Casos que passaram de ano, polémicas mais ou menos requentadas e broncas fresquinhas. 2016 teve de tudo, para todos os gostos, ou desgostos, quando olhamos para o lado mais escuro do desporto. E ainda fica, adiado, um arraial prometido em Barcelos. Já lá iremos, se bem que o vídeo associado a este artigo é capaz de dar desde logo uma ou duas pistas sobre o assunto.

Primeiro os assuntos mesmo sérios.

As revelações sobre um programa estatal de dopagem sistemática na Rússia vinham de trás mas ganharam corpo em 2016. A primeira parte da investigação independente que ficou conhecida como relatório McLaren divulgada em julho formalizou essa acusação «sem margem para dúvidas» e, a um mês dos Jogos Olímpicos, lançou a confusão sobre a presença da Rússia no Rio. O COI acabou por deixar a decisão nas mãos de cada Federação e o resultado foi confuso. No atletismo sobrou uma única representante, noutras modalidades a razia foi bem menor.  «As consequências das revelações sobre a Rússia, num processo em que do lado dos acusados se fala em ajustes de contas e tem um óbvio envolvimento político, não vão ficar por aqui. Já em dezembro a versão final do relatório McLaren implicou mais de mil atletas russos, revelando mais pormenores de um esquema que passava por adulterar análises com substâncias como café e sal.

As ondas de choque vão mais longe. O COI desencadeou em 2016 um processo sem precedentes de revisão de análises de Jogos Olímpicos passados que já levou à desqualificação de dezenas de atletas de Pequim 2008 e Londres 2012, muitos deles medalhados, a história reescrita nos laboratórios.

Mas há mais. O próprio laboratório anti-doping do Brasil esteve suspenso antes dos Jogos Olímpicos, no meio de acusações de que as autoridades brasileiras estariam a fazer vista grossa ao controlo aos seus atletas.

Falou-se muito de doping em 2016 e não apenas a propósito de atletas de quem só ouvimos os nomes a cada quatro anos. Também por causa de Maria Sharapova. Em março, a própria tenista russa revelou que acusou positivo num teste no Open da Austrália, o que atribuiu a um lapso, por se tratar de uma substância que apenas recentemente tinha sido proibida. Foi suspensa por dois anos, depois reduzidos para 15 meses.

Portugal não ficou imune ao tema doping, num ano em que viu a acreditação do seu laboratório suspensa, por não cumprir vários dos requisitos. Apresentou falhas em questões como «independência» ou «falta de pessoal qualificado», de acordo com a Agência Mundial Antidopagem. Em maio, de resto, o Ministério Público acusou sete pessoas, entre as quais quatro ciclistas profissionais federados em Portugal não identificados, de aquisição e venda de substâncias e tratamentos dopantes, num processo que remonta a 2013.

Do doping para as apostas, este foi também o ano em que as suspeitas de resultados manipulados chegaram com estrondo ao futebol profissional português. A 14 de maio, dia da última jornada da II Liga, uma operação policial em larga escala a suspeitas de corrupção desportiva levou a 15 detenções no fim de dois jogos, Oriental-Atlético e Oliveirense-Leixões. Chamaram-lhe operação «Jogo Duplo», vários dos jogadores envolvidos estão impedidos de jogar, o processo ainda não terminou. 

Também houve casos de polícia associados aos Jogos Olímpicos. E não estamos a falar de Ryan Lochte. Ainda. Continuamos a falar de suspeitas de corrupção, neste caso de um membro do COI. Patrick Hickey, presidente do Comité Olímpico Irlandês, foi preso em agosto, acusado de ligações a uma rede de venda ilegal de bilhetes para o Rio 2016.

Do COI para a FIFA, que começou 2016 em limpezas. A abrir janeiro, mais uma cabeça a rolar, enredada no escândalo de corrupção que fez cair Josep Blatter e Michel Platini. Agora a do secretário-geral Jerome Valcke, demitido e suspenso por 12 anos, suspeito também ele de envolvimento em negócios ilícitos. No final de fevereiro Gianni Infantino, ex-secretário geral da UEFA, era eleito novo presidente da FIFA. Também a UEFA se viu forçada a eleger um sucessor para Michel Platini, o escolhido foi o esloveno Aleksander Ceferin, eleito em setembro. Em 2016 o Comité de Ética da FIFA fez sair mais acusações contra Blatter e não só, os casos na justiça prosseguem.

Infantino iniciou o mandato a prometer reformar a FIFA e devolver-lhe credibilidade. Mas já abriu uma frente de discussão que promete arrastar-se para os próximos tempos: um novo alargamento do Mundial. A primeira ideia era passar a ter 40 equipas, depois passou a 48. Num formato ainda por esclarecer claramente, em que começou por dizer que no fim de contas seriam na mesma 32, mas 16 iam ao país anfitrião sujeitas a voltar para casa depois de jogar um «play-off». A última versão que saiu dos corredores da FIFA foi de um formato com 16 grupos de três equipas, pelo meio a Europa já assumiu que está contra. Para o ano há mais.

