Dois árbitros de andebol e um empresário de um futebolista reconheceram, esta terça-feira, no Tribunal de Leiria, que houve contactos para beneficiarem o Sporting, sem êxito, por parte de um agente desportivo sem ligação contratual aos leões.
O Ministério Público (MP) acusou os empresários desportivos Paulo Silva e João Gonçalves e o ex-funcionário do Sporting Gonçalo Rodrigues de crimes de corrupção ativa, que envolvem dois árbitros de andebol de Leiria, no processo que ficou conhecido como Cashball.
Miguel Santos Almeida, advogado do Sporting, clube que não é arguido, mas que se constituiu assistente, defendeu a «verdade desportiva», referindo que os verde e brancos não aceitam o «envolvimento nos factos» que estão a ser julgados em tribunal e que «mancham a credibilidade da empresa». «O Sporting luta por um desporto justo, ético, baseado no desporto limpo, sem batotas. Não haja dúvidas que o assistente censura veementemente tais condutas», mesmo que «destinadas ao seu próprio favorecimento», acrescentou.
Segundo o despacho do MP, acedido pela Lusa, o processo Cashball iniciou-se com uma denúncia no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto quando, em março de 2018, Paulo Silva relatou ter sido abordado pelo agente de futebol amigo, João Geraldes, para que, junto de árbitros designados para jogos de andebol do campeonato, favorecesse o Sporting.
Ivan Caçador e Roberto Martins, que pertencem à Associação de Andebol de Leiria, são os árbitros em causa. Segundo o MP, não ficou provado que aceitaram o alegado suborno. Na sessão desta terça-feira, Ivan Caçador relatou ao coletivo de juízes que foi abordado por Paulo Silva para «favorecer o Sporting».
«Ao telefone disse que era jornalista desportivo de A Bola e queria falar comigo pessoalmente. Depois disse que vinha da parte do Sporting», adiantou, recordando que ia apitar um Sporting-FC Porto cerca de uma semana depois. Segundo Ivan, o arguido disse que «não queria que prejudicasse e que a favorecer alguém, que fosse o Sporting», mas recusou que lhe tenha sido oferecido dinheiro. «Comigo a apitar o Sporting perdeu todos os jogos nessa época», informou.
Roberto Martins disse que também foi abordado por Paulo Silva, com o argumento de que tinha uma empresa de automóvel e queria participar nas Festas do Bodo, em Pombal, evento no qual o árbitro estava responsável por colaborar. «Percebi que a intenção dele era outra quando começou a falar do Sporting e de andebol e terminei a conversa logo ali», afirmou, ao coletivo de juízes, negando que lhe tenha sido oferecida qualquer verba.
Também José Moça, à época empresário do jogador do Desportivo de Chaves, Leandro Freire, revelou ao tribunal que o atleta contou, quer a si, quer ao presidente do clube, que «tinha ido alguém ao hotel em nome do Sporting pedir-lhe para ‘facilitar’» nos dois confrontos - para o campeonato e para a Taça de Portugal - que os flavienses iriam ter com a equipa lisboeta. «O jogador colocou o seu lugar à disposição. Mas confiávamos nele e jogou nos dois. Empatámos para o campeonato e ganhámos para a Taça», acrescentou, afirmando não se recordar se o jogador chegou a falar na oferta monetária que lhe terá sido feita.
No Cashball, o arguido Paulo Silva é acusado de três crimes de corrupção ativa, dois deles na forma agravada. João Gonçalves e Gonçalo Rodrigues respondem pela prática de um crime de corrupção ativa agravada relativamente a Ivan Caçador.
Segundo o advogado de Paulo Silva, o arguido falhou a sessão desta terça-feira devido a doença, mas irá prestar declarações na próxima sessão. Os dois outros acusados optaram pelo silêncio.
No final do julgamento, o advogado Carlos Macanjo admitiu que este «processo prometeu muito». «Se tivermos de apontar algumas culpas, se calhar aponto à investigação. Ficou muito aquém daquilo que era necessário fazer e daquilo que este processo prometia», referiu, ao «estranhar» que o FC Porto «não esteja representado como assistente, sendo que certo que é das entidades mais prejudicadas neste processo».
Macanjo considerou que «faltam mais pessoas» arguidas e sublinhou que o processo tem mensagens de voz «que são trocadas», «pessoas que pedem para não se encontrarem em bombas de gasolina, porque eventualmente têm imagens» e que «há diálogos sobre arbitragem». «Estamos a falar de corrupção, que não tem uma linguagem aberta, mas uma linguagem cifrada», disse.
Segundo o advogado, Paulo Silva «foi contactado para ter estas abordagens» o que poderá revelar em tribunal «se lhe for perguntado».
A próxima sessão do julgamento ficou agendada para 4 de julho (14h00).