Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

Chico Fonseca foi um dos melhores laterais direitos do campeonato português na década de 90. O poveiro jogou oto anos no escalão principal, brilhando com especial intensidade ao serviço do Salgueiros, entre as passagens por Belenenses e Paços de Ferreira. Em 1997, chegou a ser convocado para a seleção nacional.

O Maisfutebol reencontra-o na Póvoa de Varzim, aos 48 anos, numa manhã com um belo sol de dezembro.

A conversa arrancou na praia, junto à quadra de futevólei e incluiu uma caminhada até ao seu quiosque junto ao mercado local. Durante o percurso, tempo para uma passagem pela agência funerária, a outra área de negócio. Atualmente, Chico Fonseca é um homem de três ofícios.

Sim, leu bem. O antigo jogador profissional decida-se há mais de uma década a serviços fúnebres, algo pouco habitual para uma pessoa com o seu historial.

Comecemos por aí. Como surgiu essa aposta na funerária?

«Já vem dos tempos em que estava no Leça, com 34 anos, a caminhar para o final da carreira profissional. Um cunhado meu desafiou-me a abrir uma funerária, o pai dele já tinha trabalhado nessa área, e decidi apostar nisso. É a minha mulher que está lá durante o dia mas sou eu que faz os serviços», revela.

Chico Fonseca lida com cenários de dor e desespero, a exigir sensibilidade e profissionalismo.

«É complicado, estava habituado a um mundo alegre, ao mundo do futebol, isto é o contrário, temos sentimentos… é difícil lidar com as situações, mas preocupo-me em fazer o serviço da melhor forma, dar o descanso às pessoas», salienta.

Pela Agência Funerária Poveira já passaram amigos e conhecidos de Chico Fonseca, no momento de partida de familiares. É uma temática sensível e o negócio já proporcionou mais retorno.

«A concorrência é muito grande e por vezes desleal…enfim, a verdade é que a funerária já esteve melhor», admite.

Nos últimos anos, o antigo jogador virou-se para outra área de negócio. A força de trabalho está limitada ao núcleo familiar. Assim, enquanto a mulher fica na funerária, o ex-lateral passa os seus dias num quiosque, com a ajuda da filha mais velha.

«Tenho o quiosque há três anos, surgiu uma oportunidade e agarrei, mas também me desgasta um bocado. Está aberto sete dias por semana, só tenho duas horas de manhã, quando a minha filha de me substitui, de resto estou preso ali», explica.

O dia de Chico Fonseca começa bem cedo, com a entrega de jornais por espaços da zona, antes de se fechar no espaço diminuto. O quiosque funciona doze horas por dia, sete dias por semana.

«Abro às 7 da manhã e fecho às 19h00. Pelo meio ainda tenho os serviços da funerária, quando aparecem. Não tenho a lotaria ou o euromilhões, isso é que era, é uma grande fonte de receita. Vendo jornais, vendo tabaco, mas para ter lucro tenho de vencer grandes quantidades. Vai dando para a sopa, como se costuma dizer, mas não é fácil», desabafa.

As duas horas de liberdade para Chico Fonseca a meio da manhã permitem a fuga para o espaço predileto: a quadra de futevólei na praia da Póvoa de Varzim.

Bruno Alves é o nome facilmente associado à modalidade. Por aquele espaço, porém, vão passando vários profissionais e antigos profissionais de futebol, impulsionando um fenómeno que atrai cada vez mais praticantes.

«Para além de mim, há o Jorge Gamboa, o Paulo Lima Pereira, o Bruno Alves, como se sabe, o Luís Neto quando vem cá, muita gente passa por aqui. Quando era profissionais já jogava futevólei por brincadeira, mas entretanto passou a ser mais a sério», recorda.

Chico Fonseca formou uma dupla interessante com Jorge Gamboa (ex-Rio Ave, Sp. Braga, Beira Mar, etc) e chegou a vice-campeão nacional da modalidade.

«Eu e o Jorge Gamboa ficámos quase sempre em segundo lugar, eram sempre os mesmos campões nacionais, também daqui da Póvoa. Fui um crónico vice-campeão nacional. Entretanto os anos passam, a idade vai pesando, surgiram jogadores mais novos e mais altos. A altura neste desporto conta muito», frisa.

Os praticantes de futevólei da Póvoa de Varzim tornaram-se uma referência nacional: «O futevólei aqui da Póvoa contribuiu para o desenvolvimento da modalidade, obrigámos os jogadores de outras regiões a melhorar e muito.»

