Sem competir há quase dois meses e meio – o último jogo oficial foi a 10 de dezembro, no estádio do Dragão – e em risco de falhar o hexacampeonato para o Dínamo Kiev, o Shakhar Donetsk vai voltar ao ativo, nesta terça-feira, frente ao maior papão do futebol europeu. Autor da melhor exibição nesta edição da prova, com um arrasador 7-1 à Roma na fase de grupos, o Bayern de Munique, com mais três semanas de competição nas pernas, parece ter feito um ensaio geral no clássico deste sábado com o Hamburgo (8-0). E, no entanto, o contexto de guerra em que o grupo tem vivido nos últimos meses, com mais de 5 mil mortos nos confrontos, ajuda a pôr as coisas em perspetiva.

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Assim, enquanto o teórico cessar-fogo na Ucrânia, em vigor desde domingo, era quebrado por diversos incidentes, em Lviv, a mais de mil quilómetros de Donestk, na zona de conflito, os responsáveis do Shakhtar ainda eram capazes de recorrer ao humor para o lançamento do jogo desta terça-feira com a equipa de Pep Guardiola. «Tenho 13 brasileiros que querem vingar-se dos alemães», brincou o veterano técnico Mircea Lucescu, a propósito da goleada no último Mundial, antes de concluir: «Seríamos uns heróis se nos apurássemos diante de um clube que acaba de golear o Hamburgo por 8-0».

Aos comandos do Shakhtar desde 2004, o romeno é já um ucraniano por adoção, o que o leva a falar da necessidade de «jogar pelo país como um todo, apesar de dividido pela guerra». Mesmo que a conquista de um O papel de Lucescu na coesão do grupo é destacado por quase todos os seus elementos, a começar pelo guarda-redes Pyatov que, citado pelo The Guardian sublinhou a importância de Lucescu ter permanecido no Shakhtar apesar das propostas milionárias para um regresso à Turquia: «Ninguém deixou o grupo nestes meses, e por isso estamos mais fortes do que éramos. As dificuldades reforçam a alma», sublinha Pyatov.

Este espírito de grupo é ainda mais de sublinhar pelo facto de o Shakhtar ter 14 estrangeiros no plantel e de todos os jogadores, no verão passado, terem mudado residência para Lviv, para fugir ao conflito. «Às vezes vamos treinar depois de ouvir notícias sobre um autocarro incendiado, ou de conhecidos que morreram. E isto afeta-nos, mesmo que o disfarcemos. Mas o nosso trabalho é jogar e transmitir esperança e emoções boas aos espectadores», assume Pyatov. O lesionado Bernard e o castigado Stepanenko são as baixas da equipa ucraniana para este jogo. Já o brasileiro Luiz Adriano, que com nove golos em 11 remates à baliza é o melhor marcador da Champions até ao momento – em grande parte devido aos cinco golos que marcou nos 7-0 ao BATE Borisov - é a maior esperança de um resultado que possa fintar a esmagadora maioria dos prognósticos.

Do outro lado, é um Bayern de confiança recuperada, graças ao parcial de 10-0 nos últimos dois jogos, Depois da raridade de dois encontros seguidos sem ganhar, e de uma goleada sofrida diante do Wolfsburgo, a equipa de Guardiola parece ter recuperado a velocidade de cruzeiro e deve poder contar com os regressos de Boateng e Ribéry. Já Xabi Alonso, de volta aos convocados, terá ainda de cumprir um teste físico na manhã do jogo para integrar as opções do treinador.



Tendo ultrapassado o Real Madrid como maior favorito das casas de apostas para a conquista da Liga dos Campeões, o Bayern chega à Ucrânia com argumentos suficientes para assumir o favoritismo. Isto, apesar de Guardiola ter considerado o seu adversário como «um dos melhores da Europa», com a diplomacia habitual: «Tenho muito respeito por Lucescu e o Shakhtar. Defrontei-os cinco vzes com o Barcelona e foi sempre muito difícil para nós. Se jogarmos abaixo do nível habitual nesta eliminatória podemos ser eliminados pelo Shakhtar», avisou.

Mas o facto de a equipa ter alterado as rotinas de estágio para jogos europeus e de permanecer menos de 36 horas em solo ucraniano mostra que os seus principais receios se situam fora do relvado, como admitiu Arjen Robben à partida para Lviv: «Claro que há algum nervosismo extra. Vemos as notícias e estamos cientes do que acontece. Afeta-nos a todos, não é coisa que se possa ignorar», afirmou o internacional holandês, que bisou na goleada ao Hamburgo.

Reencontros no Parque

À mesma hora, em Paris, o outro jogo desta terça-feira, depende menos do contexto político e mais dos reencontros que proporciona. Reedição dos equilibrados quartos de final da época passada, que o Chelsea venceu ao cair do pano, graças ao golo marcado no Parque dos Príncipes, este embate dos oitavos volta a pôr frente a frente o modelo de sucesso (o Chelsea de Abramovich nos últimos 11 anos) e o candidato a imitá-lo (o PSG, depois dos petrodólares).



É, pelo terceiro ano consecutivo, um teste à dimensão internacional de um clube que teima em ficar à porta da elite. Os últimos resultados domésticos acentuaram mesmo a pressão sobre Laurent Blanc, pela incapacidade em distanciar-se da concorrência interna, apesar da evidente diferença de meios. A juntar a isto, as quatro lesões musculares – Marquinhos, Lucas, Aurier e Cabaye – sofridas no empate caseiro com o Caen, deixam o técnico com menos trunfos na manga. «Seja o que for que acontece ao PSG é por minha culpa. Estão a pôr em causa as minhas competências profissionais», queixou-se Blanc.

Na conferência de antevisão, o técnico dos parisienses alimentou também dois focos de polémica. Primeiro, lembrando a Ibrahimovic que a ação de sensibilização para o combate à fome, que efetuou no jogo do último sábado, pode penalizar a equipa, caso volte a implicar tirar a camisola e ver um cartão amarelo. O sueco, que nunca escondeu a admiração e amizade que tem por Mourinho, desde os tempos do Inter, tem sido apontado a dedo por alguma imprensa francesa por não conseguir aparecer ao melhor nível nos jogos a doer da Champions – e tem amanhã uma excelente ocasião para silenciar essa e outras críticas.

Por outro lado, Blanc alertou os seus jogadores para eventuais provocações por parte do Chelsea: «Já conheço um pouco Mourinho e sei que ele vai tentar fazer subir a temperatura do jogo. Por isso mesmo, os meus jogadores vão ter de manter o sangue frio, não podem reagir a provocações». Por tudo isto, e usando a comparação direta com os jogos de há um ano, este parece um PSG mais vulnerável, mesmo com uma defesa reforçada pela contratação de David Luiz ao Chelsea.

O central brasileiro proporcionou o momento de humor no lançamento do jogo, ao definir a maior semelhança entre Mourinho e Blanc, mas reconheceu que a sua antiga equipa está mais forte do que na época passada, em especial pelo aumento de soluções ofensivas e pelo reforço da influência de Hazard.



O duelo de Diego Costa com David Luiz vai ser um dos grandes aliciantes da partida, tanto mais que um descontraído Mourinho já confirmou a titularidade do internacional espanhol na frente de ataque, depois de uma suspensão por três jogos. «O descanso neste fim de semana foi bem vindo para o grupo. Mas a última pessoa a quem deviam falar sobre acumulação de jogos é a um treinador de uma equipa inglesa. Enquanto os jogadores franceses estavam de férias no Natal, nós fazíamos cinco jogos», atirou. Será isto que Blanc entende por aquecer o jogo?