A conclusão da Cimeira Inter-Regional de Política Desportiva nesta terça-feira deixou a garantia de uma ação a nível internacional na defesa da integridade no desporto. No evento organizado em Lisboa pelo Centro Internacional para a Segurança no Desporto (ICSS) sobre políticas públicas, as apostas nos jogos e o tráfico de menores não puderam escapar ao centro dos debates.

As apostas ilegais geram 500 milhões de euros que são ganhos à custa do desporto e estes processos estão também na origem de expedientes ilegais como a manipulação de jogos. «É preciso ação a partir do topo e dizer que a manipulação de jogos é um crime. Não há muitos países que dizem isso na lei», afirma Stuart Page, responsável do ICSS para as políticas anticorrupção deixando um exemplo a seguir: «Na Nova Zelândia, passou a ser um crime punido com sete anos de prisão.»

«Há o desporto e as indústrias do desporto», diz Page frisando que «as apostas geram muito dinheiro», mas perguntando «quanto é que dão de retorno ao desporto». «Há um bilião de dólares (943 mil milhões de euros) em apostas em todo o mundo. Porque não aplicar esse dinheiro no desporto?», volta a perguntar.

O perito em anticorrupção ressalva que «os papéis não estão ainda definidos» e é preciso envolver governos, setores privados, clubes, donos de clubes, etc. na resolução de um «crime transnacional»: «Vamos legislar, vamos regular o dinheiro no desporto e revertê-lo para os adeptos e para a formação.»

Emídio Guerreiro assume que «é preciso regular o mundo das apostas, que não tem fonteiras físicas» e, por isso «não basta que cada país tenha as suas próprias leis». É preciso uma entidade de cúpula, que consiga fazer a fiscalização», afirmou o secretário de Estado do Desporto e da Juventude. «Neste «desafio imenso», é «preciso envolver mais os governos e que exista um maior comprometimento de todos» sendo esta «a altura de avançar para ações concertadas».



Este é um problema mundial que os governos nacionais têm de resolver a nível transnacional, pois aqueles «estão sempre implicados», como analisou Matt Andrews. O professor a Harvard Kennedy School, nos EUA, salienta, porém, que «diferentes governos exigem diferentes abordagens». E não só. Dentro de um mesmo país também há níveis distintos de poder, pois um governo nacional preocupar-se-á com um orçamento, mas «abaixo dos governos é onde há os campos, onde estão os problemas dos cidadãos, onde as pessoas fazem desporto». «É necessário interação dos setores da sociedade, da educação, da saúde, com o desporto», pois «a complexidade do setor não foi acompanhada pela resposta política», afirma Andrews.

Em Portugal, o problema da imigração ilegal passou a merecer uma «fiscalização muito apertada desde o início do ano», como referiu no Palácio Foz António Carlos Patrício, responsável pela Direção Central de Investigação do serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O diretor deste departamento refere que «é prematuro dizer que há uma rede ou que há tráfico» de menores em Portugal, assim como a imigração ilegal associada ao futebol é marcada por «jogadores de África e da América do Sul», mas «não especificamente dos Palop».

António Carlos Patrício pormenorizou sobre a «operação de grande impacto a nível nacional a entidades desportivas» em que o SEF «fiscalizou cerca de meia centena de clubes e detetou 40 pessoas em situação irregular». «Haverá também clubes da Liga entre os infratores», confirmou o responsável acrescentando que «dois terços dos clubes [do total investigado] tinham situações de irregularidades». Foram instaurados dez inquéritos e houve várias multas por infração.

Os casos de jovens que obtêm vistos para educação para conseguirem entrar em Portugal para irem para clubes de futebol e que, depois, ficam em situação ilegal estão a aumentar e foi proposta a «criação de um grupo específico de acompanhamento», pois, «regista-se um fluxo de menores no fenómeno da imigração ilegal». Este crime é combatido em «articulação com os Tribunal de Menores e com o Ministério Público», assim como SEF tem mantido «reuniões com a Liga, a FPF e o Sindicato dos Jogadores [Profissionais de Futebol]».



Joaquim Evangelista esteve também na cimeira e foi também em conversa com os jornalistas que não só confirmou as reuniões com o SEf bem como o «diálogo também com FPF e Liga». O presidente do Sindicato diz que o organismo tem «atuado no plano social», pois este «é um problema de cidadania». Evangelista frisou que «os dirigentes que pactuam» com a imigração ilegal e/ou o tráfico de menores «têm de ser responsabilizados» e «erradicados» do futebol.

As apostas ilegais, a manipulação de jogos, os direitos económicos e os fundos, a titularidade do capital de sociedades, o papel dos agentes, o branqueamento de capitais, o tráfico de menores, a boa governança; todos estes temas foram abordados no debate de políticas públicas para integridade no desporto a nível mundial. São «problemas complexos que requerem concentração de meios» e que requerem também o «envolvimento de líderes mundiais», como frisou Emanuel Medeiros.

O diretos do ICSS na Europa revelou que as várias entidades representadas na cimeira de Lisboa – com representantes da UNESCO, da União Europeia, do Conselho Europeu, de governos nacionais, da UNESCO, da UEFA e da FIFA, da CPLP, da Commonwealth, entre outros – decidiram-se pela criação de um grupo de trabalho neste «pontapé de saída» que deverá ter frutos «no final do ano».

Esta «task force» composta por peritos das várias entidades representadas irá trabalhar para, daqui a um ano, em março de 2016, o ICSS voltar a Lisboa para nova cimeira.