«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

A um presidente com a cabeça no sítio e as ideias organizadas é absolutamente impensável conviver com um treinador que tanto pode ser despedido na próxima semana como no mês seguinte.

Para um homem lúcido e determinado, os dias não podem ser vividos à sombra da espada de Dâmocles. De acordo. Por estas razões de raciocínio, faço um esforço e sou tentado a aceitar a decisão de Frederico Varandas.

José Peseiro era um homem a prazo, com a data de validade prestes a expirar. Varandas quis desfazer-se da herança deixada por Sousa Cintra e desenhar um novo ciclo desportivo, pelo qual terá de responder a partir de agora.

O erro de Varandas não foi despedir Peseiro. Percebo a opção. Não pela incompetência do treinador, mas pela fragilidade comovente com que exercia o cargo. Nunca poderia dar certo.

O erro é outro. E grave.

Na sequência dos últimos meses do Sporting, e em razão dos mesmos, Varandas teria de estar munido de um nome forte, entusiasmante, capaz de aglutinar e reunir consenso no universo leonino, se isso é possível no futebol profissional.

Ao eliminar Peseiro do cenário - uma decisão sempre discutível, até pelas fortes atenuantes que o ribatejano pode invocar - o presidente do Sporting não devia eleger uma opção de risco, quase anónima e de currículo pobre.

Sim, Marcel Keizer é tudo isso. Espreitem o CV do senhor: carreira de treinador iniciada em 2007, passagens por cinco pequenos clubes holandeses (Argon, VVSB, Telstar, Emmen e Cambuur), uma época na equipa B do Ajax e seis meses no plantel principal. Anunciado em junho e despedido em dezembro de 2017.

Depois disso, uma viagem até ao extraordinário futebol do Médio Oriente, de onde sairá para Alvalade a troco de meio milhão de euros.

Porquê Marcel Keizer, caro Frederico Varandas? O que recomenda ao Sporting a aposta num treinador de 49 anos, sem um único trabalho de excelência registado até agora? Bastou o elogio do doutor João Pedro Araújo, futuro médico dos leões e que conheceu Keizer no Al Jazira?

No futebol não há impossíveis. Keizer até me pode surpreender – cá estarei para assumir a minha Opinião de hoje – e conduzir o Sporting ao sucesso há tantos anos perdido. Mas, sublinho, nada nesta altura o recomenda para a tarefa. Hercúlea.

Keizer estará seguramente bem rodeado. As equipas técnicas do futebol moderno são tão numerosas como uma companhia de circo. Preparadores físicos, fisiologistas, estrategas militares, nutricionistas elegantes, psicólogos pacientes, decoradores de interiores, pilotos de caças e adjuntos confidentes. Nada lhe faltará, por certo, mas a responsabilidade final será sempre sua.

E de Frederico Varandas. Para já, a questão é simples, senhor presidente: porquê Marcel Keizer?

PS 1: o último treinador não português do Sporting foi Franky Vercauteren. Época 2012/13. Sabem de onde vinha o belga? Do Al Jazira, o mesmo clube que agora vendeu Marcel Keizer aos leões. Uma coincidência. Vercauteren aguentou 11 jogos em Alvalade e conseguiu só duas vitórias, mas tinha um currículo mais importante do que o holandês Keizer. Além de ter sido um tremendo futebolista, Vercauteren trazia trabalhos bem sucedidos no Genk e no Anderlecht. 

PS 2: abomino o uso abusivo da expressão «projeto» no futebol profissional. Recuso-a. Por ser um paradoxo num tempo em que os resultados são urgentes e o tempo de espera não existe. Se Marcel Keizer chega ao Sporting para desenhar um projeto romântico e pintar o futebol leonino - das escolinhas aos seniores - com as cores da Holanda, então temo o pior para Frederico Varandas.  
       
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(Artigo publicado às 23:45 de 8 de novembro)