A FIFA vai eleger nesta sexta-feira o seu presidente. Mas, antes, o organismo levará também a sufrágio as anunciadas reformas que pretendem a sua regeneração perante o olhar do mundo (entre adeptos do futebol e justiça – e patrocinadores, também). É essencial haver mais transparência num organismo que ainda é tido como vítima dos que o geriram antes de passar a ser ele mesmo visto como o problema. O futuro começa já a seguir.

- O que vai passar-se?

O Congresso Extraordinário da FIFA que vai realizar-se nesta sexta-feira em Zurique foi marcado na sequência do anúncio feito em junho por Joseph Blatter (o antigo presidente substituído interinamente pelo camaronês Issa Hayatou ) de que resignava ao cargo Em dezembro do ano passado, o Comité Executivo da FIFA decidiu a implementação de uma série de reformas que terão agora de ser sufragadas neste congresso. Após essa aprovação será feita a eleição do novo presidente da FIFA, o 12º ponto da agenda.

- Que reformas?

Entre as várias reformas propostas ganham especial destaque as que incidem no limite de mandatos, na separação de poderes (entre quem dirige e quem gere), na independência e eficácia dos comités, nos controlos de integridade dos seus membros, ou na transparência pela maior diversidade nos representantes da atividade.

As reformas precisam de ter 75% de aprovação dos votantes.

A FIFA quer a limitação de mandatos – o do presidente deverá ser limitado a 12 anos – assim como a publicitação dos ordenados dos seus responsáveis. O Comité Executivo (24 membros) será substituído por um novo Conselho, de 36 membros, com um mínimo de seis mulheres: o presidente da FIFA terá poderes mais reduzidos dirigindo um grupo de executivos – cuja metade será de membros independentes – que terão os acordos comerciais a seu cargo.

A gestão corrente da FIFA será feita por um novo secretariado geral nos moldes de um conselho de administração de uma empresa com o seu secretário geral (espécie de CEO) com poderes de facto.

Pretende-se a redução do número de comités dando importância especial ao Comité de Auditoria e Observância que se pretende independente.

Todas as 209 associações deverão fazer auditorias anuais independentes e os seus representantes ficam sem responsabilidade política nas decisões.

- Quem são os candidatos?

ALI BIN AL-HUSSEIN

O presidente da Federação de Futebol da Jordânia tem já experiência no assunto. Afinal, foi ele o opositor de Joseph Blatter nas eleições do ano passado, sendo o único dos candidatos que foi mesmo às urnas enfrentar o líder do organismo, depois de várias desistências, entre as quais a de Luís Figo. Na altura, acabou por desistir à segunda volta, depois de a diferença verificada na primeira ter sido sintomática para o destino que o esperava. Já integrou o Comité Executivo e foi o primeiro a anunciar a candidatura para estas eleições, a 9 de setembro do ano passado, pouco depois do anúncio da saída de Blatter.

JÉRÔME CHAMPAGNE

Antigo membro da FIFA entre 1999 e 2010. Entrou no organismo após o Mundial de França, em 1998, quando desempenhou funções diplomáticas no comité de organização. Ao contrário do que aconteceu nas últimas eleições, desta feita Champagne vai até ao final. Em 2015 desistiu por falta de apoios. Já foi aliado de Blatter, estando na equipa da sua campanha de 2002, em que voltou a ser eleito, além de também estar ligado à ascensão de Michel Platini à presidência da UEFA. Apresentou recurso no TAS para suspender as eleições, mas não conseguiu ter sucesso

SALMAN BIN IBRAHIM AL-KHALIFA

É o atual presidente da Confederação Asiática de Futebol, tendo sido eleito desde 2013, depois de ter sido, em 2002, presidente da Federação de Futebol do Bahrain, o seu país. No seu mandato, a seleção do Bahrain conseguiu os melhores resultados de sempre, mas nunca se apurou para um Mundial ficando por duas vezes no play-off. Membro da família real do Bahrain, esteve também ligado, no passado, ao Comité de Disciplina da FIFA. A sua candidatura é polémica e contestada por várias associações de diretos humanos. A última foram os Repórteres Sem Fronteiras criticando a forma como os jornalistas são tratados no Bahrain.

TOKYO SEXWALE

De todos os candidatos é o que tem menor ligação ao futebol. É um empresário sul-africano conhecido no país por ser um político anti-aparthaid. Foi, inclusivamente, preso político durante 13 anos. Nas primeiras eleições livres da África do Sul, em 1994, foi eleito chefe de governo na província de Gauteng e, mais tarde, foi Ministro do Desenvolvimento Urbano entre 2009 e 2013. O Mundial da África do Sul, em 2010, fez com que se aproximasse do futebol e do universo FIFA.

