[publicado originalmente a 5 de outubro de 2010]

5 de Outubro de 1910. A revolução saiu à rua. Não havia Festival da Canção e não havia Paulo de Carvalho, mas a revolução saiu à rua na mesma. Uma revolução sem senha, que mudou definitivamente o destino de Portugal: enterrou a Monarquia no exílio inglês e deu as boas-vindas à República.

A democratização do poder político foi anunciada nos Paços do Concelho, em Lisboa, ao final da manhã. Mais ou menos ao mesmo tempo que D. Manuel II apanhava o barco para Gibraltar. O último rei viajaria depois para Inglaterra, onde viveu os últimos dias. Com ele levou a coroa e os sonhos monárquicos.

F.C. Porto, a inocência no Campo da Rainha

Chegou a República, a lei tornou-se pública e o povo quem mais ordena. O povo que andava aborrecido com o rei. Sobretudo desde que D. Carlos cedera às exigências do Ultimatum britânico, ignorara o Mapa Cor-de Rosa e abandonara o território entre Moçambique e Angola. Portugal sentiu-se humilhado.

A partir daí o movimento republicano ganhou força e a 31 de Janeiro de 1891 dá-se no Porto o primeiro levantamento militar contra a monarquia. Fracassou, é verdade, mas foi um prenúncio. Quase duas décadas depois, o republicanismo triunfou: destituiu a monarquia e libertou o país dos interesses coloniais britânicos.

Os britânicos que, curiosamente, tinham introduzido o foot-ball no país. Na altura era um desporto praticado por elites. «Nessa época só as classes altas tinham capacidade para ter hobbies», diz ao Maisfutebol o historiador Joel Cleto. Por isso os desportos mais populares tinham todos origem na alta burguesia britânica.

Benfica, ser grande pela mão de Cosme Damião

«O Leixões é sintomático: fundado em 1907, tinha no símbolo uma raquete de ténis, um taco de críquete e uma bola de futebol.» O F.C. Porto e o Sporting aliás foram fundados por aristocráticos. O Lisbon Crickett e o Carcavelos tinham origens burguesas. A alta sociedade dominava o desporto, e o foot-ball em particular.

No entanto estes eram tempos de mudança e a democratização do poder trouxe com ela uma certa democratização do foot-ball. «Por esta altura começam a surgir vários clubes ligados ao proletariado. No Porto, por exemplo, nascem dois clubes de empresas têxteis. O Salgueiros na têxtil Salgueiros e o Boavista na têxtil Grahams.»

O fenómeno espalha-se pelo país e deixa de ser exclusivo dos grandes centros urbanos. Por essa altura nascem, entre vários outros, o Operário Barreirense, o Sporting Farense, o Fayal Sport Club, o Braço de Prata ou o Sport Clube Vianense. O parto era geralmente muito semelhante, diz Joel Cleto.

Sporting, um sonho de avô e neto

«Os senhores burgueses, donos das empresas, precisavam de adversários para treinar e convidavam os empregados para jogar contra eles. Mas como havia geralmente bons talentos entre estes começaram a formar-se equipas mistas, de patrões e empregados, para serem mais competitivos.»

O foot-ball vai desta forma começando a espalhar-se pelas classes mais baixas. Em 1910, note-se bem, 70 por cento da população vivia da agricultura e um operário normal gastava 65 por cento dos rendimentos em alimentação básica. No entanto começa a perceber que o foot-ball pode não ser assim um luxo tão grande.

Troca os passeios domingueiros por jogos de bola, enquanto as classes altas fazem das touradas e da caça os passatempos preferidos. Só a partir de 1920, de resto, o foot-ball se tornou a primeira diversão entre a alta burguesia. O fenómeno popular, esse, estava lançado: numa época de revoluções sem senha.