Esta foi a noite em que o Benfica sofreu a sua pior derrota dos últimos 41 anos na Liga/Taça dos Campeões, desde os 5-1 de Munique, em 1976.

E em que viu reduzida a escombros a tendência histórica (o saldo era de 12 apuramentos em 13, antes desta noite) de seguir em frente nas eliminatórias em que vencia a primeira mão por 1-0.

E ainda, não menos relevante, a noite em que Portugal ficou quase, quase, com a certeza de que, a partir de 2018, terá apenas, na melhor das hipóteses, duas equipas na Liga dos Campeões.

E no entanto tudo isso parece secundário se tivermos em conta que, quase à mesma hora (o jogo começou uns bons 4 minutos depois do de Dortmund), no Camp Nou, ia acontecendo História do futebol à nossa frente. Depois dos 4-0 sofridos em Paris, os 6-1 do Barcelona não são apenas a maior remontada de sempre em 61 anos de prova. São também, caso tal fosse necessário, o sublinhar a traço grosso, e com tinta fluorescente, de que este Barça, com a ligação de Rijkaard a Luis Enrique assegurada por Guardiola e Tito Vilanova, é a maior equipa do século XXI, e uma das três ou quatro maiores da história do futebol.

Sergi, herói improvável

Entra-se nesta noite mágica com nomes de treinadores, mas é claro que esta é uma história escrita por jogadores. Desde logo por uma das melhores linhas avançadas de sempre: marcando quatro dos seis golos da reviravolta, Messi, Suarez e Neymar voltaram a responder presente num momento decisivo. Os números não enganam: dos 128 golos (!) marcados nesta temporada pelo Barcelona em 44 jogos oficiais, 81 (62,5% do total) têm a assinatura da tripla MSN.

Mas se este foi um guião com montanha-russa de emoções, teve, com 3-1 aos 87 minutos, um megatwist final com direito a herói improvável e tudo: Sergi Roberto, que tal como André Gomes saiu do banco para jogar os minutos finais, foi o homem certo no local certo para marcar, a 12 segundos do fim do tempo de compensação, o seu primeiro golo da temporada, e apenas o sexto em toda a carreira.

Já se sabia que o Barcelona era a única equipa da atualidade capaz de alimentar a ilusão de uma reviravolta, depois de perder a primeira mão por 4-0 (e alguém se lembra agora de que em Paris podiam ter sido bem mais?). A chama reacendeu-se nos últimos tempos, especialmente depois do anúncio de saída de Luis Enrique e de ter completado os últimos dois jogos para a Liga com um saldo de 11-1 (agora 17-2…). O golo madrugador de Suarez foi o sinal necessário para manter viva essa chama. Mas é de lembrar que o PSG também contribuiu, e muito, para a própria desgraça: primeiro, com o resultado em 3-1 (isto é, com uma almofada de três golos, que transportou até ao minuto 87) desperdiçando três situações claríssimas na cara de Ter Stegen. Depois, sentindo aquilo que Valdano definiu como «medo cénico», recuando e pondo-se à mercê do talento de Neymar e companhia - e também, valha a verdade, do empurrãozinho do árbitro Aytekin, que no início dos descontos vislumbrou um penálti num tímido contacto de Marquinhos em Suarez.

Por fim veio aquele louco minuto final, com Ter Stegen plantado na área do PSG e com o recém-entrado Aurier, estático, a permitir a Sergi Roberto escrever o último capítulo de uma noite irrepetível, em que o Barcelona só precisou de acertar nove vezes na baliza para marcar seis golos. Uma loucura que contagiou até o técnico do Dortmund, Thomas Tuchel, e veteranos de outras batalhas, agora no papel de comentadores- veja-se como reagiram Lineker, Gerrard, Ferdinand e Owen ao sexto golo:

«Football, bloody hell!», diria Alex Ferguson. Tudo somado, além de uma noite para a lenda do Barça e a história de um estádio que entre outras coisas já nos tinha dado «aquela» final da Champions em 1999, assistimos mais uma vez, a demonstração de que o PSG ainda tem degraus para transpor até chegar ao topo da Europa. E dificilmente os subirá com Unai Emery, cuja atuação no comando da equipa já vinha a ser contestada, e não deverá escapar incólume a um desaire desta dimensão. Como sintetizava a manchete do L’Equipe, retomando um célebre título feito após o França-Bulgária de 1993 e os dois golos de Kostadinov ao cair do pano:

Benfica: o jogo da Luz em negativo

Em Dortmund, para mal do Benfica e da representação portuguesa nas provas da UEFA, assistiu-se à réplica, em negativo, do jogo de Lisboa. Se antes tinha sido um canto finalizado por Mitroglou a entreabrir a porta dos quartos, desta vez foi um canto finalizado por Aubameyang a começar a fechá-la, logo aos 4 minutos. Marcando três golos em quatro remates, o gabonês equilibrou o saldo com a exibição desastrosa que tinha feito na Luz, quando falhou quatro situações claras, entre elas um penálti.

Por outro lado, o Benfica, de meio-campo reforçado com a inclusão de André Almeida ao lado de Samaris (replicando o modelo da segunda parte na Luz com Filipe Augusto ao lado de Fejsa), teve muito mais bola e rematou o triplo das vezes que o tinha feito na primeira mão. E, apesar de ter sofrido um golo madrugador – o pior cenário possível no lançamento da eliminatória – manteve as operações equilibradas até aos 59 minutos.

Por isso, talvez os 4-0 finais sejam um marcador exagerado para um jogo que esteve longe de ser tão desnivelado como o primeiro. Mas uma coisa paga a outra: toda a fortuna que o Benfica teve em Lisboa ficou à porta do Signal Iduna Park, onde na segunda parte cometeu alguns dos erros defensivos que já se sabia serem proibidos. E, na soma dos 180 minutos, o desfecho acaba por adequar-se à diferença de andamentos demonstrada pelas duas equipas.

As piores derrotas do Benfica na Europa

Celta de Vigo, 7-0 (Taça UEFA, 1999)

Dortmund, 5-0 (Taça dos Campeões, 1963)

Bayern Munique, 5-1 (Taça dos Campeões, 1976)

Manchester United, 1-5 (Taça dos Campeões, 1966)

Olympiakos, 5-1 (Taça UEFA, 2008)

Dortmund, 4-0 (Liga dos Campeões, 2017)