GIANNI INFANTINO

A par de Champagne, representa a frente europeia na corrida à FIFA, embora a sua candidatura tenha um carimbo mais oficial por ser o atual secretário-geral da UEFA. Surge na corrida como substituto de Michel Platini, que tinha anunciado a sua intenção, mas acabou banido após as suspeitas de corrupção. É uma cara bem conhecida pela presença constante nos sorteios das provas europeias.

- Como decorre a eleição?

O voto para a eleição do presidente é secreto. Votam as 209 associações membros da FIFA, mas, atualmente, só 207 podem votar. O Kuwait e a Indonésia estão suspensos da votação por ingerência dos respetivos governos dos países nas competências das suas federações consignadas pelos estatutos da FIFA.

O presidente tem de ser eleito votação após votação. Para haver presidente na primeira votação tem de haver uma vitória por maioria de dois terços dos votantes. Se não houver dois terços faz-se nova votação para uma maioria de 105 votos eliminado o menos votado para uma nova votação se voltar a ser necessário.

-Quem ficou de fora na corrida?

MICHEL PLATINI

Foi presidente da UEFA até dezembro do ano passado, altura em que foi banido por oito anos na sequência de uma investigação por alegada corrupção por parte do Comité de Ética da FIFA. Em causa estão pagamentos feitos por Joseph Blatter ao francês no valor de mais de 1,6 milhões de euros que são considerados ilegais. Platini foi forçado, naturalmente, a desistir também da candidatura à FIFA que tinha apresentado em julho de 2015. Nesta semana, as penas do francês e do anterior presidente da FIFA foram reduzidas para seis anos de suspensão.

MUSA BILITY

Presidente da Federação de Futebol da Libéria, anunciou a sua candidatura em outubro do ano passado, mas a mesma acabou por ser recusada, quando as listas finais foram tornadas públicas, em novembro. Na origem da decisão esteve uma suspensão que recebeu em 2014 por usar para proveito próprio documentos confidenciais da Confederação Africana de Futebol. Assim, não passou no teste de integridade que a FIFA levou a cabo sob os candidatos.

DAVID NAKHID

Antigo jogador e capitão da seleção de Trinidad e Tobago, foi forçado a desistir da corrida por não ter conseguido as obrigatórias declarações de apoio. São necessárias cinco e Nakhid entregou o mínimo sendo que uma era da Federação das Ilhas Virgens Britânicas. Problema? A mesma Federação já tinha apoiado outro candidato, que não foi revelado, e, portanto, as suas declarações foram, ambas anuladas. Ao contrário do outro candidato, que tinha «suplentes», Nakhid acabou por ser, logo ali, afastado da corrida.

- Continuidade ou rutura?

Esta é uma questão fundamental para o futuro que nesta sexta-feira acontece. A transparência é um dos objetivos propostos: conseguir garanti-la à visão do mundo é fundamental. Essencial para a FIFA é também que as confederações continentais repliquem por si abaixo as reformas que estão preconizadas a partir do topo.

Até agora, a maioria das associações não tem por hábito tornar públicas as suas contas. Será problemático se esta reforma não se fizer.

Na corrida eleitoral, por outro lado, houve candidatos que não apresentaram sequer um programa e a maioria deles excluiu-se de debates. A dúvida permanece sobre se o vencedor das eleições: será um presidente que aplicará as reformas ou, ao invés, que vai ser engolido pela forma como as coisas na FIFA acontecem há décadas?

-Pode haver mais detenções?

No congresso eletivo de maio do ano passado – quando Sepp Blatter foi reeleito – houve as primeiras detenções na Suíça de altos responsáveis da FIFA incluindo vice-presidentes. Em dezembro último, na reunião do Comité Executivo, também em Zurique, voltou a haver responsáveis da FIFA detidos.

O que se sabe neste momento – além do que já aconteceu – é que há 24 suspeitos cuja identidade é ainda desconhecida: mais alguns relacionados com a FIFA e outros com as associações de futebol nacionais.

Nesta altura decorrem duas investigações. Uma delas é feita pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e incide em crimes de extorsão, fraude e lavagem de dinheiro datados desde 1991 e incidindo sobre responsáveis relacionados com as duas confederações das Américas. A outra está a cargo das autoridades suíças incidindo nos processos de atribuição das organizações dos Mundiais Qatar 2018 e Rússia 2022.

Sendo nesta altura tida como ferido colateral dos crimes investigados, a eventual falta de reformas pode levar a que se passe da acusação dos indivíduos para a da FIFA em si mesma, cujas consequências são neste momento difíceis de prever.