizeram mal, eu sei. Mas enquanto durar tem piada. E já deu jeito a Portugal, duas vezes.

Por isso, mesmo que Ricardo diga que, em 2004, foi um sinal divino, uma inspiração, a dar-lhe a dica para tirar as luvas no penálti de Vassell, gosto de pensar que foi diferente. Que foi provocação.

Para vocês, até sem luvas.

«Cartão de Memória» é um espaço de opinião/recordação que se debruça sobre jogos, equipas, personagens ou momentos que fizeram a história do futebol português e internacional, sobretudo no sec XXI.
Pode questionar o autor através do Twitter.