O antigo árbitro Duarte Gomes recordou, em declarações à agência Lusa, um clássico «nada fácil de gerir», a 3 de abril de 2011, quando o FC Porto venceu em casa do Benfica, por 2-1, selando antecipadamente o 25.º título de campeão, fazendo depois a festa às escuras e com o sistema de rega acionado.

«Lembro-me do que estava em jogo. O FC Porto atingiu o seu objetivo a cinco rondas do fim do campeonato. O jogo teve os ingredientes normais de um clássico em que tudo se resolve: muita tensão, entrega, competitividade, cartões e penáltis. Não são jogos fáceis para os árbitros, que estão muito envolvidos, para lá do processo de decisão, na gestão emocional de atletas e pessoas à volta do jogo», começou por destacar

Um jogo que contou com um autogolo do espanhol Roberto, logo aos nove minutos, e um penálti convertido por Hulk, aos 26, e que permitiu aos dragões destronarem as águias que ainda igualaram o jogo aos 17 minutos, pelo argentino Javier Saviola, também desde a marca dos 11 metros.

«São jogos aliciantes. É importante para um árbitro sentir a confiança de quem nomeia, porque somos escolhidos em função da nossa forma psicológica, física e motivacional naquele momento, dos jogos que fazemos ou da nossa classificação. Quando há uma nomeação para um encontro que teoricamente pode ser decisivo, como é óbvio há um sentimento de elogio inerente à nomeação, que nos deixa felizes e motivados», admitiu.

Numa era ainda desprovida de vídeoárbitro (VAR), Duarte Gomes mostrou treze cartões, sobressaindo um duplo amarelo ao argentino Nicolás Otamendi, atualmente no Benfica, que deixou os pupilos de André Villas-Boas em inferioridade numérica, aos 70 minutos, e um vermelho direto na equipa de Jorge Jesus, para o paraguaio Óscar Cardozo, aos 86.

«Não me recordo do lance do Otamendi. Já o Cardozo, teve uma conduta completamente descabida, numa fase em que havia muita frustração emocional e muito pouco oxigénio. Os jogadores, tal como os árbitros, não são máquinas e muitas vezes sentem a pressão do jogo. O cansaço físico vai toldando a razão e há ali um ponto em que passam a linha, obviamente sem malícia, mas porque tiveram algum descontrolo emocional», explicou.

O então árbitro da associação de Lisboa admitiu que a presença em campo ao longo dos 90 minutos de 21 jogadores sul-americanos (10 no Benfica e 11 no FC Porto), que «são muito difíceis de lidar a nível de comportamento», ajudou a tornar o encontro «dificílimo».

«Havia vários jogadores combativos, algo que, num jogo desta natureza, torna tudo muito mais intenso, viril e disputado. Isso requer do árbitro muito mais concentração e faz com que haja situações no limite das leis que devem ser punidas. Sabíamos perfeitamente ao que íamos. Tal como previsto, tivemos vários lances cinzentos, dúvidas e fricção», notou.

Apesar da «enorme responsabilidade» associada a uma partida carregada de mediatismo, que traduz um «acréscimo de adrenalina pela positiva a nível emocional», Duarte Gomes sublinhou que a «preparação teórica, física e técnica» da equipa de arbitragem «foi igual».

«Há um sentimento especial por se saber que o jogo pode definir muita coisa. Um penálti ou um golo hoje em dia são muito mais do que um resultado desportivo. Muitas vezes, equivalem mesmo a muitos milhões de euros. Ou seja, os árbitros têm de assumir bem essa responsabilidade para elevarem o seu foco, concentração e abnegação. Até pelo mediatismo posterior que os jogos têm, sabem a importância de estarem bem», vincou.

De um «bom jogo para o álbum das memórias», Duarte Gomes, que ascendeu à primeira categoria em 1997 e ostentava as insígnias da FIFA desde 2002, até se retirar em 2016, guarda também um «episódio triste», quando «já tanto se pedia um futebol pela positiva».

Após o apito final, o Estádio da Luz ficou às escuras e foi acionado o sistema de rega do relvado, sem impedir os festejos da estrutura do FC Porto, perante um mundo do futebol «com demasiado ruído à volta», no qual «tudo é aproveitado para criar focos de incêndio».

«Quando entram em campo, os árbitros têm de saber que não vão apitar, mas arbitrar o jogo. Não é apenas fazer cumprir as leis de jogo, mas perceber que terão 22 homens em campo e várias dezenas de outros nos dois bancos, que estão completamente emotivos, com um objetivo bem definido e uma carga muito grande nos seus ombros a nível de pressão desportiva e dos próprios adeptos. Entram muito tensos no jogo», rememorou.

Além de «bom gestor de emoções», Duarte Gomes, de 49 anos, acredita que o «segredo» passa por «antecipar, prevenir e evitar que as coisas aconteçam», sob pena de haver «um juiz reativo, que dá mais cartões, apita mais faltas e anda a correr sempre atrás do jogo».

Os dragões podem voltar a festejar em casa do Benfica, onze anos depois e o comentador televisivo, que suplantou os 200 jogos na I Liga e os 100 nas provas europeias, espera que a arbitragem do jogo da 33.ª e penúltima jornada «seja a menor das preocupações».

«As equipas deverão dar o melhor nas variáveis que dominam. A arbitragem faz parte do jogo, mas está fora do controlo das equipas. Não se preocupem com o árbitro. Se forem melhores e mais consistentes, vão ultrapassar as variáveis e sair vencedores», finalizou.