A Federação Portuguesa de Futebol divulgou um texto do saudoso David Sequerra, antigo jornalista e selecionador nacional - falecido em janeiro - esta quinta-feira, dia em que a Cidade de Futebol recebeu a visita de dos campeões da Europa de juniores de 1961.

No artigo, Sequerra recorda um episódio vivido com Serafim nesse ano, antes de um jogo da seleção nacional de juniores contra a poderosa Inglaterra.
 

Serafim foi um ponta de lança poderoso, com passagens por FC Porto (1960 a 1963), Benfica (1963 a 1966) e Académica (1966 a 1973). Faleceu em 1994 e mereceu uma prosa extraordinária de David Sequerra, a propósito do tal jogo contra a Inglaterra.

O jogo realizou-se depois de um nulo dececionante contra a Itália e de uma exibição cinzenta de Serafim, o goleador da equipa. Senhor de um apetite voraz, fora do comum, o goleador teve de ser controlado por David Sequerra e José Maria Pedroto.

Aqui fica um excerto dessa fantástica história:


« (...) Havia que ter em atenção à conduta de Serafim a poucas horas desse importante Portugal-Inglaterra.

Após troca de impressões com “Mister” Pedroto decidimos controlar de perto o almoço do Serafim, a poucas horas do jogo de Alvalade. Sentámo-lo ao nosso lado e recomendámos parcimónia e “tolerância zero” ao empregado de mesa que nos servia a refeição de apropriado menu: sopa de legumes, pequenos medalhões – bifinhos de vitela, com arroz branco e fruta da época.

A cada jogador servir-se-iam 2 pequenos bifes – nada mais! E era esse o nosso atento controlo à frugalidade do jovem Serafim.

Ao nosso lado alegre e de notório apetite, Serafim “limpou” a sopa com invulgar rapidez e tivemos que o travar quanto à carcaça de serviço… e veio o conduto, de óptima apresentação, sob os efeitos a nossa justificada recomendação: apenas dois bifes por cada jogador e o arroz q.b..

Chegada a vez de Serafim, o zeloso empregado colocou-lhe no prato o dueto de bifinhos mas o jovem fez-lhe sinal, piscou-lhe o olho e solicitou uma dose extra de mais duas unidades, redondinhas, bonitas e apetitosas.

O pedido ia ter aceitação quando tanto eu como o “Zé” Pedroto nos apercebemos da simpatia extra do empregado, rendido àquela “clandestinidade”  do Serafim.

Fomos a tempo e decretámos:

- Só dois bifinhos e nada mais!...

O jovem amuou. O empregado sorriu. Nós ficámos mais tranquilos. E um certo silêncio perdurou naquela zona do almoço de pré-competição.

Tarde de 2 de Abril de 1961, no Estádio de Alvalade. Bastante público, bem marcante expectativa para esse Portugal-Inglaterra da 2ª Jornada do Torneio da UEFA. Jogo bem conseguido – rotundo êxito de 4-0, a coroar a belíssima exibição, com destaque para Serafim, autor de 2 golos, perigo constante para o afadigado “keeper” Jimmy Jackson.

No final do jogo, naturalmente feliz, entrei no relvado para abraçar Serafim e, pensava eu exercitar o meu sentido pedagógico em termos de gastronomia. E disse:

- Vês Serafim, como foi bom não teres comido tanto. Jogaste muito melhor do que no Porto, há dias, e os teus dois golos foram esplendidos. Parabéns!

- Pois é… só com 2 bifes e fiz 2 golos, se me tivesse deixado comer 4 bifes tinha feito 4 golos!

Desfiz o abraço, engoli em seco, fiquei a pensar como pode ser complicada essa contabilidade dos bifes…»