No futebol, quando é uma rivalidade que está em jogo vale tudo para ganhar?

Não, claro que não.

Sérgio Conceição afirmou-o com todas as letras. Ruben Amorim teve vontade de rir.

E nós conseguimos perceber ambas as reações.

Vejamos, em alguma lei da rivalidade diz que não vale usar, por exemplo… Bichos? Mágicos? Bandidos? Grandes artistas? O Super-Mário?

Não nos parece.

E ninjas? Podem usar-se ninjas?

Oh, então não podem?

Olhem o FC Porto, por exemplo. Como é que na primeira época completa de Mourinho os dragões conquistaram a Taça de Portugal na final com a U. Leiria?

Com um ninja, pois claro. Aliás: com O Ninja.

Esse mesmo. Vanderlei Fernandes Silva, mais conhecido pelo nome de combate Derlei.

Mas calma! Porque o Sporting não se fica atrás.

Ou alguém se esquece que os leões usaram a mesma arma, precisamente contra o FC Porto, uns anos depois?

Sim, porque naquela final de 2008, quem deu a estocada final foi Rodrigo Tituí, mas quem é que andou durante 113 minutos a lutar com os defesas portistas?

A resposta é óbvia: O Ninja.

Ora, e se é de FC Porto, Sporting e Taça de Portugal que falamos, uma das nossas armas é a mesma.

Derlei, ele próprio.

«Esse jogo até podia ser a final»

Aos 46 anos, o ex-avançado, agora empresário nas áreas do imobiliário e construção civil, atende-nos o telefone no Brasil e basta-nos dizer que ligamos de Portugal para ele perceber do que se trata.

«Vem aí o Clássico, né?»

Assim mesmo, a mostrar que os reflexos continuam intactos.

«Ah, é um jogo importantíssimo. Até podia ser a final. Um Clássico é sempre especial, ainda para mais nesta fase da prova», introduz, antes de mostrar que continua a acompanhar o futebol português.

«É claro que a eliminatória ainda está em aberto, mas o FC Porto está em vantagem. Não só pelo resultado em Alvalade, como pela forma como está a jogar», analisa.

Grande conhecedor da arte de marcar golos, comos mostram os 95 golos apontados em 244 jogos ao serviço de FC Porto, Sporting, Benfica e U. Leiria, Derlei não espera um jogo de muitos golos no Dragão, mas acredita que ambas as equipas podem marcar na segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal, nesta quinta-feira.

«São duas equipas que raramente acabam um jogo sem marcar e ambas têm jogadores ‘com golo’. Paulinho, Slimani, Taremi… Todos bons jogadores com capacidade para decidir um jogo, também porque têm mais oportunidades para marcar pela posição em que jogam», defende.

Ao serviço do FC Porto, Derlei teve como companheiro de equipa Sérgio Conceição, atual treinador dos Dragões. E por pouco não se cruzou também com Ruben Amorim quando esteve no Benfica, ainda que se recorde bem de o ter como adversário.

E para o que ambos têm conseguido como técnicos, Derlei só tem elogios a fazer.

«São dois treinadores jovens, mas já consagrados e ambos campeões nacionais. Tanto o Sérgio como o Ruben têm feito um enorme trabalho e elevado o nome dos clubes e do futebol português. Já mostraram que têm uma capacidade enorme e inteligência acima da média. Têm demonstrado isso na forma como trabalham», aplaude.

Para isso, e sublinhando que quem não foi jogador também pode tornar-se bom treinador, o brasileiro aponta a experiência de balneário como fundamental para saber liderar um grupo de jogadores.

«Aqueles que foram atletas absorveram um pouco de cada treinador que tiveram e formaram a sua forma de treinar. E o que têm de especial é que conseguem colocar-se na pele dos jogadores porque passaram por lá há pouco tempo».

A tradição de ser feliz no Jamor e o fair-play do dia em que perdeu para o Benfica

Derlei jogou oito épocas em Portugal e, além dos dois campeonatos, da Taça UEFA, da Liga dos Campeões e da Taça Intercontinental que conquistou pelo FC Porto, venceu ainda duas Taças de Portugal.