A ligação de Chico Fonseca ao desporto não passa daí, do que ainda lhe dá prazer aos 48 anos. Teve uma experiência recente como treinador-adjunto mas durou apenas um par de épocas.

«Fui treinador-adjunto da AD Balasar, dos distritais. No primeiro ano ainda subimos de divisão, mas no segundo descemos e, quando assim é, as coisas complicam-se. Acabou-se a experiência», diz.

O antigo jogador gostava de continuar ligado ao futebol mas admite o seu desencanto pelo que vê na atualidade.

«É raro ver jogos na televisão, sinceramente, o futebol atual não me seduz muito. Mudou para pior, está muito condicionado, todos os jogadores muito direitinhos, a pensar em não errar. Gosto muito do Nélson Semedo, o lateral do Benfica, mas de resto é tudo muito direitinho, sem grande liberdade para os laterais», lamenta.

Chico Fonseca fala com autoridade. Formado no Varzim, o lateral direito começou por dar nas vistas com a camisola do FC Infesta com Augusto Mata e deu o salto para o Belenenses em 1992.

Abel Braga deu a oportunidade ao jogador na Liga mas seria o Salgueiros a revelar o melhor Chico Fonseca, entre 1994 e 1999.

«Depois de tudo o que passei, acho que acabei por fazer uma carreira engraçada. Já nessa altura havia influência de empresários e eu nunca tive empresários, as pessoas dizem-me que podia ter chegado mais longe», reconhece.

O poveiro acumulou desempenhos de qualidade no flanco direito do Salgueiros: «Os outros laterais colocavam-me entre os melhores e fui dois anos seguidos considerado o melhor lateral do futebol português pelo jornal Público. Tenho duas estatuetas em casa de que muito me orgulho.»

«Nesse período do Salgueiros cheguei a ser chamado para a Seleção Nacional, para um jogo de apuramento para o Mundial de 1998, na Irlanda do Norte. Artur Jorge fez jogar ali o Paulinho Santos e havia ainda o Nélson, que estava no Aston Villa», salienta.

A melhor época de Chico Fonseca terá sido essa, a de 1996/97, mas chegou demasiado tarde a um patamar elevado e sentiu dificuldades para chegar mais acima.

«O Carlos Manuel disse-me que o meu nome foi falado no Benfica, que se tivesse menos dois anos estaria no Benfica. Nessa altura tinha 29 anos. A verdade é que na época seguinte o Benfica foi buscar o Cabral, de 29 anos, ao Belenenses, portanto a ideia não contava assim tanto…Enfim, estando ligado a alguém com alguma força, podia ter ido mais longe», considera.

O Salgueiros dessa época era uma das belas equipas do campeonato nacional: «Não é por acaso que o António Oliveira, depois de ganhar o campeonato com o FC Porto, disse que a melhor equipa portuguesa a jogar era o Salgueiros.»

Chico Fonseca saiu do clube de Vidal Pinheiro em 1999, aceitando um convite de Henrique Calisto para subir o Paços de Ferreira ao escalão principal.

«O Paços estava há vários anos na segunda e chegou a pensar em fechar as portas. Henrique Calisto pediu mais dois ou três reforços para atacar a subida e formou-se uma grande equipa. Ele saiu, entrou José Mota e fomos campeões», salienta.

O lateral direito regressou aos principais palcos mas seria traído por uma lesão grave no início da época 2000/01: «Lesionou-me a uma semana do início do campeonato, estive cinco meses parado e perdi a carruagem.»

«No final dessa temporada saí para o Leça, na II Liga, mas o clube já tinha muitos problemas. Eu estava com 33 anos. Depois fui para o Marinhas e o Cabeceirenses, clubes da III Divisão», enumera o defesa.

Chico Fonseca sentiu forças para continuar até aos 44 anos (época 2011/12), passando por clubes como Fão, Apúlia, Balasar, Castanheira e São Romão.

«Jogar nos Distritais, mesmo gostando, não é fácil. Ouvem-se bocas dos miúdos, a chamarem-me velhote, quando deviam era perceber que aquilo era uma boa experiência, defrontando alguém que foi profissional, que jogou na Liga», lamenta.

Aos 48 anos, o antigo jogador é um homem ocupado, reconhecido pelas ruas da Póvoa de Varzim e com uma ideia fixa: reservar sempre um par de horas para ir até à praia e praticar o seu desporto favorito. A meio da manhã, ali ao lado do café Náutico, é fácil encontrar caras mais ou menos conhecidas em volta da quadra de futevólei. Uma delas é Chico Fonseca.

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