Quando Wu Minxia se tornou a primeira atleta a ganhar ouro em três Jogos Olímpicos seguidos, nos saltos para a água, muitos pensaram no que estava por trás, depois de um jornal de Xangai ter publicado uma entrevista que citava os pais da atleta chinesa a dizer que esconderam da filha a luta da mãe contra o cancro e a morte dos avós, em nome do seu sucesso desportivo. «Aceitámos há muito que ela não nos pertence», terá dito o pai.
A China está lá em cima no medalheiro dos Jogos Olímpicos, atrás apenas dos Estados Unidos. Já foi assim em Pequim 2008 e a nação mais populosa do mundo é tradicionalmente uma potência desportiva. Mas no caso chinês permanece a dúvida: a que custo?
A questão colocou-se várias vezes em relação aos regimes autoritários, que tinham tradicionalmente por regra uma política desportiva rígida e centralizada. Era assim com as antigas URSS e RDA, as coisas mudaram com a queda do muro de Berlim. Mas na China mantém-se a lógica do desporto como assunto de Estado: é o «juguo tizhi», «sistema de toda a nação».
Minxia, quando lhe falam das revelações dos pais, desvaloriza a questão. «Não é assim só com os atletas chineses. Os pais raramente vão aos locais de treinos e somos como uma grande família que treina em conjunto», afirmou a atleta depois do ouro de Londres, através de um tradutor, citada pela Reuters.
Mas os relatos e acusações de abusos são muitos. De atletas retirados ainda em crianças às famílias, que sacrificaram as infâncias e a educação. De agressões, violência física e psicológica. À Reuters, a treinadora de saltos para a água da universidade de Indiana, que treinou uma atleta chinesa, Chen Ni, faz acusações claras.
«Questionam-se por que são tão bem sucedidas as atletas chinesas? A maior parte dos treinadores são homens. As mulheres são literalmente agredidas para se submeterem. Se dizem não a alguma coisa são agredidas. É um sistema brutal», acusa Johannah Doecke, contando que a sua atleta vivia no terror de falhar. «Se cometesse um erro, fazia uma vénia e pedia desculpa», recorda, enquanto relata os conselhos que ouviu de outros treinadores chineses: «Às vezes diziam-me: Se queres uma boa performance dela, tens que lhe bater.»
A atleta de que Doecke fala também desvaloriza. «Os treinadores são como pais. Às vezes batem nos atletas, mas sabemos que lhes dói mais a eles, no íntimo», disse à Reuters, por e-mail.
As acusações são recorrentes e estendem-se à ginástica, ao ténis de mesa ou ao badminton. «Não seria legal na Grã Bretanha treinar tanto como as chinesas», diz Joanna Parker, da equipa britânica de ténis de mesa, enquanto a sua colega Kelly Sibley reforça: «Há uns anos estávamos a jogar em Xangai. Um treinador aproximou-se de um jogador que estava a jogar e deu-lhe um pontapé.»
Os responsáveis chineses rebatem as acusações. «É preciso trabalhar no duro. Porque é que no Ocidente pensam assim? A China é muito livre. Quem quiser fazer isto faz, quem não quiser não faz», diz o treinador da equipa chinesa de ténis de mesa, Shi Zhihao.
A opinião pública chinesa começa a questionar a situação, o caso dos pais de Wu Minxia teve grande impacto na rede social chinesa Weibo, com muitas críticas, mas o regime não parece disposto a alterar uma fórmula que tem garantido sucesso e reforça o poderio chinês.
«Enquanto os chineses não estiverem suficientemente confiantes de si próprios no mundo, enquanto o regime tiver um problema de legitimidade, o «juguo tizhi» vai continuar. Algumas pessoas podem criticar o sistema, mas imaginem a pressão e os ataques aos atletas e ao regime se a China falhasse nos Jogos», diz Xo Guoqi, professor na universidade de Hong Kong.