Este ano não houve Mundial, mas houve Europeu. E se a França conseguiu superar a sombra da ameaça terrorista, o mal maior, o facto é que o Campeonato da Europa não foi imune a cenas de violência. Inclusivamente no interior de um estádio, algo que não se via há muito. A UEFA reagiu ameaçando expulsar a Rússia do Europeu e no fim de contas os incidentes entre adeptos ingleses e russos acabaram por ser casos isolados.

2016 não deixou imunes a escândalos nomes grandes do futebol mundial. Este foi o ano em que Lionel Messi foi condenado a 21 meses de prisão por fraude fiscal. Já para o final de 2016, dados divulgados pelo site «Football Leaks» e investigados pelo consórcio European Investigative Collaborations (EIC), que junta vários meios de comunicação mundiais, levantaram suspeitas sobre alegada evasão fiscal envolvendo mais jogadores de topo, incluindo Cristiano Ronaldo e outros jogadores portugueses associados ao empresário Jorge Mendes, mas não só. Ronaldo negou ter feito algo de errado, entretanto as autoridades fiscais espanholas abriram uma investigação às denúncias, tal como o Fisco francês, onde são residents ««es alguns dos jogadores nomeados. 

Foi um ano generoso em broncas e nem poupou grandes clubes. Como Real Madrid e At. Madrid, a quem a FIFA estendeu a sanção que já tinha aplicado ao Barcelona, por violação das regras relativas à contratação de menores. Ficaram impedidos de inscrever jogadores por um ano, sanção que no caso dos merengues foi reduzida em dezembro para apenas uma janela de mercado.

Seguindo com casos que se arrastaram na justiça desportiva e tiveram desfecho este ano, temos a decisão final do diferendo entre o Sporting e a Doyen. Esgotadas as últimas instâncias, os leões têm mesmo de pagar à empresa que detinha parte dos passes de Marcos Rojo e Zakaria Labyad. No fim das contas são mais 15,6 milhões de euros.

Seguindo no futebol português, as suspeitas que Bruno de Carvalho levantou no final da época passada sobre os vouchers oferecidos pelo Benfica aos árbitros passou de ano e arrastou-se por 2016. Arquivado pela justiça desportiva, ainda sem posição formal quanto à investigação pelo Ministério Público e às voltas na UEFA, que começou por tomar a posição de não analisar o tema, antes de um recurso do Sporting.

Nada de novo por aqui, entre Benfica e Sporting. Há coisas que não mudam, só vão variando de tom, como as polémicas entre os dois rivais de Lisboa. Este ano teve trocas de provocações entre Jorge Jesus e Rui Vitória, a medirem experiência e prioridades de vida, até à decisão do título. Teve de novo alguém a fazer o percurso de um para o outro lado da Segunda Circular, desta vez o peruano Andre Carrillo, a assinar com o Benfica terminado o contrato com o Sporting. E trouxe algo de novo, uma guerra de mercado que passou do futebol às modalidades e teve como ponto mais mediático a transferência de Nélson Évora da Luz para Alvalade

Não é só o futebol que tem broncas para recordar em 2016. Os Jogos Olímpicos também nos deixaram algumas. Receios sérios, como os do vírus Zika, que chegou mesmo a levar alguns atletas a recusarem participar na competição. E mentiras, como o assalto inventado pelo nadador norte-americano Ryan Lochte, que transformou uma saída noturna bem regada e um incidente num posto de abastecimento numa falsa denúncia de roubo.

E momentos realmente insólitos, como aquele em que dois treinadores da Mongólia resolveram despir-se em pleno tapete, em protesto com uma decisão arbitral. Também embaraços, como o verde esquisito que invadiu a piscina de saltos olímpica.

O caso que fecha esta viagem pelas broncas do ano também passou por várias cores. Do verde da esperança e vermelho da euforia esfusiante de António Fiúza, passe o trocadilho, ao cinzento do afinal agora não, logo se vê. O Caso Mateus. Este não tem um, nem dois, tem 10 anos. Ah, nada bate o futebol português.

Então, uma decisão de maio do Tribunal Administrativo de Lisboa anulou o acordão da justiça desportiva que condenou o Gil Vicente a descer de divisão em 2005/06, num processo em torno da inscrição do avançado angolano Mateus. A Federação decidiu não recorrer e abriu portas ao alargamento, o presidente do Gil exultou de alegria. Prometeu matar 10 porcos e 10 vitelos e fazer uma festa de arromba em Barcelos, um arraial minhoto, com toda a gente convidada. Mas o Belenenses, a outra parte no caso, recorreu. E ficou tudo em banho-maria. Nem Gil na Liga, nem porcos nem vitelos, nem uma febra. Para já, que isto ainda não acabou. E está prometido.