Os três segundos lugares na Volta a Portugal (1959, 1963 e 1964) conquistados por Jorge Corvo fizeram do ciclismo o desporto preferido das gentes de Tavira. E o estatuto foi reforçado recentemente pelos triunfos de David Blanco (três vezes) e Ricardo Mestre na principal prova velocipédica nacional com a camisola do Clube de Ciclismo de Tavira.

No entanto, paulatinamente, um clube e uma modalidade vão emergindo e dividindo os tavirenses e as suas paixões desportivas. Referimo-nos ao andebol e ao Clube Vela de Tavira, cuja sede dista pouco mais de uma centena de metros da morada do Clube de Ciclismo.

Assim, nomes como o de Ricardo Dias – até à última época capitão da equipa do Sporting –, Nuno Gonçalves (que trocou neste defeso os leões pelo FC Porto) ou Lino Nunes (campeão europeu sub-18) também adquiram na cidade um respeito idêntico ao dos homens das bicicletas. E todos com o denominador comum chamado Vela de Tavira.

Fundado no dia 17 de setembro de 1975, o Clube Vela de Tavira movimenta atualmente mais de 200 atletas no andebol, a modalidade rainha do clube, que também tem seções de BTT, duatlo, triatlo e tiro com arco.

António Madeira, antigo guarda-redes dos tempos gloriosos da equipa sénior que disputou a 1ªdivisão nacional, é o atual presidente da direção. «Foi por ter apanhado muitas boladas!», brincou com isso Hélder Leal, atual vice-presidente e coordenador técnico, na altura treinador da equipa. «Talvez… e fiquei maluco», concordou o presidente, depois de o Maisfutebol ter procurado saber por que se candidatara ao cargo. «Fica sempre o bichinho



«No ano passado a equipa sénior passou por dificuldades financeiras, e numa assembleia geral propus fazer-se uma festa para ajudar. Existia também um vazio diretivo e isso mexeu comigo. Rodeei-me de pessoas que tiveram sucesso no clube e concorri às eleições.», justificou depois António Madeira.

O dinheiro não abunda no clube e, além das despesas correntes, ainda se pagam erros do passado. «Temos estado a pagar muita coisa em atraso. Sobrevivemos, essencialmente, com os apoios do município. Também temos tido ajuda de empresas e particulares. Os atletas também pagam alguma coisa para podermos fazer face às despesas.», explicou o presidente.

Com 500 sócios – dos quais são 400 os que pagam as quotas de dois euros e meio mensais –, o Vela de Tavira tem de inventar receitas: «Só em iniciados femininos não ficámos apurados para o campeonato nacional. Isto requer despesas elevadas.» «Estamos também a dinamizar a parte social do clube, que tem estado esquecida, realizando bailes no Jardim da Alagoa, em que exploramos o bar. Uma das próximas fases passa pelo embelezamento da sede, para cativarmos os sócios», revela António Madeira.

Nesta temporada que está a terminar o clube teve equipas em todos os escalões masculinos e femininos – exceto em juniores. Nas senhoras, a equipa sénior disputou a 1ª divisão nacional, mas não evitou a descida. Os juvenis masculinos mantiveram-se na 1ª divisão.

A sede social do clube funciona numa antiga casa de banhos termal de uma fonte contígua sendo visível no salão central a antiga bomba que puxava a água para os oito compartimentos que continham as banheiras. O edifício pertence à Câmara Municipal de Tavira e está cedido ao clube por 50 anos.



Hélder Leal, vice-presidente e coordenador técnico, é profundo conhecedor da história do clube estando na coletividade quase desde o seu início. «O Vela de Tavira nasceu nas Quatro Águas, onde atualmente funciona o Clube Náutico, através de um grupo da Mocidade Portuguesa. Começou com a vela, seguiu-se o atletismo e depois o andebol.», descreveu o dirigente.

«A grande maioria dos praticantes de vela (que pertenciam à Mocidade Portuguesa) também jogavam andebol, no Desportivo Tavirense. O Vela de Tavira aproveitou então para aderir à modalidade», acrescentou.

«Os maiores êxitos pertencem ao andebol, mas no atletismo (e especificamente nos escalões de formação) já tivemos campeões nacionais de marcha e triplo-salto», disse ainda Hélder Leal, que no dia 10 de junho de 1993, em Rio Maior, viveu como treinador o momento mais alto da vida do clube: a subida à 1ª divisão em seniores masculinos, depois da vitória sobre o Académico do Funchal, na liguilha de acesso.

«Naquela altura havia poucas comunicações. No regresso de Rio Maior parámos para comer em Canal Caveira. Havia uma grande festa e o dono do restaurante até nos ofereceu uma garrafa de whisky. A comitiva era enorme, com autocarros de todo o sotavento do Algarve, desde Olhão a Alcoutim, pois foram requisitadas todas as viaturas disponíveis para levar os nossos apoiantes. Eu conduzia uma carrinha e quando entrámos na Via do Infante escoltados por motos, começámos a ouvir na Rádio Gilão a festa que havia na cidade. Foi um pandemónio quando chegámos e fomos levados em ombros», lembra Hélder Leal, que tinha como guarda-redes António Madeira, o atual presidente.



