A História de Um Jogo é uma rubrica do Maisfutebol. Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias e heróis de campeonatos passados. Às quinta-feiras, de 15 em 15 dias.

Medellín. É bem possível que ao ler o nome da cidade lhe entrem pelos ouvidos os acordes de ‘Tuyo’.  Provavelmente, a primeira imagem futebolística que lhe «entra pela mente» é a do mais famoso cidadão da cidade de Antioquia. Medellín ainda é a terra de Pablo Escobar.

Tal como são Deportivo Independiente de Medellín [DIM] e Atlético Nacional. Um amor, outro negócio, um pobre, outro rico, um vermelho, outro verde, um clube de Medellín, o outro também. Ambos ‘clásico paisa’, nome deste duelo escaldante em virtude do nome dos habitantes do departamento de Antioquia, um dos 32 que compõem a Colômbia e que se reedita no domingo.

Este é um dérbi que tem os ingredientes todos. Primeiro, as cores. Rojos de um lado, Verdolagas do outro. A classe trabalhadora no Independiente, a classe alta no Atlético Nacional. E se a hinchada deste são os ‘Los del Sur’ [os do sul], a claque vermelha do DIM é a ‘La Rexixtencia Norte’.

Cor, classe social, geografia, diferenças enfiadas num só estádio, o Atanasio Girardot. É aqui que muitas das mais famosas fotografias de Pablo Escobar são tiradas. Adepto fervoroso de futebol, o barão da droga era presença assídua no recinto. El Patron, como era conhecido, teve um impacto tremendo na modalidade. Não pelo amor ao DIM, mas pelo negócio com o Nacional.

Fotografia de 1983: Pablo Escobar, à esquerda, assiste a um jogo de futebol em Medellín (AP Photo/File)

O futebol em Medellín cresceu com o dinheiro da droga. Escobar investiu em campos, fez torneios nos bairros, juntou comunidades à volta de uma bola…sem esquecer que esta voltava sempre, pela admiração e/ou submissão, para ele.

René Higuita é exemplo de tudo isto. Nascido em Medellín, o mais excêntrico dos guarda-redes cresceu nesses campos que o dinheiro do narcotráfico proporcionou. Já profissional, deixou Bogotá e o Millonarios para assinar pelo clube rival: o Atlético Nacional de Medellín, comandado por Pablo Escobar, um homem que o jogador chamava de amigo e chegou a visitar na infame prisão ‘La Catedral’.

O líder do cartel de Medellín nunca teve cargo oficial no clube. O mítico treinador Pachu Maturana até já tentou negar que Pablo Escobar teve influência no clube e na Libertadores de 1989, mas esta é uma daquelas coisas que o povo e o governo colombiano e até a DEA americana sabia que era assim. Simplesmente, nunca ninguém o provou.

Os indícios, porém, estavam lá todos. A prática foi comum aos barões colombianos, que aproveitavam o futebol para lavagem de dinheiro, daí que muitos deles tivessem ‘patrocinado’ clubes. Escobar era também um apaixonado pela modalidade. Quando a Colômbia assinou um tratado de extradição com os EUA, e depois do assassinato do ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla, o primeiro extraditado foi um dirigente desportivo: nada mais, nada menos que o presidente do Atlético Nacional, acusado de lavagem de dinheiro.

O 'clásico paisa' no Atanasio Girardot: o Nacional é mais titulado, mas o DIM venceu a única final do campeonato disputada entre ambos em 2004

Hernán Botero Moreno sempre negou ter conhecido Pablo Escobar e, até então, o seu episódio mais rocambolesco foi acenar um maço de dólares precisamente num dérbi Atlético Nacional-Independiente Medellín para sugerir que o árbitro tinha sido comprado.

Quando o dirigente foi extraditado para os EUA, a DIMAYOR, entidade que organiza os campeonatos, suspendeu toda a jornada em protesto. A liga colombiana era, ela própria uma espécie de cartel aos olhos exteriores…

Outro indício claro era este: à medida que os cartéis prosperavam, a liga colombiana crescia ao ponto de a meio da década de 80 os clubes do país começassem a chegar à final da Libertadores. Quais foram? O América de Cali e o Atlético Nacional de Medellín. Se conhecer um pouco da história do narcotráfico, os nomes das cidades bastam-lhe…

Os verdolagas foram o primeiro clube colombiano a vencer a Libertadores. Sucedeu em 1989, ano em que o nome do campeão da Colômbia não existe: está em branco, pois a liga foi suspensa após o assassinato do árbitro assistente Alvaro Ortega.

No ano em que o Atlético Nacional era campeão do continente, o Independiente podia ser campeão do país. Aquele fiscal de linha anulou um golo no duelo do DIM com o América de Cali e o 0-0 ditou que estes continuassem na frente da tabela.

Alegadamente, Pablo Escobar mandou assassinar o árbitro assistente. Alegadamente, por ter apostado no jogo. Isto muito antes de o filho revelar numa entrevista que, apesar de todo o seu passado ligado ao Atlético Nacional, o amor futebolístico de Pablo Escobar era, afinal, o Deportivo Independiente de Medellín.

E é assim que, neste fim de semana, o estádio Atanasio Girardot recebe nova edição do ‘clásico paisa’. Um duelo entre o amor e o negócio de um narcotraficante. Dois clubes que futebolisticamente falando deram a conhecer ao mundo não só Higuita, mas Faustino Asprilla e Jackson ‘Cha Cha Cha’ Martinez, para além da infeliz história de outro Escobar. Andrés, de seu nome.

René Higuita com as cores do Nacional