Na pacata localidade da Luz de Tavira, no Algarve, existe um clube que nasceu inspirado nas aventuras de um cowboy sonâmbulo. Numa viagem de memórias até ao ano de 1975, Rui Correia e Mário Santos, explicam como surgiu a ideia de colocarem o nome Sonâmbulos ao grupo de amigos que se juntavam nos verões para participarem nas maratonas e torneios de futebol de cinco – ou de salão (como se chamavam, na altura) das redondezas.

«Antes de 1979, o pessoal mais velho da Luz [de Tavira] fez uma equipa para entrar num grande torneio de futebol de salão, que foi lá realizado. Eram seis ou sete amigos, não tinham nome para a equipa, e um deles estava a ler um livro de cowboys, que tinha um cowboy sonâmbulo como personagem. E decidiram que a equipa se chamaria Sonâmbulos», recorda Rui Correia, presidente dos Sonâmbulos Futsal Luzense Associação, clube fundado a 12 de dezembro de 1979, mas que só teve direção a partir de 1993, com a publicação dos estatutos e a realização de eleições. Rui Correia é presidente desde essa data.

Em 1975, Vítor Pacheco, Mário Santos, Lino Vitorino e Carlos Jerónimo, juntavam-se quase todos os dias, numa sala contígua à padaria dos pais de Vítor, para lerem livros de coboiada. «Eram livros do Condor e do Apache. Não sabíamos que nome dar à equipa, e eu estava a ler um livro em que um dos heróis era um cowboy sonâmbulo, e daí surgiu a ideia. Fomos comprar oito camisolas de cavas a 20 ou 25 escudos cada – tinham de ser assim porque não tínhamos dinheiro para comprar com mangas – compradas numa loja (porque nas casas de desporto eram mais caras) e organizámos matinés para arranjar dinheiro para a equipa», pormenoriza Mário Santos.



«Aquilo morreu por ali, mas em 1979 realizou-se um torneio no natal para miúdos até aos 12 anos. E como eles tinham equipamentos emprestaram-nos e fomos jogar com o nome de Sonâmbulos. A partir daí, nós, os miúdos, começámos a entrar em todos os torneios e maratonas que se realizavam na zona de Tavira. Até que em 1993 decidimos fazer a escritura do clube, para começarmos a participar em campeonatos mais a sério.», continua Rui Correia.

«Aos finais de tarde e nas férias da escola íamos para a Casa do Povo jogar futsal... naquela altura chamava-se futebol de cinco… e valia tudo e mais alguma coisa! Fomos apanhando o gosto pela modalidade e nunca optámos pelo futebol de onze porque na Luz de Tavira nunca houve grandes tradições na modalidade, que até tinha campo, mas estava praticamente abandonado. Mas no futsal organizávamo-nos para entrarmos nos torneios e maratonas de verão. Já tivemos secções de pesca e de cicloturismo, mas acabámos por desistir. A pesca foi para a Sociedade Recreativa Musical Luzense, e a secção do cicloturismo fundou um clube, o Clube de Cicloturismo da Luz de Tavira. Para já é futsal. A Luz é tão pequena e quem quer ter muita coisa acaba por não fazer nada bem. Assim, dedicamo-nos a cem por cento à modalidade», explica Rui Correia.

As cores dos Sonâmbulos, o preto e amarelo listados, permanecem inalteráveis. E uma das camisolas de cavas até está emoldurada religiosamente na sede do clube, que funciona no rés-do-chão da inativa estação de comboios da Luz de Tavira. «Estamos lá desde 1993, através de uma permuta com a Câmara Municipal de Tavira.



Os comboios param, mas a estação está fechada. No primeiro piso mora um funcionário da Refer e nós ficámos com o piso de baixo. Mas aquilo não tem condições mínimas, nem sequer tem água canalizada, nem casas de banho. Utilizamos aquilo para guardarmos a nossa papelada e os equipamentos, que já não são poucos. Por exemplo, esta semana temos cinco equipas que vão jogar fora e duas jogam em casa. Só por aqui podem ver a quantidade de camisolas, calções e meias que é preciso preparar. Temos um diretor, o Carlos Isidro, que se responsabiliza pelos equipamentos e pelas sandes e sumos para os miúdos, quando jogamos fora», conta Rui Correia esperando por melhores dias (financeiramente falando) para que seja edificada uma sede num terreno que foi oferecido ao clube.