As duas de que já falámos: contra a U. Leiria, pelos dragões; e contra o FC Porto, pelo Sporting.

Por isso, o Jamor, onde esta época apenas um dos clubes estará, é um palco que lhe traz boas memórias.

«Todas as finais jogadas no Estádio Nacional são especiais. Por tudo o que o futebol português já viveu naquele estádio. Não é para qualquer um jogar lá uma final. Certamente, no futuro, o estádio será modernizado, como todos, mas a história fica para sempre nos que lá jogaram um dia e eu não sou diferente», enaltece, lembrando as duas vezes que ergueu ali a Taça de Portugal.

«É uma recordação sempre boa. Fui quase sempre feliz no Jamor. Ganhei pelo FC Porto e depois pelo Sporting, contra o FC Porto. Curiosamente, quando ganhei foi sempre contra um clube onde tinha jogado. Tive a felicidade de muitas vezes estar do lado certo e de vencer», orgulha-se.

Mas na hora de eleger a tarde com mais significado que viveu no Jamor, Derlei não hesita um segundo.

«A final contra a U. Leiria foi a mais especial. Foi a minha primeira final no Jamor. E sair desse jogo vencedor, ainda por cima marcando o golo da vitória, é algo para não esquecer nunca», atira.

Além da felicidade que esse título lhe deu, o facto de estar do outro lado o clube que lhe abriu as portas de Portugal, tornou ainda mais especial esse dia.

«Por um lado, foi uma pena porque era a primeira vez que a U. Leiria chegava à final da Taça de Portugal, no culminar dos dois ou três melhores anos do clube. Mas eu estava a defender o FC Porto, apesar de ser muito grato pelo que a U. Leiria me proporcionou», declara.

«Há sempre um carinho pelo ex-clube, mas cada um tem de defender a sua camisola. Aquele era o meu primeiro ano no FC Porto, tinha de provar o meu valor e a confiança que o treinador mostrou em mim. Ali, mais uma vez consegui provar que valeu o investimento», orgulha-se Derlei.

Na época seguinte, o FC Porto voltou a jogar a final da Taça. Derlei voltou a marcar. Mas nesse ano, o troféu foi levantado pelo Benfica.

Ou seja, Derlei sabe o que é ganhar a Taça pelo FC Porto. Sabe o que é ganhar a Taça pelo Sporting. Mas também sabe o que é perder.

E mais do que isso: sabe perder.

Será que isso deixou um amargo de boca em Derlei? A resposta é não. E mostra um elevado sentido humano e de fair-play do antigo avançado.

«Perdi essa final da Taça para o Benfica a jogar pelo FC Porto, mas foi num ano muito especial. Nós tínhamos amigos do lado de lá e não custou tanto pelo que envolveu. Eles tinham perdido um companheiro. A tragédia do Fehér tinha sido há pouco tempo. Nós perdemos o jogo, mas a Taça ficou bem entregue e foi merecido por tudo o que o Benfica tinha passado», destaca.

Palavras que provam aquilo que se disse no início destas linhas. E que ainda há dias tiveram um exemplo claro a vir das bancadas do Liverpool em apoio a um momento difícil de Cristiano Ronaldo: não vale tudo para ganhar.

E agora, para este jogo que se espera «quentinho» até pelos acontecimentos do último confronto entre as equipas, por quem é que o Ninja vai estar a torcer?

«Toda a gente sabe que tenho um carinho enorme pelo Sporting por tudo o que me proporcionou. Mas foi o FC Porto que me abriu as portas a nível internacional e até nacional. Tenho uma ligação sentimental muito maior com o FC Porto, por isso, tenho de admitir que vou estar mais pelo FC Porto», remata.

Importante é que nesta quinta-feira, que se usem as armas que valem. Que se usem Potes. Que se usem Lewanilsons.

Que se jogue à bola. Esse Clássico.