«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

O tempo clarifica as ideias. Agora sim, dou razão à minha avó. Dizia ela, naquela ternura abraçada a cada palavra, que todos podemos cometer erros, embora haja erros que ninguém deve poder cometer.

Eu, adolescente imbecil, encolhia os ombros e afastava-me. A sabedoria dos anciãos é um bem descartável e inútil em ouvidos infantis. Uma pena.

Será que, na sua incontrolável sabedoria, Jesus parará algum dia para refletir e aceitar que, tal como eu, é bem capaz de não saber ouvir e comete erros primários nas análises que faz?

Todos queremos ser mais ousados, mais engraçados, mais atrevidos, nestes tempos de pseudocelebridade tuiteira. Precipitamo-nos a ouvir, precipitamo-nos a escrever, precipitamo-nos. O problema, mais grave, surge quando isso é recorrente. E Jesus é recorrente no erro.

O discurso do treinador do Sporting em Vila do Conde, depois de receber gratuitamente uma lição de bom futebol, foi profundamente ofensivo para o staff do Rio Ave e para todos os adeptos sérios que viram o jogo.

Pela terceira vez na Liga – já acontecera contra o Feirense e o V. Setúbal – o Sporting acabou com os três pontos nas mãos sem saber bem como. Desta vez, a inferioridade dos leões foi especialmente evidente e as estatísticas são-lhe dolorosas:

Remates: 22 do Rio Ave contra 6 do Sporting
Posse de bola: 57 contra 43 por cento
Cantos: 8 contra 3
Oportunidades de golo: 6 contra 1

E qual é a leitura de JJ, sábio entre sábios?

«É assim que se fazem os campeões, fazem-se como o Sporting jogou aqui. Parabéns à equipa.»;

«O Sporting hoje foi uma equipa calculista, pragmática, experiente. Soubemos jogar com os momentos e com as fases do jogo.»

«Este foi um jogo dividido, sabíamos que o golo ia aparecer e ele apareceu.»

A sério, Jorge? Não, não foi nada assim. O Sporting, senhor de um plantel de excelência, foi dominado pelo Rio Ave praticamente durante todo o tempo. Rui Patrício fez quatro defesas maravilhosas e acabou por ser o melhor em campo. O Sporting marcou no único remate enquadrado com a baliza de Cássio.

Jesus, por ignorância, estratégia ou requintes de malvadez, quer fazer-nos acreditar que tudo isto foi devidamente calculado. Não, o Sporting teve sorte e o Rio Ave não teve um ponta-de-lança ao nível do resto da equipa.

Em Vila do Conde, o estratega brilhante – que Jesus pontualmente é – foi um sorridente polícia de trânsito, sem mãos a medir e sem saber para que direção olhar. O Rio Ave foi brilhante, fiel a um processo de construção raro, arriscado e belo.

Jesus falou de um jogo que não viu, que pura e simplesmente não existiu. Na escala de bondade da minha avó, este é dos erros que nenhum treinador devia poder cometer. Infelizmente, há uns quantos que insistem em tratar os jornalistas e o consumidor de futebol como verdadeiros atrasados mentais.  

CHUTEIRAS PRETAS 1: a qualidade do futebol do Rio Ave de Miguel Cardoso justifica um «top 5» nesta Liga e estou seguro que lá chegará; contra o Sporting não teve Francisco Geraldes, o braço direito do maestro Rúben Ribeiro, e mesmo assim o nível de jogo não se ressentiu.

CHUTEIRAS PRETAS 2: atenção, muita atenção, ao Portimonense de Vítor Oliveira. O trio Paulinho/Nakajima/Fabrício é um quebra-cabeças para as defesas opostas. Que o diga José Couceiro.

CHUTEIRAS PRETAS 3: nada contra Sérgio Vieira, sempre afável nos contactos com o Maisfutebol a partir do Brasil. Mas, o que consta do seu currículo que o aconselhe a um clube da I Liga? Aposta de risco do aflito Moreirense. Boa sorte, seja como for, caro Sérgio.  

[NOTA: artigo escrito antes do Sporting-Juventus]    

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