"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Agostinho Cá, 28 anos, médio do Vitória de Sernache.

«Nasci na Guiné-Bissau mas vim para Portugal com 15 anos, com a perspetiva de jogar no Benfica. Fiz uma semana de treinos, mas não gostaram. O Catió Baldé levou-me então para o Sporting. O mister Jean Paulo era o coordenador, e gostou de mim, mas disse que eu tinha dificuldades táticas, o que era normal. Ficou então combinado que eu ia para o Oeiras, e depois voltava.

Ao início cheguei a ligar à minha mãe, a chorar. Custou-me muito. Dizia-lhe que não conseguia ficar aqui, mas ela disse para eu continuar. Fiz uma época muito boa no Oeiras e fui para o Sporting. No primeiro treino disse ao Jean Paul que ia comer a relva, e no fim ele deu-me os parabéns pelo treino que fiz e disse que eu tinha evoluído muito.

Quando assinei pelo Sporting mudei-me de Santo António dos Cavaleiros para a Academia. Fui colega do Edgar e do Edelino Ié, do Bruno Mendonça, Antoninho Silva, Bruma, João Mário, Ricardo Esgaio, Tobias Figueiredo, Mateus Fonseca, Altaír Júnior, Eric Dier, Carlos Mané…

Foram bons tempos na Academia. Quando cheguei gostava mesmo de Filipinos. Em dia de jogo comprava sempre Filipinos e uma garrafa de água. Os meus colegas do Sporting metiam-se comigo, e eu respondia que aquilo dava força para o jogo.

Em 2012, durante o Europeu de sub-19, ligaram-me a dizer que o Barcelona e o Inter estavam interessados em mim. Eu nem queria acreditar, disse que duvidava que fosse verdade. Quando voltei a Alcochete disseram-me que as negociações com o Barcelona estavam adiantadas. Na altura nem tive dúvidas, mas acredito que o meu futebol encaixava melhor no futebol italiano.

Agostinho Cá no dia da assinatura de contrato com o Barcelona, ao lado de Edgar Ié

As lesões também não me ajudaram no Barcelona. Nem um bocadinho. Ainda me lembro da primeira vez que fui chamado para treinar na equipa principal. Estavam lá os craques todos: Messi, Puyol, Busquets, Xavi… Depois do treino até estava com vergonha de ir para o banho, com aqueles craques todos, mas o Busquets veio ter comigo e disse que éramos todos colegas, para eu estar à vontade entre eles.

O Messi era top! Incrível! Joga muito, nem sei explicar. No primeiro treino fiquei na equipa dele, mas nem tinha confiança, ali no meio dos craques todos. Ele disse-me que isso era normal, que eu era jovem, mas para tirar esse pensamento da cabeça e jogar o que sabia. Mas os jogadores com quem falei mais, nessa altura, foram o Alex Song, o Daniel Alves e o Thiago, que já tinha defrontado pela seleção.

Os problemas no menisco condicionaram-me bastante. Estava mesmo em baixo. Eu recuperava, mas depois chegava aos treinos e tinha dores. Fui emprestado duas vezes, ao Girona e ao Lleida, mas não tive oportunidades. No Girona o treinador disse-me que eu era jovem, tinha tempo para jogar, e eu respondi-lhe que não era uma questão de idade, mas se tinha qualidade ou não.

Agostinho Cá ao serviço do Barcelona

Terminada a ligação ao Barcelona fui para o Stumbras, da Lituânia. Estava lá o Prof. Mariano Barreto e convenceu-me a ir. Fiz muitos jogos, mas aquilo era um gelo. Foi bom, mas a adaptação foi difícil por causa do frio.

Acabei por voltar a Portugal para jogar no Cova da Piedade, para onde tinha ido o Prof. Mariano Barreto. Queria relançar a carreira, mas havia muita confusão no clube. Depois do Mariano sair fui encostado, e ainda fiz uns jogos nos sub-23.

Depois surgiu a oportunidade de ir para o Líbano, para o Shabab Bourj. Eu não queria, disse logo que era só guerra, mas garantiram-me que estava tudo calmo. Fiz quatro ou cinco jogos mas não gostava daquilo e pedi para rescindir.

Voltei a Portugal e assinei pelo Fontinhas. Procurei relançar novamente a carreira e fazer aquilo que mais amo, que é jogador futebol. Sempre com a esperança de dar o salto para um clube com outras condições, e dar uma vida melhor à minha família. Gostei muito de estar nos Açores. O diretor desportivo, o Fábio (Valadão), é cinco estrelas. Toda a gente é cinco estrelas.

Só tinha assinado por um ano, em todo o caso, e depois surgiu o interesse do Vitória de Sernache. Quero jogar, pois quem não joga está perdido. Tenho gostado de estar cá. É uma localidade pequena, um meio fechado. Os resultados não têm sido como desejamos, mas o futebol é mesmo assim. Acho que vamos melhorar. Agora a função de treinador foi assumida pelo presidente. Ele é tranquilo. Deixa os jogadores tranquilos. Acho que tem qualidade. Não fiquei surpreendido quando ele assumiu a equipa, pois sabia que não era a primeira vez.

A nível individual penso sempre em alcançar mais e mais. Penso sempre em jogar na primeira liga, seja de que país for. Nunca joguei na Liga, e tenho essa ambição. Vou lá chegar, tenho potencial para isso.

No início da carreira faltou-me acompanhamento, ter as pessoas certas à minha volta. Sinto que me faltou isso. Hoje em dia estaria numa situação bastante melhor, mas não vou ficar a chorar sobre o leite derramado. Ainda há tempo para qualquer coisa, com o talento que eu tenho. E a vontade é grande.»