Façam soar a Carmina Burana de Carl Orff, juntem-lhe as Valquírias de Wagner, liguem os holofotes, lancem os fogos de artifício, ouçam o clamor de 50 mil vozes e o ritmo descompassado de cada um desses corações.

O clássico dos clássicos é mesmo assim: um espetáculo para todos os sentidos.

Esta noite, no Dragão, os miúdos de Bruno Lage não se atemorizaram e fintaram o medo cénico que atormentou tantos Benficas de outrora.

Reviravolta no marcador e ultrapassagem na tabela classificativa. Um 2-1 em casa do campeão nacional, que chegava ao duelo com um ponto de vantagem e sai dele dois pontos atrás. Para Lage, era difícil aspirar a melhor.

Sérgio Conceição arriscou na véspera adivinhar o onze do Benfica e acertou em cheio. Para lá disso, o técnico portista fez regressar Marega, recuperado de lesão, e surpreendeu ao lançar de início Adrián no lugar de Tiquinho Soares e Manafá, quando se esperava o regresso de Éder Militão.

Lage apresentou a equipa esperada, com seis portugueses – metade deles canteranos –, e surgiu no Dragão disposto a repartir o domínio com o FC Porto.

FC Porto-Benfica, 1-2: ficha e jogo ao minuto

Entraram forte os dragões: pressão alta, privilégio do flanco esquerdo para atacar, com Brahimi a combinar bem com Telles ou a tentar resolver sozinho. Foi assim que sacou a Rúben Dias o único amarelo da primeira parte e conquistou o livre à entrada da área que valeu o golo a Adrián. Depois de bater contra a barreira, o espanhol aproveitou a recarga para rematar cruzado para surpreender Vlachodimos.

19 minutos e o FC Porto já ganhava por 1-0.

Tranquilizador para os dragões? Nada disso.

Se há coisa que torna distinto este Benfica é a segurança e velocidade com que troca a bola ao primeiro toque; ou com que varia o jogo de flanco em dois ou três toques.

A perder, o Benfica estendeu-se mais no relvado. Pressionou e colheu os frutos de um aparentemente inexplicável descontrolo emocional do FC Porto. Foram dez minutos de domínio claro imposto pelos encarnados, com o empate a surgir aos 26’.

Se é verdade que Adrián falhou a receção, Manafá falhou a disputa de bola e Pepe falhou o corte, há sobretudo muito mérito encarnado no golo. A recuperação de bola de Gabriel, o cruzamento de Seferovic e a classe com que João Félix domina e não treme na cara de um guarda-redes histórico, com quase o dobro da sua idade.

FC Porto-Benfica, 1-2: destaques dos dragões

Desastrado e errático no passe, Corona era o melhor espelho dos piores momentos do FC Porto. As melhores faces da equipa de Sérgio Conceição eram Brahimi e Óliver, naturalmente: impressionante como a bola sai sempre redonda dos pés do espanhol.

Do lado do Benfica, Pizzi mostrava-se decisivo: um dínamo nas transições rápidas. Numa delas, aos 45’, colocou Seferovic na cara de Casillas, que defendeu a punhos.

Ameaçava o Benfica ainda antes do intervalo o que haveria de consumar logo a abrir a segunda parte: combinação à entrada da área entre Pizzi e Rafa, que disparou rasteiro e colocado para a reviravolta no marcador.

Aos 52 minutos estava dada a cambalhota no marcador, mas havia quase meio clássico por jogar. E, aí, houve mais FC Porto. Em particular desde a contenda ao melhor estilo latino-americano que levou à expulsão justa de Gabriel, por atirar-se a Otávio depois de o derrubar sem margem para dúvidas.  

Com os dragões atrás do prejuízo, Conceição tirou Óliver para meter Danilo próximo de Felipe e Pepe e fez subir os laterais como se fossem alas.

FC Porto-Benfica, 1-2: destaques das águias

Conceição arriscou, Lage, com menos um, ajustou. Ambos fizeram o que lhes competia. Ao sentir a presa mais vulnerável, o dragão foi farejando o golo do empate, sem nunca lhe poder tocar.

Clássico dos sentidos, lembram-se?

Felipe atirou ao ferro e depois disparou para uma defesa enorme de Vlachodimos, que viria a travar também um desvio quase à queima-roupa de Marega na pequena área. A estatística, que estava equilibrada ao intervalo, caiu por completo para os portistas: 21-7 em remates, 61%-39% em posse de bola frente a um Benfica que quase dobrou o número de faltas (21-12).

Mas se a estatística era azul e branca, o resultado manteve-se vermelho vivo: 2-1 até ao final.

A dez jornadas do fim do campeonato, o Benfica ultrapassa o rival e campeão nacional, com mais dois pontos e vantagem no confronto direto.

Faltam 30 pontos, é certo, mas este Benfica de Lage sai reforçado do clássico ao ter ultrapassado a maior prova de fogo que teve até ao momento. Em nove jornadas com Bruno Lage no comando técnico, o Benfica recuperou nove pontos, a ponto de destronar da liderança um FC Porto que comandava desde a 8.ª jornada.

Quem passa e ultrapassa assim no Dragão, ganha o direito a ser favorito à conquista do título.

2 de março de 2019: os miúdos de Lage atingiram em definitivo a maioridade.

Até onde irão crescer?