A aventura no principal campeonato português só durou um ano. «Foi uma época atípica, com o europeu em Portugal [1994], e em que o campeonato só teve uma fase devido à preparação da Seleção. Sem a segunda fase, as nossas hipóteses de manutenção diminuíram», lamentou Hélder Leal.

Em Tavira, existe vontade de reviver esses bons momentos, mas o caminho faz-se sem pressas. «Talvez daqui a seis anos», acredita António Madeira, ciente de que o trabalho que está a ser efetuado na formação acabará por ser frutuoso. «O presidente diz que é daqui a seis anos, mas depende de muitos fatores. Se calhar, na próxima época, temos a equipa de seniores femininos a subir de novo à 1ª divisão. No ano passado fomos campeões nacionais da 2ª divisão feminina e jogámos a 1ª divisão com uma equipa de juniores, que está em evolução. Por isso, é expectável que lutemos por voltar à 1ª divisão», acrescenta Hélder Leal lembrando também o outro momento máximo do clube, que foi a conquista do título de campeão da 2ª divisão feminina, em 2012/2013.

E é nas senhoras que os dirigentes do Vela de Tavira têm mais esperança num futuro próximo mais risonho. «Nos masculinos será mais complicado porque o clube esteve muitos anos sem iniciação desportiva. Esta direção está a plantar os primeiros frutos que irão alimentar a equipa sénior e este ano já tivemos quatro juvenis na equipa. A formação serve para colocar jogadores nas equipas seniores, que são o rosto do clube», observou o presidente referindo também com orgulho, os nomes de três jovens que estiveram este ano na Seleção Nacional de iniciados (juniores C): Vitorino, João Silva e Henrique Nunes.



No início desta reportagem foram invocados nomes de jogadores formados no Vela de Tavira e que se destacaram no andebol nacional. Passaram todos pelas mãos de Hélder Leal. «O Lino Nunes jogou sempre no Vela de Tavira e, por ter sido campeão europeu, deverá ser o expoente máximo. Ainda jogou na seleção B, mas não chegou à seleção A, como o Ricardo Dias. Mas foi campeão europeu sub-18, que é o único título que Portugal tem na modalidade», observou o «vice».

«O Ricardo Dias jogou na seleção A de Portugal e foi vários anos capitão do Sporting. Agora, há um miúdo, o Nuno Gonçalves, que no ano passado jogou no Sporting e que vai para o FC Porto. Mas dá-me tristeza falar disto… porque o que eu quero é que joguem no Vela», prosseguiu Hélder Leal conformado por perder pérolas para os clubes grandes.

«Ainda ontem o João Vítor Martins (juvenil do Benfica) chorou ao pé de mim... Disse-lhe que ele tinha sempre o lugar dele em aberto se o Benfica o mandar embora», contou ainda. «Isto não me dá alegria nenhuma porque são nossos concorrentes no campeonato nacional de juvenis. E, nesta época, no primeiro jogo em Tavira com o Benfica, os primeiros seis golos que eles marcaram, foram através do João Vítor Martins [5] e do Cristian Toscano [1], que foram nossos jogadores.», justificou Hélder Leal.

«Os jogadores saem cada vez mais jovens para os clubes grandes. Enquanto o Ricardo Dias saiu para o Sporting no primeiro ano de sénior e se implementou logo na equipa principal, sendo capitão passados apenas quatro anos, agora, os grandes vêm buscá-los logo nos juvenis. Nos últimos três anos levaram-nos três jogadores: o Nuno Gonçalves para o Sporting, e o Cristian Toscano e o João Vítor Martins para o Benfica», lamentou.

Até porque considera que em Tavira também poderiam evoluir como jogadores: «Se tiverem a possibilidade de serem profissionais e ganharem dinheiro, como no caso do Ricardo Dias, não há nada a dizer. Agora, trocar por trocar só para dizer que jogam num grande em vez de jogar no Vela de Tavira... É que nesses clubes não têm melhores condições, nem melhores treinadores ou dirigentes do que nós. Lá em cima até fazem mais quilómetros para treinarem, além de o fazerem em horas mais impróprias.»



Na secretaria do clube é visível numa parede um quadro com uma camisola do Sporting, oferecida por Ricardo Dias. «O Ricardo Dias está sempre ao nosso lado e mostra-se sempre disponível para ajudar. Vai ser homenageado no dia 12 de julho, na nossa sede na festa de encerramento da época do Clube de Vela, depois de um jogo entre velhas guardas.»

O relacionamento dos ex-jogadores com o clube não é todo igual, mas nenhum se esquece do Vela de Tavira. «O Nuno [Gonçalves] é diferente. Enquanto o Ricardo [Dias] vem cá e sempre que tem disponibilidade vê os nossos jogos, mesmo em Lisboa, o Nuno nem tanto. Mas isso tem a ver com a personalidade de cada um. O João Vítor Martins também nos acompanha para todo o lado. E, ainda na semana passada, esteve presente num jantar da nossa equipa de juvenis», contou Hélder Leal.