[publicado originalmente a 5 de outubro de 2010]

António Nicolau de Almeida, profuso comerciante de Vinho do Porto, deslumbra-se pelo foot-ball numa das visitas que faz a Inglaterra. Em 1893, vergado à paixão pelo jogo, avança com a fundação do Futebol Clube do Porto, mas é José Monteiro da Costa (presidente entre 1906 e 1911) que sustenta em definitivo os alicerces da instituição.

1910, há 100 anos, a cidade de ribanceiras xistosas e de burgo granítico saúda a Implantação da República. Cavalheiros de sobrecasaca e cartola saem para a rua, trocam o charuto e o brandy pela espingarda. O Golpe de Estado não passa ao lado da história do F.C. Porto, na altura uma instituição jovem mas já muito respeitável.

Diz-se, de resto, que grande parte da direcção dos dragões simpatiza com as teorias revolucionárias dos republicanos. Ainda assim, prevalece o azul e branco da bandeira monárquica. Mesmo após o dia 5 de Outubro de 1910.

Por esses tempos, no Campo da Rainha há cada vez mais jogos, mais gentlemen de corpo trabalhado e senhoras a ginasticar. Em ano de adeus à Monarquia, é curioso o retrato do clube. Longe do fausto actual, o Porto joga num rectângulo careca de 50x30 metros, com umas estacas a servir de baliza. O clube cresce, amplia as infra-estruturas e conquista o crédito da turba portuense.

O Campo da Rainha e monsieur Cassaigne

O extinto jornal O Tripeiro retrata de forma deliciosa as instalações azul e brancas, alugadas por 1$20 anuais à Companhia Hortícola Portuense, naquela que é hoje em dia a Rua Antero de Quental.

«Ao lado direito da entrada fica um amplo vestiário e dois armários numerados destinados aos jogadores, com todos os artigos necessários a uma boa toillette (...). Do lado esquerdo temos a divisão dos comes e bebes - um bufete com balcão e cadeiras. Um pouco para sul vê-se um ginásio onde há barras fixas, pesos, halteres, traves fixas nas árvores, argolas e trapézios.»

O treinador da equipa de foot-ball é um monsieur francês, de nome Adolphe Cassaigne, personagem paradoxal numa sociedade aristocrata sobrecarregada de britânicos. O historiógrafo Rodrigues Telles considera-o o primeiro treinador «a sério» do F.C. Porto.

Nasce o dragão e a primeira vitória internacional

O ano da revolução é especialmente rico para o F.C. Porto. Assomam na instituição os primeiros ares de seriedade, segundo se pode perceber na pesquisa aos escaninhos do dragão. O ambiente báquico, noctívago, muitas vezes pantagruélico, dá lugar à organização. Os ares da nova democracia embalam a agremiação.

É nesta altura que o F.C. Porto define o seu emblema: bola de futebol azul, linhas brancas e a sigla F.C.P. já de mão dada com a figura do dragão. O clube avança também com as secções de ginástica, atletismo e ténis de mesa.

A atestar a evolução fenomenal está a primeira vitória internacional do F.C. Porto numa peleja internacional. É a 3 de Abril de 1910, poucos meses antes da subversão republicana, que os dragões derrotam por 2-1 o Real de Vigo no Campo da Rainha.

O estrume no joelho de Alfredo

Em consulta ao livro Glória e Vida de Três Gigantes, descobrem-se narrações de uma candura estimável. O Maisfutebol gosta especialmente da que fala sobre o tratamento aplicado ao relvado do Campo da Rainha. Estrume e água, água e estrume.

Certo dia, numa das várias manifestações desportivas, um choque impetuoso atira com dois atletas para o chão. Uma das muitas senhoras presentes invade o campo, preocupada com a negra na perna do marido. A devota esposa terá chegado a gritar de pânico. «Ah! Alfredo! Podes ficar sem uma perna!»

O clamor leva a mão da donzela ao joelho maltratado. Alfredo esquiva o joelho, preocupado com o tacto do seu amor. «Oh! Não, meu anjo, não ponhas a mão que cheira mal...». Pois, o estrume.