A afirmação do clube no futsal tem sido dada com passos firmes, estando a equipa sénior a disputar o campeonato nacional de seniores (o segundo escalão nacional) e a de juniores no campeonato nacional. «Temos equipas desde os benjamins ao Inatel, e temos também miúdos dos 4 aos 7 anos, que não podem ser inscritos porque não têm idade. Falta-nos o feminino e é por aí que poderá passar a nova aposta do clube, talvez daqui a duas épocas», conta orgulhoso dos 100 atletas federados, a que se juntam mais 25 não federados, que o clube alberga.

A consolidação do nome do clube no futsal nacional retira espaço a brincadeiras que antes sugeria. «Achavam piada quando aparecemos, mas agora já não tanto, porque já começamos a ser conhecidos. Mas no início era engraçado, principalmente quando telefonava para marcar as refeições ou estadias para a equipa quando íamos às ilhas. Toda a gente achava piada quando dizia que era para os Sonâmbulos. Quando fomos jogar pela primeira vez com o Pantufas – uma equipa de Setúbal –, no cartaz que eles fizeram para o jogo, colocaram: «Sonâmbulos de Pantufas», em vez de «Pantufas vs. Sonâmbulos». Fartámo-nos de rir com isso», conta Rui Correia.



Subir à 1ª divisão é uma aspiração, mas ainda distante. «É um sonho que temos!» «Quando estávamos no distrital queríamos subir à 3ª divisão, depois à 2ª – onde estamos neste momento – e agora queremos ir para a 1ª. Mas ainda nos falta muita coisa, essencialmente no aspeto monetário, porque uma equipa do Algarve nesse escalão não gasta menos de 150 mil euros. E, neste momento, é completamente impossível. Para acreditarmos nisso tínhamos que ter um grande apoio da Câmara Municipal de Tavira. Não pedimos que nos dessem esse dinheiro, mas que nos ajudassem a arranjar um patrocinador que arcasse com isso», revela Rui Correia.

«Temos um protocolo com a Câmara, que é de onde vem a maior parte da nossa verba. Temos também um apoio monetário da junta de freguesia e temos também o apoio dos comerciantes e empresas da zona, com a colação de uma faixa no pavilhão. E temos um sponsor para a equipa sénior e outro para a de juniores», explica Rui Correia sobre a ginástica financeira que o clube – com 160 sócios que pagam 18 euros anuais - tem que fazer para manter a atividade.

Os Sonâmbulos organizam também um torneio internacional em setembro, que já teve a participação de Benfica, Sporting, Belenenses, Olivais, Leões do Porto Salvo, de uma equipa inglesa e do Mellilla (de Espanha). Neste ano será entre 9 e 12 de setembro, mas ainda não tem equipas definidas. O clube organiza ainda (há mais de 25 anos) no verão, a Maratona Sebastião Fernandes, em memória do responsável do torneio de natal que se realizou em 1979, e que deu força à reorganização do clube.



Como o futsal é o desporto-rei na localidade do concelho de Tavira é rara a partida que não enche o Pavilhão Municipal. «Os jogos dos juniores e dos seniores têm sempre boa moldura humana. Nos juniores, nos jogos com o Benfica e o com Sporting esgotaram os seiscentos lugares e nos jogos dos seniores estão sempre quatrocentas a quinhentas pessoas», observa Rui Correia recordando ainda os confrontos com os grandes de Lisboa: «Fomos ganhar 4-3 ao Benfica, em Lisboa. Foi um jogo que ficou na nossa história e deu em direto na «Benfica TV». Não pude ir com eles e assinei de propósito a «Benfica TV», para ver esse jogo. Aqui perdemos pelo mesmo resultado (4-3). E com o Sporting perdemos os dois jogos.»

Miguel Brito é uma das estrelas da equipa de juniores e tem sido convocado regularmente para a seleção nacional de sub-19. E até fez o segundo golo no jogo de preparação que se realizou esta semana, com a Polónia, e que Portugal ganhou por 3-1. «O Miguel Brito e o Igor Figueiredo, que esta época foi para o Benfica, são chamados para os trabalhos da seleção desde a época passada», enaltece Rui Correia, orgulhoso do trabalho que tem sido efetuado na formação do clube.