«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

«Minha senhora, como explicaria a um menino o que é A felicidade?
- Caro senhor, não explicaria. Daria uma bola ao menino para que jogasse.»

A pergunta é de um jornalista alemão e a resposta é de Dorothee Solle, teóloga alemã. O excerto está na contracapa de ‘Futebol ao Sol e à Sombra’, obra-prima de Eduardo Galeano.

Com a devida vénia ao autor, confesso que me lembrei desta extraordinária passagem ao ver jogar – pela enésima vez – Rúben Ribeiro. A felicidade de Rúben é a bola e tudo o resto é irrelevante.

Há jogadas e pormenores condenados ao céu. Ou ao ridículo. O pontapé-moinho de Van Basten, o escorpião de Higuita, a avalanche perfeita de Maradona sobre ingleses, o penálti de Panenka…

Ações que imortalizam ou matam. Requerem coragem, génio e, ok, uma boa dose de inconsciência. Talvez loucura até.

Rúben Ribeiro – e era aqui que eu queria chegar - faz coisas destas, numa versão minimalista, todas as semanas num relvado perto de si. De nós.

Não vejo ninguém na liga portuguesa com este talento. Puro, da cabeça aos pés. Talento malandro, de bairro. De paixão pelo mero toque no couro. Na receção, no drible, no à-vontade em sair de situações de aperto, como se fosse só mais um movimento natural na rotação dos seus dias.

Vejo, também, muito de Salvador Sobral em Rúben Ribeiro. Sentimento e emoção pelo jogo, sentimento e emoção pela música, nada de ‘fireworks’ disparatados ou parolices desnutridas.

E vejo mais. Vejo em Rúben o desconforto de Salvador por estar num quadro que não é o dele.

A Salvador perturba o mediatismo, a luz do holofote, a evidente diferença por querer apenas cantar o que sente e recusar gritar esganiçados refrões de feira popular.

A Rúben perturba o chutão para a frente, a bolinha maltratada, o jogo feio e inflamado por apostas cada vez mais suspeitas e malas de capa negra. Salvador e Rúben, cada um ao seu jeito e no respetivo mundo, são poetas de sensibilidade comovente.

«Amar pelos dois» dará a Salvador o reconhecimento que merece. Rúben, infelizmente, tem menos anos de carreira pela frente. Com 29 anos – 30 em agosto -, vai entrar no derradeiro ciclo de um percurso sinuoso, incompreensível até, para tamanha competência.

Não sou amigo de Rúben, que fique bem claro. Entrevistei-o uma vez, pela curiosidade e necessidade que senti em dissecar a personagem. Não mantivemos contacto.

Em Portugal, a estratégia mercantilista dos clubes grandes – comprar barato e jovem/vender posteriormente para fazer lucro - fecha a porta a atletas com mais de 25/26 anos. É uma pena.

Rúben Ribeiro possui condições e maturidade para estar no plantel de FC Porto, Benfica ou Sporting. Já este verão. Fica a sugestão, completamente desinteressada. Ou, se preferirem, a sugestão de alguém que adora futebolistas inconscientemente geniais.

Um pouco à maneira de Salvador Sobral, o intérprete que sente a palavra como ninguém. Felicidade? Dêem-lhe uma música e deixem o menino cantar.

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».